Cássia abraçou os joelhos contra o peito, tentando se proteger do frio cortante que penetrava sua pele nua. A superfície sob ela era áspera, como pedras e corais, e o vento marítimo, gelado e salgado, fazia seus ossos tremerem, sem oferecer alívio. A brisa fria a lembrava de sua própria vulnerabilidade, e a solidão envolvia seu ser, como se o mundo ao seu redor fosse intangível.
O som das ondas batendo contra a rocha preenchia o silêncio, refletindo o vazio que ela sentia dentro de si. Sozinha, sem saída, entregava-se à ideia de que não havia mais nada para ela neste mundo.
Foi então que ouviu a voz, suave, mas firme. Cássia virou a cabeça, tentando localizar a origem do som, mas a escuridão ao seu redor parecia sem forma, sem um ponto de referência.
"Cássia."
O nome ecoou suavemente, como se tivesse sido dito diretamente em sua mente. Ela congelou por um momento, sem saber se havia escutado corretamente, mas a voz se repetiu, agora mais clara.
"Ariandel?" perguntou, sem saber por que aquela palavra surgiu tão espontaneamente. Ele era alguém familiar, alguém que ela sabia que estava ali.
O silêncio seguinte foi pesado, até que os passos firmes de Ariandel se aproximaram, preenchendo o vazio ao redor. Quando ele finalmente se deteve perto dela, uma leve brisa tocou seu rosto, como se algo invisível, mas poderoso, estivesse ao seu lado. Ele estava ali, real e palpável.
Cássia sentiu o toque dele em seu ombro, um gesto cuidadoso, mas firme. Um frio súbito percorreu sua espinha, e ela instintivamente se encolheu, sentindo a insegurança de sua nudez. Ela não sabia o que ele pensava ao vê-la assim — exposta e vulnerável —, mas sua presença trouxe-lhe um leve conforto, mesmo que ainda houvesse distância entre eles.
A voz de Ariandel soou novamente, agora mais próxima e tranquila.
"Não se preocupe, Cássia. Eu não vou te fazer mal. Vou te dar algo para que você se cubra."
Ela ouviu um som suave, como se algo estivesse se ajustando, e então sentiu a transferência de algo para ela. Era como se algo invisível, mas real, fosse impresso em seu corpo. Ela sabia o que estava acontecendo, embora não pudesse ver nem entender completamente. Instintivamente, ela pensou em usar aquilo, invocar o que havia sido dado.
A memória se formou ao seu redor, sem esforço, sem glamour. A sensação foi breve, mas eficiente. Um calor suave se espalhou pelo corpo, como se uma túnica simples se formasse sobre ela, acompanhada de sandálias de couro e uma capa leve que fluía suavemente ao redor de seus ombros.
O Feitiço anunciou a memória, a voz ecoando em sua mente:
[Memória: Sonho do Coração Profundo. Classificação: Desperto. Nível de Memória: VI.]
Cássia ficou surpresa ao perceber a classificação, um peso silencioso a atingindo. Ela sabia que, para Ariandel ter algo assim, ele precisaria ter feito algo... impossível. O simples fato de ter matado um Terror Desperto era incompreensível para ela, e agora ele compartilhava isso com ela, sem pedir nada em troca.
Ela pensou em questioná-lo, mas as palavras ficaram presas na garganta. Não havia necessidade de perguntar. Ariandel agia por sua própria vontade, sem exigências ou explicações.
"Não se sinta pressionada, Cássia", disse ele, com a voz calma e controlada. "Estou apenas emprestando isso para você. Eu mesmo posso me cobrir com minha Habilidade. Agora, você pode se cobrir também."
Cássia sentiu o toque de sua própria mão sobre a nova túnica. O material era simples, mas suave e reconfortante. A sensação de estar menos vulnerável, mais protegida, trouxe-lhe alívio, mas a insegurança de sua posição ainda persistia. Ela não sabia como lidar com tudo aquilo: a gentileza de Ariandel e a estranheza de sua condição.
Ao sentir o peso da túnica contra sua pele, Cássia levantou a cabeça e, pela primeira vez em um longo tempo, exalou lentamente. A sensação de estar viva, de ainda ter algo pelo que lutar, embora difícil de processar, começou a germinar dentro de seu peito.
