Como marido, eu deveria ter percebido que Charlotte não estava bem, mas era difícil imaginar que ela pudesse adoecer, sendo uma super-humana.
O que está acontecendo com ela?
Deixei-a na sala com Samuel e, ao sair, avisto meu irmão se aproximando. Enquanto aguardamos, três veículos blindados param à nossa frente, e vários homens com máscaras de caveira descem. O mesmo zumbi de antes me encara.
"Dion e Dylan, os dois traidores da nação," - diz um dos homens mascarados, chamando minha atenção. - "Há uma recompensa substancial por suas cabeças. Mas não estamos aqui para isso."
"Se não vieram nos capturar, por que invadiram nossas terras?" - questiona Dion.
"Estamos em busca de uma coisa, ou melhor, de uma mulher. Segundo minhas informações, vocês a possuem e viemos para levá-la."
"Aquela que te trouxe de volta à vida," - fico surpreso ao perceber que ele sabe que eu era um zumbi. - "Estamos cientes de que vocês não são simples humanos, mas não são os únicos," - de repente, o zumbi de antes aparece diante de mim, e só consigo defender seu golpe, sendo lançado para trás.
"Ele é rápido," - penso, enquanto desvio de seus ataques. Quando encontro uma brecha, desferi um soco que o arremessa para longe.
"Que curioso. Ele nunca levou um golpe antes, mas um super-humano insignificante conseguiu desferir um único golpe."
"Que diabos são vocês?" - Dion aponta sua arma para o homem mascarado.
"Olhem o que encontramos, líder," - olho para o lado e vejo dois mascarados segurando Anna.
"Me soltem, porcos imundos!"
"Que inferno. Já havia avisado para ela não sair," - Dion diz, irritado.
"Uma mulher," - um dos mascarados segura o rosto de Anna, analisando-a. - "Não me recordo da última vez que vi uma mulher limpa e saudável."
"Não me toque," - ela protesta, batendo em sua mão.
"Que selvageria," - o homem abraça o pescoço dela e nos observa. - "Tão jovem e selvagem. E, segundo minhas informações, o irmão mais velho perdeu sua família, e o mais novo foi um cão do exército desde que se tornou um zumbi. Então, ele é o seu macho?"
"Então é o grandalhão. É impressionante que uma mulher pequena suporte um indivíduo desse tamanho. Talvez meus soldados se divirtam com você mais tarde."
"O que faremos?" - pergunta Dion, enquanto eu permaneço em silêncio. - "Você não está pensando em deixá-la?"
"Seria um problema a menos na minha vida," - Dion me olha, atônito.
"Vão parar de cochichar e vão falar o que eu quero?" - Olho para frente. - "Vocês precisam de um incentivo para entender que não estou brincando?" - estalo os dedos, e dois mascarados agarram Anna.
"NÃO FAÇAM ISSO," - ela grita, enquanto um dos mascarados rasga suas roupas. - "DYLAN." - Ela clama, e, ao me preparar para agir, um vulto passa por mim, e as cabeças dos dois soldados são arrancadas.
"Charlotte," - digo seu nome ao vê-la.
"Como ousam tocar em um membro da minha família," - sua voz ressoa rouca e profunda. - "Você está bem, Anna?"
"Eu estava com muito medo," - Anna abraça Charlotte, chorando desesperadamente.
"Não importa quanto tempo passe, você continua com esse complexo de heroína," - diz o homem, removendo a máscara, revelando um jovem na casa dos vinte e cinco anos.
"Nikolas," - Charlotte pronuncia seu nome, e fico chocado ao saber que é seu ex. - "Isso é impossível, eu te vi morrer."
"Mas aqui estou, querida," - ele avança em sua direção, e o zumbi se interpõe.
"Eu sei, você gosta dela," - o zumbi se afasta, e o homem se aproxima de Charlotte. - "Deixe-me te apresentar, este é Jake, ele é meu filho," - Charlotte permanece em silêncio. - "Você deve estar se perguntando o que está acontecendo aqui."
"Você deveria estar morto."
"Uau, isso machuca. Agora estou sentindo pena do meu irmão gêmeo."
"Muitas vezes mencionei meu irmão gêmeo em nossas conversas íntimas. Mas vejo que você não se recorda," - ele segura o rosto dela. - "Noah ficou em meu lugar quando decidi não aceitar mais a missão."
"Percebemos que você estava muito próxima do vírus, então aceitei fingir ser um voluntário no programa para me aproximar de você. A cura e o vírus não poderiam coexistir; essa união poderia ser catastrófica. Sendo cientista, minha missão era fazê-la se apaixonar por mim."
