Jonas e Elisa, tinham um temperamento muito parecido, ainda que fossem pessoas completamente diferentes, ao pegar a chave do chão que antes havia sido jogada em seu peito, ele não pensava em outra coisa a não ser em se livrar dela, mas, ao mesmo tempo sentia que deveria expressar uma espécie de gratidão e aliando isso a sua pressa de ir ao encontro de Clara, apenas pediu que ela entrasse logo no carro.
Após alguns minutos apenas dirigindo em silêncio, Jonas não sabia qual era a real intenção de Elisa e o porquê dela simplesmente querer seguir o mesmo rumo que ele, já que ao menos havia falado para onde estava indo, o que era estranho mediante a situação atual da sociedade, com isso ele pensava: "Que adolescente confiaria em seguir para um local desconhecido ao lado de um estranho que conheceu a um pouco mais de uma hora?". Contudo, a situação atual era tão estranha quanto a atitude da menina aparentava ser e o fato dela não ter roubado o carro quando teve a oportunidade, o fez depositar pelo menos uma ficha de crédito em relação ao caráter de Elisa.
Justamente, enquanto ele pensava nisso ela perguntou: — E então, pra onde nós vamos? — Estou indo para Cabo gelado! Minha esposa pegou o ônibus das 9:15, muito provavelmente. — respondeu Jonas. — Legal, nunca fui, mas legal. — Não que eu me importe tanto, mas por que você está indo comigo? — Na verdade, nem eu sei. Sei que sou doida, por que você poderia ser um estuprador pedófilo e tal, mas, talvez seja o fato de você ser parecido com meu irmão, juntamente com a vontade de fugir do dia que tive, sei lá. — E seu dia tão ruim assim? Porque o meu foi terrível, pra você ter uma ideia a parte menos pior foi quando te vi com a chave do meu carro nas mãos. — Viu, sou chata, mas sou legal. — Faltam duas horas ou mais pra gente chegar, por que você não conta como foi seu dia, depois a gente debate qual foi o pior, o meu ou o seu.
Elisa, ficou um tempo em silêncio antes que começasse a contar sobre seu dia e esse tempo em sua mente, pareceram horas que ativaram em seu cérebro as principais memórias de sua vida, sendo muitas delas traumáticas, as quais ela procurava esquecer. Elisa, era a segunda filha de um casal cristão, seu pai era pastor de uma Igreja filial no bairro em que viviam, ela era 16 anos mais jovem que seu irmão mais velho José, uma excelente pessoa, eles eram inseparáveis, desde que ela era um bebê.
Aos 24 anos de idade José se casou e havia quatro anos que não morava mais com os pais e consequentemente com Elisa, contudo, isso não os impedia de ter o mesmo tipo de relacionamento amoroso, até porque, eles se viam regularmente na igreja e mensalmente em um churrasco na casa de seus pais. Ele era líder dos adolescentes da igreja, muito amado e respeitado por todos, era também o único que conseguia "domar" o pavio curto de Elisa e costumava a chamar de geniosa, tanto pelo seu jeito de ser, como por sua inteligência avançada pra sua idade.
No dia de seu aniversário de 12 anos, Elisa estava muito feliz e sua família ainda mais, pois, ela havia conseguido passar para o ensino médio, mesmo com tão pouca idade. Ela não gostava de festas, mas todo ano, José levava um bolo contendo uma piadinha interna de enfeite e embora fingisse não gostar, todos percebiam que ela aparentava felicidade com este ato. José, deixou sua esposa na casa de seus pais e foi pegar o bolo deste ano que havia encomendado.
Minutos depois, o pai de Elisa recebeu uma mensagem com a foto do bolo, que continha a mensagem: #GeniosaPartiuE.M. No momento em que viu a foto, ele soltou uma gargalhada enquanto olhava para Elisa, isso a fez perceber que era alguma coisa relacionada a ela, com isso, ao pular no colo dele, tomou o celular de suas mãos e vendo a foto reclamou com todos os presentes. Embora não apreciasse festas surpresas, ou qualquer coisa parecida e tendo prometido matar seu irmão quando ele voltasse, lá no fundo ela havia gostado, tanto da mensagem quanto do bolo que aparentava ser saboroso.
