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10.22% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 7: VI. VILEZA

Chapter 7: VI. VILEZA

Marceline se empenhou em me proporcionar uma visão geral e resumida de todas as disciplinas acadêmicas. Embora sua paixão predominante fosse a química, ela valorizava uma educação abrangente. Aprendi a manejar o sextante, o compasso, a régua de cálculo e o ábaco. Mais crucial ainda, aprendi a me virar sem essas ferramentas.

Em pouco mais de uma dúzia de dias, tornei-me capaz de identificar todas as substâncias químicas na carroça. Em dois meses, dominava a arte de destilar bebidas até se tornarem fortes demais para serem tomadas, aplicar ataduras em ferimentos, reduzir fraturas e diagnosticar inúmeras doenças pelos sintomas.

Familiarizei-me com o processo de fabricação de quatro afrodisíacos distintos, três misturas anticoncepcionais, nove para impotência e duas poções conhecidas como "ajudantes das damas". Marcy foi bastante vaga quanto à finalidade destas últimas, mas minhas suspeitas eram intensas.

Aprofundei meus conhecimentos sobre venenos, ácidos, medicamentos e panaceias, algumas das quais efetivamente funcionavam. Dupliquei meu entendimento sobre ervas, ao menos na teoria. Marcy passou a me chamar de Prateado, por conta dos cabelos brancos característicos dos Therion, e eu a chamava de Marcy, inicialmente por retaliação, mas depois por genuína amizade.

Marcy agiu com sutileza. Uma ou duas vezes por dia, misturando às minhas aulas regulares, ela me apresentava pequenos desafios mentais que eu precisava dominar antes de prosseguirmos. Fazia-me jogar tirano sem o tabuleiro e memorizar a sequência das peças. Em outras ocasiões, parava no meio de uma conversa e me fazia repetir todas as palavras ditas nos minutos anteriores, palavra por palavra.

Isso ia além da mera memorização; eu estava sendo treinado para o palco. Minha mente estava aprendendo a funcionar de maneiras distintas, a se fortalecer. Era como a sensação após um dia de cortar lenha, nadar ou ter relações íntimas. Uma exaustão lânguida, quase divina. Sentia minha mente despertando.

Era como se ganhasse impulso à medida que avançava, como quando a água começa a desgastar uma duna de areia. Talvez você não compreenda o que é uma progressão geométrica, mas é a melhor forma de descrever o que ocorria. Durante essa fase, Marcy continuou a me instruir em exercícios mentais, que eu ainda suspeitava serem criações dela por pura malícia.

Marcy segurou um pedaço comum de pedra, um pouco maior que seu punho.

― O que acontece se eu soltar esta pedra?

Ponderei por um momento. Durante as aulas, as perguntas aparentemente simples raramente eram desprovidas de complexidade. Finalmente, respondi com uma afirmação óbvia:

― É provável que ela caia.

Uma de suas sobrancelhas se ergueu. Havia meses que eu a mantinha ocupada, impedindo-a de acender fagulhas acidentais.

― Provável? Parece um sofista falando, meu jovem. Ela não cai sempre?

Mostrei-lhe a língua:

― Não tente me enrolar descaradamente. Isso é uma falácia. Aprendi com você, professora.

Ela riu.

― Ótimo. Seria justo dizer que você acredita que ela cairá?

― Bastante.

― Quero que acredite que ela subirá quando eu soltá-la. ― Seu sorriso se ampliou.

Tentei. Era uma espécie de ginástica mental. Após algum tempo, balancei a cabeça.

― Está bem.

― Até que ponto você acredita?

― Não muito ― admiti.

― Quero que acredite que esta pedra flutuará. Acredite com uma fé capaz de mover montanhas e fazer tremer árvores ― instruiu. Fez uma pausa e pareceu mudar de tática. ― Você acredita em Deus?

― Em Ardonai? De certo modo.

― Não é o bastante. Acredita em seus pais?

Dei um sorrisinho.

― Às vezes. Não posso vê-los neste exato momento.

Marcy deu um grunhido e desenganchou o bastão que usava para motivar Alfa e Beta quando estavam lentos.

― Acredita nisso, A'lun? ― perguntou. Ela só me chamava de A'lun quando achava que eu estava sendo teimoso de propósito. Segurou o bastão para que eu o examinasse.

Havia um brilho malicioso em seu olhar. Resolvi não desafiar a sorte.

― Sim.