"Desculpe desapontá-la, mas é a pura verdade," - ele sussurra em seu ouvido. - "Esforcei-me para ser profissional, mas toda vez que tocava seu corpo, uma parte de mim se despedaçava por estar traindo minha esposa. Um dia, deixei a missão, e meu irmão, também cientista, aceitou ficar em meu lugar. Porém, ele deixou os sentimentos o dominarem e se apaixonou por você," - solta o rosto dela. - "Fui transferido por não continuar com a missão, enquanto Noah ficou se passando por mim."
"Você está aqui para se vingar?"
"Essa foi a escolha dele. Não me interessa vingança, apenas seu sangue me interessa." - Ele a puxa para si. - "Como pode ver, meu filho é um zumbi racional, e quando soube que curou um soldado zumbi, eu tinha que vir atrás de você."
"Você veio por causa da cura?"
"Não estou aqui para relembrar nosso passado infeliz. Quem te amava era meu irmão, e pensar que ele fez tantos planos para vocês dois," - ri. - "Ele esqueceu que estava em uma missão e que não haveria finais felizes. Mas Noah sempre foi um sonhador." - Essa conversa me enche de raiva, e vou em direção a eles, puxando Charlotte para mim.
"Entendi, você é o macho dela, por isso não salvou a garota."
"Charlotte é minha, então é melhor manter suas mãos longe dela," - disparo, furioso.
"Relaxa! O que tive com Charlotte foi algo lamentável; estamos aqui apenas pela cura. Me entregue e iremos embora."
"A cura não sairá daqui. Se quer curar seu filho, terá que fazê-lo aqui," - diz Charlotte.
"Perfeito. Assim, poderemos colocar a conversa em dia."
"Não temos o que discutir, Nikolas."
"Tem certeza de que não temos? Não quer saber o motivo de você não ter suas memórias ou o que aconteceu com Gilbert e os outros?"
"Impossível. Vi todos morrerem."
"Os que você viu eram clones."
Não consegui ficar parada enquanto os gritos de Anna ecoavam em minha mente. Ao sair para salvá-la, fiquei chocada ao ver Nikolas.
Então, algumas lembranças de Nikolas mencionando seu irmão surgem em minha mente, e tudo faz sentido. Ele não mudou; foi simplesmente substituído pelo irmão gêmeo.
Deixei dois homens mentirosos me tocarem e, no final, Noah me escolheu e deu sua vida por mim.
Deveria estar furiosa, mas só lamento que ele esteja morto; caso contrário, eu adoraria puni-lo por mentir e me enganar.
"Acha que vou acreditar nesse absurdo?"
"O programa dos super-humanos não era a única coisa que realizávamos. Os clones foram uma segunda opção que foi um sucesso."
"Por que todos foram substituídos por clones?"
"Por sua causa. Mesmo sem memórias, você e Gilbert se aproximaram, e não queríamos que você se lembrasse do passado. Ele foi o primeiro a ser substituído, e depois isso ocorreu com os outros quando percebemos que todos estavam interessados em você de uma forma sexual."
"Ele fazia parte da sua vida, ou seja, vocês eram um casal," - fico chocada, e imagens do sonho surgem em minha mente, fazendo-me tombar para o lado.
"Estou bem. Apenas senti uma tontura," - tranquilizo Dylan. - "Como perdemos a memória?"
"As informações que recebemos indicam que vocês estiveram envolvidos em uma explosão nuclear e, por milagre, sobreviveram. Nosso trabalho era descobrir como isso era possível, e anos depois, o programa dos super-humanos foi criado graças ao seu sangue."
"Eu e Gilbert fomos os únicos sobreviventes?"
"Não. Havia mais dois com vocês, mas eles foram direcionados a outro laboratório. Quando vocês despertaram, as instruções foram para nunca deixá-los se aproximar, a fim de que suas memórias não retornassem."
"Como você pode ter certeza de que todos estão vivos?"
"Porque, após a fuga do vírus, eles foram ao local onde seus irmãos estavam detidos e, ao chegarem, encontraram cápsulas vazias e nenhum vestígio de sangue. Eles conseguiram escapar e te deixaram para trás; você não era tão essencial para eles como imaginava."
"De qualquer forma, você pode estar mentindo e não devo confiar em suas palavras."
"Esse sempre foi um dos seus maiores problemas. Não importava se a verdade estava bem diante de você; simplesmente fechava os olhos ao invés de encará-la," - ele me observa. - "Não havia necessidade de lhe revelar a verdade; o que realmente importa é curar meu filho e minha esposa. Mas fiz uma promessa a meu irmão."
