"Eu só estou dizendo que deveríamos voltar e terminar o trabalho. Podemos deixar o Jack se recuperando, nós quatro somos mais que suficientes. Devemos isso ao Jeff e ao Isaac..."
O homem de aparência delicada falava com insistência, enquanto seus olhos buscavam alguma reação. Mas a mulher de cabelos negros parecia alheia às palavras. Sua mente estava presa à batalha perdida. Desde que fora despertada, nunca havia recuado diante de um infectado. Jamais. Contudo, aquilo era diferente. Um monstro como aquele... jamais cruzara seu caminho em todos os anos de serviço.
"Capitã?! Está me ouvindo?" Ele elevou o tom, claramente impaciente. "Aquela coisa está ferida! Podemos emboscá-lo e acabar com isso. Então poderemos retornar à capital e sair desse chiqueiro que chamam de cidade."
Com o tom de voz nitidamente elevado, a mulher despertou de seus pensamentos. Olhou calmamente para os olhos azuis do homem e respondeu, firme, mas controlada:
"Acalme-se, Noah. Vai acabar chamando a atenção de todos neste lugar." Sua voz era fria, mas carregava uma ponta de exaustão. "Sua ideia está certa, mas atacar aquela coisa sem um plano é suicídio. Você viu do que ela é capaz. Não deixe as mortes de nossos companheiros lhe cegar. Concordo, porém, que devemos agir antes que a fera se recupere..."
Antes que Noah pudesse retrucar, um homem de aparência rústica tomou a palavra. Seu rosto estava marcado pela dureza do tempo, e a espuma de uma cerveja artesanal de milho se acumulava em seu longo bigode desgrenhado.
"A capitã está certa", disse ele, com a voz rouca e cheia de gravidade. "Precisamos de um plano sólido pra derrubar aquela coisa. Mas devíamos esperar o Jack se recuperar. Ele é o que mais quer vingança. Desde que saímos, não para de repetir que é culpa dele o Jeff ter sido pego. Diz que, se tivesse acertado o calcanhar do monstro, a batalha teria terminado de outra forma."
Antes que mais alguém falasse, outro homem interveio. Sua aparência era simples, quase anônima: cabelos castanhos curtos, barba feita e olhos negros que não revelavam emoção alguma. Quando falou, seu tom de voz era firme e uniforme, um exemplo clássico de militar em todos os sentidos.
"Concordo com Will. Acho que devemos esperar pela recuperação do Jack. O médico de cabelos brancos disse que ele estaria melhor logo, talvez até amanhã. Isso nos dá tempo para traçar um plano sólido. Como a capitã mencionou, não podemos permitir mais baixas."
A mulher de cabelos negros lançou um olhar atento para todos ao redor da mesa. Seus olhos brilhavam como esmeraldas claras, um contraste com a pele em tom caramelo, que parecia capturar a luz do ambiente. Ela assentiu levemente, organizando seus pensamentos antes de falar.
"Então, vamos discutir nosso plano de ataque. Noah, você-"
Antes que pudesse concluir, foi interrompida por uma gritaria vinda do outro lado do bar. Dois soldados entraram de maneira espalhafatosa, chamando a atenção de todos no local.
"Joe, seu velho miserável! Sirva-nos duas doses daquela vodka de batata que só você sabe fazer!"
O velho dono do bar assentiu sem demonstrar qualquer reação ao jeito rude dos soldados. Parecia acostumado àquilo, como se cenas assim fossem parte da rotina. Sem demora, começou a preparar as doses de vodka de batata.
Os homens se sentaram no balcão, relaxados, rindo e gesticulando de maneira despreocupada. Suas vozes ecoavam pelo ambiente, altas o suficiente para que qualquer um no bar pudesse ouvir.
"Que noite longa, cara. Nunca achei que ficaria tão feliz de ver a luz do Sol!" comentou um deles, iniciando a conversa.
"Nem me fale. Foi uma madrugada muito estranha. Aqueles desgraçados estavam agitados demais, e teve um momento que... sei lá, parecia que eu estava sendo vigiado..."