― Ótimo ― retrucou e bateu com ele num dos lados da carroça, produzindo um estalo agudo. Uma das orelhas de Alfa girou ao ouvir o barulho, sem saber ao certo se era ou não dirigido a ela. ― É esse o tipo de fé que eu quero. Chama-se Vileza: a convicção do rebenque. Quando eu largar esta pedra, ela sairá flutuando, livre como um pássaro.

Marcy brandiu de leve o bastão e acrescentou:

― E nada da sua filosofia vã. Nada disso o fará se arrepender de ter gostado deste joguinho.

Assenti com a cabeça.

Esvaziei a mente, usando um dos truques que já tinha aprendido, e fiz esforço para acreditar. Comecei a transpirar. Passados talvez 10 minutos, tornei a balançar a cabeça. Marcy soltou a pedra. Ela caiu. Comecei a ficar com dor de cabeça. Ela tornou a pegá-la.

― Você acredita que ela flutuou?

― Não! ― retruquei, amuado, esfregando as têmporas.

― Ótimo. Ela não flutuou. Nunca se deixe enganar vendo coisas que não existem. Há uma diferença sutil, mas a simpatia não é uma arte para quem tem espírito fraco.

Tornou a mostrar a pedra:

― Acredita que ela vai flutuar?

― Ela não flutuou!

― Não faz mal. Tente outra vez. ― E a sacudiu. ― Vileza é a pedra angular da simpatia. Se você pretende impor sua vontade ao mundo, tem que exercer controle sobre aquilo em que acredita.

Tentei incessantemente. Foi uma das coisas mais difíceis que já tinha feito. Levei quase a tarde toda.

Finalmente, Marcy pôde soltar a pedra, e eu mantive firme minha convicção de que ela não cairia, apesar das evidências em contrário.

Ouvi o baque e olhei para ela.

― Entendi ― disse tranquilamente, sentindo-me um pouco convencido.

Ela me espiou pelo canto do olho, como se não acreditasse muito, mas não quisesse admitir. Pegou a pedra com seus dedos distraídos, depois encolheu os ombros e tornou a levantá-la.

― Quero que acredite que esta pedra cairá e não cairá quando eu a soltar.

E sorriu.

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Fui dormir tarde naquela noite. Meu nariz sangrava, mas um sorriso de satisfação iluminava meu rosto. Mantive as duas convicções distintas na mente, deixando que sua harmonia dissonante me embalasse até perder os sentidos.

Pensar em duas coisas díspares simultaneamente, além de extremamente eficiente, era como cantar um dueto comigo mesmo. Logo, tornou-se um dos meus passatempos favoritos. Após dois dias de prática, eu já podia facilmente cantar num trio. Em pouco tempo, estava realizando o equivalente mental de malabarismos com cartas e facas.

Embora houvesse muitas outras lições, nenhuma era tão crucial quanto a da Vileza. Marcy me apresentou ao Coração Congelado, um exercício mental que permitia deixar de lado emoções e preconceitos para pensar com clareza sobre qualquer assunto. Ela disse que aquele que realmente dominasse o Coração Congelado seria capaz de ir ao funeral da própria irmã sem derramar uma lágrima.

Marcy também me ensinou um jogo chamado Procure a Pedra. A ideia era fazer uma parte da mente esconder uma pedra imaginária num local imaginário, enquanto outra parte tentava encontrá-la. Na prática, isso desenvolve um valioso controle mental. Quando alguém realmente domina o jogo Procure a Pedra, está construindo uma Vileza forte, essencial para as simpatias.

Apesar de ser extremamente conveniente pensar em duas coisas ao mesmo tempo, o treinamento necessário para alcançar essa habilidade é frustrante, na melhor das hipóteses, e, às vezes, bastante perturbador.

Houve uma ocasião em que passei quase uma hora procurando a pedra antes de finalmente perguntar à minha outra parte onde eu a havia escondido, apenas para descobrir que não a tinha escondido em lugar nenhum. Estava apenas esperando para ver por quanto tempo continuaria a procura antes de desistir. Já se aborreceu e se divertiu consigo mesmo simultaneamente? É uma sensação interessante, para dizer o mínimo.

Em outra ocasião, pedi sugestões a mim mesmo e acabei rindo das minhas próprias piadas. Não é surpresa que muitos arcanistas que conhecemos sejam um tanto excêntricos, quando não completamente malucos.

Como Marceline disse, a simpatia não é para os fracos de espírito.


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