"Ele me fez prometer que contaria toda a verdade a você se algo lhe acontecesse, e foi exatamente isso que fiz. Mas não cabe a mim que você acredite nas minhas palavras, isso é uma decisão sua," - passa a mão pelos cabelos. - "Os clones não foram os únicos perseguidos; todos os envolvidos no programa dos super humanos foram eliminados, e se eu não tivesse sido modificado, não estaria aqui conversando com você."
"Todos foram eliminados?" - ele acena que sim. - "Por que você está me contando isso?"
"Porque, ao fornecer as informações que você precisa, será uma troca justa. Não é verdade?"
"O que você acha, Dylan?"
"Acho que não devemos confiar neles. Esses homens invadiram nossas terras e ameaçaram nossa família."
"Tive que tomar medidas drásticas para chamar a atenção dela."
"Medidas drásticas? Seus homens estavam prontos para violentar uma adolescente," - Dion diz, se aproximando. - "E seu filho atacou meu irmão."
"Nem sempre consigo controlar meu filho. Peço desculpas pela conduta dele."
"Só precisamos da cura, e depois iremos embora."
"Mas quem garante que não voltarão com um exército? Mesmo que tenham um número considerável de soldados, isso não é suficiente, nem mesmo seu cão de guarda. Temos a cura, e ela é extremamente valiosa."
"Digamos que minha esposa não deseja que eu me envolva mais do que já estou nesta situação. Assim como ela, você também não quer um homem que teve um passado com Charlotte."
"Estou aqui pela minha família e, quando ela for curada, vocês nunca mais me verão, e dou minha palavra de que nenhum exército virá atrás da cura. Charlotte não é a única que continua sendo caçada desde o início do apocalipse zumbi; não posso arriscar a segurança da minha família por causa de outra mulher."
"Você fala como se eu fosse sua amante," - digo ao me soltar de Dylan. - "Tragam aqueles que eu preciso curar, mas quero esses homens longe da minha fazenda; eles que esperem na cidade. Se não, nada feito."
"Quero saber de mais uma coisa," - ele me observa. - "Tive flashes de fragmentos de memórias," - volto a levar a mão à minha cabeça. - "Tenho uma pequena lembrança da minha infância, mas deveria ser impossível, já que passei minha vida no Brasil e só fui morar com meu avô quando meus pais faleceram."
"Na sua ficha consta que você sofreu um trauma muito grande na infância e acabou perdendo suas memórias. Só sei que seus pais tinham ligação com o diretor."
"Ele era quem financiava tudo e pai de Gilbert," - fico chocada com a revelação. - "As ordens vieram dele para que você e Gilbert fossem separados."
"Cientistas não se preocupam com os motivos; eles querem ver resultados. Portanto, não me importei em saber mais sobre você ou qualquer cobaia do programa. Mas há algo que soube quando vocês chegaram ao laboratório."
"As duas crianças em seu ventre sobreviveram." - fico paralisada. - "Era para elas estarem no mesmo laboratório, mas o diretor achou arriscado deixá-las perto dos pais."
"Onde elas estão?" - pergunto com a voz trêmula.
"Não sei. Se era isso que você queria saber, vou buscar minha família para curá-las," - assobia e começa a andar, com os soldados seguindo-o, e em poucos minutos eles desaparecem.
"O que eu faço com toda essa informação, Dylan?" - olho para ele.
"Pode ser uma mentira," - ele segura meu rosto. - "Não devemos confiar nesse homem, só porque ele faz parte do seu passado."
"Eu não sei. Estou confusa," - minha cabeça volta a doer, e empurro-o.
"Minha cabeça está doendo," - caio de joelhos e seguro a minha cabeça. - "Parece que vai explodir."
"Charlotte!" - Dion me chama, e olho para ele. - "Seus olhos estão sangrando."
"O que está acontecendo?" - Dylan pergunta, desesperado, e quando tenta me tocar, empurro-o, fazendo-o recuar.
"Faça isso parar," - fecho os olhos com força e começo a gritar de dor.
"Charlotte," - uma voz masculina ecoa na minha mente, e várias lembranças começam a surgir de uma vez.
"FAÇA ALGUMA COISA, DYLAN," - escuto a voz de Samuel ao fundo.
"Lembre-se, Charlotte," - a voz retorna a falar em minha cabeça, e solto outro grito.
"Quem é você?" - pergunto com dificuldade. - "Por que está na minha cabeça?"
"O que ela está dizendo?" - Dion pergunta.
"Charlotte," - olho para frente e vejo Dylan, que se ajoelha na minha frente. - "O que está acontecendo, meu amor," - ele segura meu rosto.
"Está doendo, Dylan," - volto a gritar, e ele me abraça forte.
"CHARLOTTE," - a voz grita em minha mente e deixo a escuridão me envolver.