"Hahaha! Não pira, mano! O turno da noite está te deixando paranoico," respondeu o primeiro, batendo com força no ombro do companheiro. "A gente tem que pedir pro comandante trocar nossos turnos. Isso não é vida!"
Com um baque seco, Joe empurrou os copos pela madeira do balcão. O cheiro forte de álcool preencheu o ar, quase como uma promessa silenciosa da potência da bebida. Apesar de translúcida, a vodka parecia capaz de derrubar até os soldados mais resistentes com algumas doses.
"É disso que eu estava falando!" comentou o primeiro soldado, um sorriso largo se formando enquanto tomava o copo entre os dedos. "Vamos lá, mano, se anime! Pelo menos hoje não tivemos que encarar aquele pão duro no café da manhã!"
"É verdade. Aquela lebre que o velho Matos dividiu com a gente estava uma maravilha," respondeu o segundo, levantando o copo em um brinde improvisado. "Ainda sinto o gosto da carne defumada..."
Sem esperar muito, ele virou o copo de uma vez, os olhos revirando enquanto uma careta quase cômica deformava seu rosto. "Droga! Isso é muito ruim!" Ele bateu o copo vazio no balcão, fazendo um gesto para Joe. "Ei, manda uma cerveja pra mim! Preciso apagar esse gosto da boca!"
Enquanto o velho Joe servia a cerveja, o bar foi tomado por um movimento inesperado. Quatro figuras se levantaram de uma mesa no fundo, caminhando em direção à saída. À frente do grupo estava a mulher de cabelos negros, cuja postura confiante transmitia uma autoridade silenciosa.
Ela parou ao lado do balcão por um momento, puxando alguns créditos do bolso do casaco. Ao deixá-los sobre a madeira desgastada, olhou diretamente para Joe. "Obrigada pela refeição e pela cerveja," disse com um tom neutro, mas educado.
Sua presença fez o bar silenciar por alguns instantes. Todos os olhos estavam sobre ela, como se sua simples presença comandasse o ambiente. Mas nenhum olhar era mais evidente do que o do segundo soldado, que, de boca aberta, acompanhava cada passo da mulher enquanto ela saía pela porta. Sua mão tremia levemente, e a cerveja quase escapou do copo.
"Feche a boca antes que derrame tudo, idiota," sussurrou o primeiro soldado, com um sorriso, mas logo mudando a feição. Seu tom, dessa vez, era contido, quase como um alerta. "Não se iluda, parceiro. Essa mulher está fora do nosso alcance. Dois dias atrás, durante a troca dos turnos, vi ela e mais seis homens conversando com o comandante. Pelo que ouvi, estavam indo direto para a casa do senhor da cidade."
Lá fora, a mulher caminhava em silêncio, seus passos firmes acompanhados pelos três homens. Seu olhar estava distante, perdido em pensamentos.
'Aquele soldado parecia genuinamente assustado com essa ideia de ser observado... Será possível que o gigante nos seguiu? Não faz sentido. Se ele quisesse, teria nos atacado antes, mesmo ferido.'
Enquanto a dúvida corroía sua mente, a caminhada continuou. Quando percebeu, já estava de frente para a casa alugada. Era uma construção simples, mas firme, a cor branca era predominante.
Abrindo a porta, um homem apareceu. Sua aparência era abatida, o rosto pálido e os olhos apagados, como se toda vitalidade tivesse sido drenada de seu corpo. A camisa desabotoada revelava o torso machucado, na região do estômago uma mancha roxa-avermelhada se destacava.
Enquanto todos entravam na casa, a mulher permaneceu por alguns segundos à porta, com o olhar fixo no céu encoberto por nuvens densas. O vento constante soprava seus cabelos negros, fazendo-os dançarem ao redor de seu rosto, mas ela não parecia notar.
Seu olhar era sério, quase melancólico, como se buscasse uma resposta nas alturas. Por um momento, fechou os olhos e respirou fundo, deixando o ar frio preencher seus pulmões.
Em um tom baixo, quase inaudível, ela murmurou para si mesma.
"Parece que os ventos estão mudando..."
Com um último olhar para o horizonte cinzento, ela virou-se e entrou na velha casa, fechando a porta atrás de si.