Haviam se passado mais de 3 horas que José havia ido na padaria, que por sinal não era tão longe, todos estavam preocupados e inclusive tentando ligar ou mandar mensagens para o mesmo, sem êxito algum. De repente a campainha da casa toca e quando todos achavam que era ele fazendo graça, na verdade eram dois policiais com a triste notícia de que José havia sido baleado e morto. Nesse momento todos desabaram, a mãe literalmente, isto é, sofreu um desmaio nos braços de seu marido; enquanto isso, Elisa permanecia imóvel e cética ao que havia acontecido, ao mesmo tempo que olhava fixamente nos olhos do policial que trazia essa triste notícia.
Ao desviar o olhar que outrora estava fixo no policial, ela olhou para dentro do carro da polícia que estava na rua, nele havia um adolescente que não lhe era estranho, foi quando ela empurrou a todos e saiu correndo em sua direção. Chegando perto o reconheceu, seu nome era Felipe, Elisa lembrou que ele já havia feito parte do grupo de adolescentes da igreja, inclusive foi sua primeira "paixonite", entretanto, havia se afastado a mais de 4 meses, recordou-se também que seu irmão havia dito que embora ele estivesse envolvido com pessoas erradas, nunca iria desistir dele. — Felipe, cadê meu irmão? — indagou Elisa com um grande aperto no peito e nó na garganta. — Ele está morto e a culpa foi minha! — respondeu Felipe, com muita dor e tristeza em seu olhar. — Mentira! — gritou ela. — Me perdoa, ele parou para falar comigo enquanto eu estava esperando um playboy vir pegar o bagulho perto da padaria. Ele falou que todos sentiam minha falta e que independente do que eu tinha feito ou estava fazendo, Cristo me perdoava. — Cadê ele Felipe? — Eu ia largar tudo, eu juro! Eu senti Deus falando comigo naquele momento, mas do nada um carro passou atirando. Devia ser uma emboscada pra mim por estar devendo. Me desculpe Elisa, me perdoa! — finalizou Felipe. Elisa caiu sentada no meio fio se derramando em lágrimas e a última coisa que ouviu antes de desmaiar foi um dos policiais dizendo que iriam levar Felipe como testemunha.
Quatro anos haviam se passado desde então e esse acontecimento mudou drasticamente sua vida, seu jeito de vivê-la e suas crenças, Elisa não aceitava o fato de uma pessoa tão boa quanto seu irmão ter morrido de forma tão inesperada, passou a ser cética quanto a existência de Deus e acreditava, que se Ele de fato fosse Real, não deixaria que seu irmão morresse falando em Seu Nome. Seu relacionamento com seus pais se esfriou de tal forma, que ela passou a ter repulsa da forma como eles viviam, não por negligência na criação, mas pelo fato deles terem aceitado tão rápido a morte de José e também por não deixarem de falar de Deus em nenhum momento. Passado esse flash de memória, ela ouviu a voz de Jonas falando em um tom mais alto que o normal: — Ei garota, tá me ouvindo? Fala! Quero ver se seu dia foi realmente pior que o meu. — Oi! Desculpa, eu estava viajando aqui. — respondeu ela sem jeito.
Elisa, passou a falar sobre seu dia que começou com a intenção de deixar sua casa, pois não aguentava mais a forma como seus pais viviam. Ao acordar pela manhã, ela flagrou seu pai falando no celular , ao término da ligação ele se despediu dizendo o nome da pessoa, que era Felipe. Elisa não conseguiu se conter, em um momento de pura fúria, empurrou seu pai e começou uma discussão ferrenha. — Como você pode manter contato e pedir pra Deus abençoar aquele que causou a morte domeu irmão? — indagou Elisa. Seu pai, a todo tempo tentava acalmá-la e de sua boca saiam palavras sobre perdão e misericórdia, as quais ela ao menos ouvia ou prestava o mínimo de atenção, quão grande era o rancor em seu coração. Ela gritava e balançava os ombros dele com as mãos, quando um brusco empurrão a fez ficar sem reação diante dele, a partir de então com mais clareza ela o ouviu dizer: — Você deveria ter mais respeito e honrar seus pais, garota!