Ariandel ainda estava ali, esperando. Ele não a pressionava, mas Cássia sabia que ele esperava que ela tomasse suas próprias decisões, que se levantasse e seguisse em frente.
E, por um momento, enquanto a brisa fria do mar ainda tocava sua pele e as ondas batiam suavemente contra as pedras ao redor, ela não estava mais sozinha.
***
Ariandel se manteve em silêncio por um momento, observando o local ao redor. A escuridão era quase absoluta, sem a luz de estrelas ou da lua para aliviar a opressão da noite. A única fonte de som era o movimento constante das ondas, quebrando-se nas formações de coral abaixo deles. Ele olhou para Cássia, percebendo sua inquietação, mas escolheu esperar até que ela se sentisse um pouco mais à vontade antes de falar.
"Estamos em um lugar peculiar, Cássia", disse ele finalmente, quebrando o silêncio com uma voz firme, mas tranquila. "Parece ser um pico de coral. Uma formação alta que se ergue acima do mar. E... é noite. Não há estrelas ou lua no céu, só uma escuridão uniforme."
Cássia permaneceu em silêncio, mas ele continuou, descrevendo o ambiente de forma prática.
"Pelo que posso perceber, estamos cercados por água. Parece que não há terra firme por perto, mas é difícil ter certeza. Talvez, com o amanhecer, possamos ter uma visão melhor do que está ao nosso redor."
Depois de uma pausa, ele acrescentou com um tom mais leve, quase casual:
"Além disso, não sou muito fã de nadar. Meu cabelo longo seria um desastre. Sal, vento e água... eu precisaria passar horas refazendo minha trança."
Um pequeno ruído escapou de Cássia, algo entre um suspiro e uma risada curta. A tensão pareceu se dissolver um pouco, e ele percebeu que o comentário havia surtido efeito.
"Vamos nos manter juntos. Não sabemos o que esse lugar guarda, mas teremos uma ideia melhor quando o sol nascer."
Ele estendeu a mão, tocando-a levemente no ombro, um gesto que não era apenas reconfortante, mas também uma promessa silenciosa de que ele estaria ao seu lado, independentemente do que enfrentassem.
"Por enquanto, vamos tentar descansar."
Cássia inclinou levemente a cabeça na direção da voz de Ariandel, refletindo sobre o comentário casual. A suavidade do toque dele em seu ombro havia deixado uma impressão reconfortante, mas a menção ao cabelo despertou sua curiosidade.
"Você mencionou seu cabelo..." Começou ela, hesitante, mas genuína. "É tão longo assim? Parece que dá bastante trabalho cuidar dele."
Houve um breve momento de silêncio antes de Ariandel responder, como se ponderasse se deveria se aprofundar no assunto.
"Longo é pouco. Ele chega até minhas panturrilhas, geralmente preso em uma trança para não atrapalhar", disse ele, com um tom descontraído, mas levemente orgulhoso.
"Não é algo prático, admito. Mas é parte de mim, como qualquer outra coisa."
Cássia ficou em silêncio por um momento, processando a informação. Ela não podia vê-lo, mas a imagem que sua mente pintava era vívida. A ideia de um cabelo tão longo, cuidado com tanto zelo, era algo que ela não esperava.
"Até as panturrilhas?" Repetiu, surpresa, sua voz carregada de genuína admiração.
"Deve ser... bonito. Parece algo único, especial. Não imagino muitas pessoas conseguindo manter algo assim."
"Digamos que é uma questão de hábito", respondeu Ariandel, com um leve riso. "Mas exige paciência. E, claro, evitar nadar ajuda. O mar não é exatamente gentil com fios longos."
Ela sorriu levemente, imaginando o esforço envolvido, e seu tom se suavizou ainda mais.
"É fascinante. Você parece ter tanta dedicação... ao que faz, ao que é."
Ariandel não respondeu imediatamente, mas havia algo na voz dela que o fez pensar. Quando finalmente falou, sua voz carregava um tom mais reflexivo.
"Talvez seja o que me mantém... inteiro. Cada um tem algo a que se apegar, não é? Algo que nos lembra quem somos."
Cássia assentiu, embora soubesse que ele não podia vê-la. A ideia a tocou de forma inesperada, e, por um momento, a escuridão ao redor parecia menos opressiva.