Kael estava com os olhos fechados, esperando a dor da mordida que nunca chegara. O aperto que antes o sufocava agora começava a ceder, como se o gigante perdesse as forças de uma hora para outra.
Com a adrenalina ainda circulando por seu corpo, ele abriu os olhos. A visão era, no mínimo, aterradora. A boca gigantesca estava meio aberta, parada a menos de 10 centímetros de seu pescoço exposto. O monstro parecia imóvel por algum motivo.
Não perdendo tempo, Kael começou a se debater para se desvencilhar do aperto sufocante, mas a pilha de músculos era pesada demais para ser movida pelos seus esforços, ainda mais com as costelas quebradas.
Logo, a criatura saiu de seu transe estranho, que durou alguns instantes. Soltando lentamente o aperto no torso, o monstro começou a mover seu corpo em direção ao lado direito do homem deitado. À sua frente, uma pequena pedra de brilho escarlate chamou sua atenção.
A "presa" que se debatia debaixo dele não era mais sua prioridade. Sua visão estava focada na luz escarlate refletida pela pedra quando o sol a tocava. Seus instintos o guiavam em direção a pequena pedra, como se seu corpo suplicasse por ela.
De repente, sua visão tremeu; tudo estava embaçado. Seu corpo musculoso já não o queria mais obedecer.
Woosh! Thud!
Seus ouvidos captaram sons estranhos. Sua cabeça era empurrada da esquerda para a direita, enquanto seu pescoço perdia as forças e cedia à gravidade. Ele desviou os olhos da pedra. Em sua visão embaçada, estava sua "presa", que momentos atrás estava à beira da morte, sufocada em seu abraço mortal.
Mas agora, com o braço esquerdo estendido em um arco, ainda de costas no chão, segurava o pedaço de aço brilhante que o outro homem usara para quebrar alguns de seus dentes e rasgar seu rosto. Com essa cena, sua visão escurecia.
Fuuu...
O ar escapou por entre os lábios de Kael, seu rosto estava uma bagunça, sangue e fluido cerebral se misturavam, pintando sua pele com tom de vermelho claro.
Argh!
Com um gemido seco, ele juntou forças e empurrou o corpo do gigante musculoso para o lado. Thud! O corpo caiu sem vida.
A adrenalina ainda pulsante em seu corpo o fez levantar. "Porra, essa foi por pouco... que merda acabou de acontecer!?" praguejou ele, enquanto a cena se repetia em sua cabeça.
Na sua memória, o monstro o derrubara durante a fuga, jogando-o próximo à mochila rasgada. Em meio ao desespero, ele se lembrava de ter atingido a cabeça do gigante com o velho pote de vidro onde guardava a pedra.
'Aquele golpe não foi forte o suficiente pra deter o ataque... alguma coisa chamou sua atenção,' ele pensou.
Olhando para o cenário ao seu redor, Kael notou a pedra vermelha a poucos centímetros do corpo da criatura. 'Será possível que isso a distraiu? Mas é só uma pedra usada no Campo dos Sentinelas pra pesquisa...'
Algo definitivamente estava estranho, mas ele não ia questionar sua sorte agora. Ainda estava vivo, apesar de tudo. Em sua mão esquerda, descansava a adaga do soldado abatido; o aço, antes reluzente, agora refletia o sol de forma opaca, manchado de sangue e fluidos cerebrais do monstro.
A cena voltou a passar em sua mente em câmera lenta. Enquanto tateava o chão com o braço esquerdo, caído e quase sem forças, seus dedos encontraram a adaga. Num último esforço, ele a ergueu em um arco e perfurou o crânio exposto do gigante, atingindo o cérebro através da abertura no osso rachado.
"Droga, tenho que ser rápido."
Voltando a si, Kael percebeu que o sol já estava em seu ápice no céu azul de Helium. Ele tinha até o pôr do sol para alcançar o Campo dos Sentinelas; se durante o dia já era arriscado, à noite a morte seria uma certeza.
Sem perder tempo, começou a juntar suas coisas espalhadas pelo chão, tirando a jaqueta para usá-la como mochila improvisada. Enrolou a pedra vermelha no couro da lebre enquanto um pensamento estranho passava por sua mente. 'Por que aqueles soldados estavam caçando essa monstruosidade?'
De repente, uma ideia audaciosa lhe ocorreu. 'A pedra... talvez essa criatura também tenha uma delas!' Um brilho de ganância surgiu em seu olhar. Deixar para trás os espólios de uma batalha seria insensato.
"Uurgh!"
Com um gemido de dor, Kael sentiu as fraturas nas costelas ao mover o corpo da pilha de músculos, virando-a de barriga para cima.
Thud! Slash.
A adaga brilhante cortou o peito cheio de músculos expostos do monstro. Com dificuldade, Kael forçou o caminho através da caixa torácica da criatura humanoide.
"Deus..."
A visão diante dele era caótica; os órgãos eram diferentes dos de um humano comum. O coração era o dobro do tamanho, mas o que realmente o deixou incrédulo foi a pedra, repousando entre os músculos daquele órgão gigantesco.
Se a pedra da lebre mal chegava ao tamanho de uma unha e ficava ao lado do coração, essa era do tamanho de um polegar inteiro, conectada ao órgão por veios vermelhos que pulsavam levemente.
Com cuidado, Kael cortou os fios e pegou a pedra. Em sua mão, ela emanava um brilho intenso, tão forte que parecia ofuscar a luz solar, como se até o próprio sol hesitasse em competir.
Guardando rapidamente a pedra junto com a outra da lebre, Kael terminou de recolher suas coisas. A adaga brilhante agora repousava em sua cintura, substituindo sua velha faca, que ele buscava entre a vegetação alta das ruas da cidade abandonada. Olhando ao redor, no entanto, não conseguiu localizar sua antiga companheira.
'Merda, não posso perder muito tempo procurando.'
Resignado, Kael pegou o arco improvisado, apenas para ver que estava quebrado em dois devido ao golpe do gigante.
Urgh! Ainda gemendo de dor, Kael iniciou sua jornada em direção ao Campo dos Sentinelas. Olhou uma última vez para trás e suspirou. "Apesar de toda essa merda, hoje ainda foi um dia de sorte..." Com isso, acelerou o passo, atravessando a vegetação que tomava as calçadas em direção ao subúrbio Sul.