~ ZEV ~
Yhet engoliu seco e o som lembrou o de uma vaca sendo sugada por um pântano. Mas Zev não se mexeu, apenas esperou. "Você... está realmente aqui, Zev? Vai ficar? Ah, se você não for, eu não deveria ter te abraçado, eles vão sentir o seu cheiro em mim agora e—"
"Não se preocupe com isso, Yhet. Eu que te abracei. Eu vou ficar. Eu vou," ele disse firmemente, sem deixar-se questionar a decisão. De jeito nenhum ele iria deixar Sasha novamente. Ele alcançou a mão dela de novo e segurou para se acalmar enquanto esperava que Yhet soltasse o que não queria dizer. "Yhet?" ele disse entre dentes.
"Sim?"
"Eu não vou ficar com raiva, mas você precisa me dizer o que está pensando... sobre a Cidade?"
"A Cidade está bem, pelo menos, quero dizer, a Cidade em si," disse Yhet, torcendo as mãos. "Mas nós não moramos mais nela."
"O quê?! Por que não?"
"Não há mais bastantes de nós."
Zev parou de respirar. Ele não poderia ter ouvido isso corretamente. "Você... o que quer dizer com não há mais bastantes de nós?"
Yhet fez uma careta. "Zev, você sabe o que Xar vai fazer quando ele perceber que você está de volta?"
"Sim," Zev disse sombriamente. "É inevitável. Mas eu posso lidar com isso."
"O que ele está falando?" Sasha sussurrou para ele. Ele balançou a cabeça, sem tirar os olhos de Yhet. Aquele macho tinha o melhor coração que Zev conhecia, mas era culpado por não dizer coisas que ele achava que machucariam as pessoas. Ele ainda era jovem o bastante para não ter aprendido que muitas vezes as coisas que eles não queriam ouvir eram as mais importantes a se dizer.
"Eu não sei," ele disse para Sasha. "Yhet? Não tenha medo. Apenas me conte. Seja o que for, eu vou lidar com isso. O que você quer dizer com não há mais bastantes de vocês para a Cidade?"
"E o que eles vão fazer com o Zev porque ele voltou?" Sasha interrompeu. "Eu pensei que você disse que este lugar era seguro, Zev!"
Ele apertou a mão dela e lhe deu um olhar cortante.
Vou te contar quando estivermos sozinhos, ele disse em sua mente. Agora eu preciso fazer meu amigo falar. Ele sabe de algo importante.
Ela não sabia ainda, mas logo aprenderia que quando Yhet ficava nervoso era realmente importante mantê-lo concentrado, ou ele poderia fugir só para evitar conflito. Ela franziu a testa mas deu um aceno curto e fechou a boca.
Zev voltou a atenção para Yhet e esperou, sabendo que a tensão seria demais para ele.
O Sasquatch olhava nervosamente para trás e para frente, entre ele e Sasha. Então ele jogou as mãos para o alto. "Quando você partiu, os pesquisadores chegaram apenas algumas semanas depois. Xar tinha acabado de estabelecer a dominação. Ele não... ele ainda não tinha encontrado o seu caminho. Os pesquisadores removeram a maioria das fêmeas e dos filhotes."
"O quê?!"
Yhet fez uma careta, mas concordou relutantemente. "Nossos números... diminuíram para algumas centenas, acho? Principalmente masculinos. E principalmente em luto." O luto era como Yhet chamava a perda de uma companheira que levava qualquer Quimera a cair de joelhos em poucos anos. "Estamos morrendo, Zev," Yhet murmurou baixinho. "E Xar te culpa."
*****
~ SASHA ~
Assistir aquilo era de cortar o coração. Zev estava radiante desde que chegaram em Tana. Mesmo que ela estivesse nervosa e desequilibrada, tinha sido uma alegria vê-lo sorrir de novo, assistir ao reencontro tão feliz com seu amigo.
Mas quando o homem imenso disse que eles estavam morrendo, a luz nos olhos de Zev parou de dançar e começou a queimar.
Toda a determinação fria e a impiedade que ela tinha sentido nele na noite anterior, quando ele estava lutando com aqueles homens e tentando tirá-la em segurança, estava de volta.
Os olhos dele escureceram.
"Xar me culpa por algo que aconteceu quando eu não estava aqui?"
Yhet concordou com a cabeça, com uma expressão que era a imagem do pedido de desculpas. "Estávamos tão ocupados lutando pelo Alfa e estabelecendo o novo caminho que não prestamos atenção. Os humanos vieram e... eles simplesmente os levaram."
"Como eles puderam levar tantos?" A voz de Zev era rouca, e quase tão profunda quanto a de Yhet. Sasha apertou a mão dele.
O queixo de Yhet abaixou e ele balançou a cabeça tristemente. "Eu não sei. Eu não estava aqui. Eu estava caminhando. Era um tempo difícil. Tanta tensão e luta. Eu não estava aqui. Os outros também parecem não saber, ou não me contam se sabem."
Sasha observou Zev se recompor e forçar-se a oferecer conforto ao seu grande amigo. Ele largou a mão dela e deu um passo à frente, falando baixinho e esfregando o braço do homem. Mas sua mão estava tremendo quando ele o alcançou, e ela podia ver a tensão nele.
"Então, se eles não estão mais na Cidade," Zev disse um minuto depois, "onde está todo mundo?"
"Nós fizemos uma aldeia," disse Yhet e levantou a mão em direção à trilha que ele tinha seguido para chegar até eles. "É mais próxima do portal e—"
"Por que vocês quereriam estar mais perto do portal?" Zev sussurrou.
Yhet pareceu confuso. "Porque é mais fácil para os humanos," ele disse como se isso devesse ser óbvio.
"Por que Xar facilitaria as coisas para os humanos?"
"Porque, Zev. Eles disseram que se os ajudarmos, eles trarão nossas famílias de volta. Você deve entender o quão... quão importante isso é. Você trouxe Sasha. Depois de cinco anos!"
Zev se virou para olhar para ela então, com desespero e raiva evidentes em todo o seu belo rosto. Ela o encarou, incerta exatamente do que tinha acontecido, mas certa de uma coisa: Este lugar que Zev a trouxe, este refúgio de segurança, parecia não ser tão seguro quanto ele pensava.
Ela respirou fundo enquanto ele se aproximava e a envolvia com os braços.
"Não se preocupe," ele murmurou em seu ouvido, acariciando seus cabelos. "Eu posso te proteger. Não tenha medo."
Sasha se agarrou à sua cintura e enterrou o rosto em seu peito apenas para senti-lo perto.
Mas ela não acreditava em uma palavra sequer que ele dizia.