Elisa ficou perplexa e logo saiu correndo para fora de casa, seu pai não foi atrás, a deixou sair e sentou no sofá chorando, não apenas por ter sido brusco, mas por ver o quão incrédula sua filha havia se tornado e por não ter conseguido ajudá-la, embora tenha tentado, juntamente com sua esposa, diversas vezes. Elisa, ainda correndo sem rumo e com lágrimas nos olhos, pensava em um lugar para onde ir e tentava imaginar uma pessoa com a qual poderia contar, mas não vinha ninguém em sua mente, afinal, ela não tinha mais amigos, por conta do seu afastamento social e luto por conta da tragédia familiar. Ao ficar sem ar, ela sentou debaixo de uma marquise, onde havia sombra e após alguns minutos para recuperar o fôlego e se recompor, pensou em pedir um carro no app do celular para ir a casa de seus avós, que embora ficasse em outra cidade, era o único lugar que poderia ir.
Ao colocar a mão no bolso, o celular não estava lá, afinal de contas ela saiu de casa apenas com a roupa do corpo. Com certa relutância, ela decidiu voltar e buscar algumas coisas, além de seu celular, para que pudesse partir tranquila rumo a casa de sua avó. No caminho, ela percebeu que a distância que havia corrido era consideravelmente grande, principalmente para uma pessoa que estava vivendo uma vida sedentária, e chegando na porta de casa, antes de entrar, respirou fundo e arquitetou em sua mente entrar correndo em direção ao quarto, sem falar com ninguém, reunir suas coisas e partir. Ela, abriu a porta e ao ver seus pais conversando no sofá, olhou para os dois e saiu correndo em direção ao quarto, assim como o planejado e trancou a porta do quarto na cara de seu pai, que a perseguiu.
Enquanto seu pai a chamava, pedindo para que abrisse a porta, Elisa começou a arrumar suas coisas em uma mochila, pegou o celular que estava carregando, umas roupas e umas barras de chocolate que costumava guardar em seu armário. Tendo arrumado tudo, ficou sentada na cama, ao tempo que seu pai ainda chamava pelo seu nome, até que subitamente chegou um momento em que ele parou. Elisa, achou que fosse uma espécie de armadilha para que saísse de seu quarto, então resolveu ligar a TV e esperar mais um pouco, até que desse a hora dele sair para o trabalho.
Um pouco mais de 10 minutos depois, não tendo ouvido nenhuma espécie de barulho relativo a movimentos ou até mesmo manipulação de objetos, ela resolveu sair do quarto por achar que seus pais já deveriam ter saído de casa, mas assim que ia desligar a TV, a emissora interrompeu a programação para dar uma notícia que parecia ser muito importante. A última vez que ela havia visto isso acontecer, foi quando deram a notícia de que a maior parte da população do país, já estava vacinada e que o afastamento social imposto pela pandemia, acabara. A musiquinha pré notícia, instigou sua curiosidade, o que a fez aguardar um pouco antes de desligar a TV e sair, a notícia era a respeito do desaparecimento de diversas pessoas a nível mundial, sendo a maioria delas crianças. Aquela notícia, chamou sua atenção, o que a deixou concentrada por minutos, notícia essa repleta de imagens e filmagens de acidentes e teorias a respeito dos desaparecimentos. Ao redor do mundo, diversas LIVES ou filmagens em redes sociais, mostravam esses acidentes e desaparecimentos, impossibilitando qualquer tipo de montagem ou fraude por parte de algum grupo específico.
Os acidentes eram feios, entre eles até mesmo quedas de aeronaves, como consequência, haviam muitas rodovias com engarrafamentos de quilômetros. O vídeo que chamou mais a atenção de Elisa foi o que havia uma pessoa se filmando em uma espécie de templo, que aparentemente era uma igreja cristã, essa pessoa estava ao que tudo indica, querendo aparecer com as mãos para o alto e filmando seu próprio rosto de olhos fechados, enquanto cantava bem alto a mesma música que todos os ali presentes, quando de repente ela abre os olhos, olha para frente e consegue ver o exato momento em que basicamente 45 % das pessoas que estavam ali desapareceram, suas vestes caíram no chão e o vídeo acabou com o grito desesperado da mulher, que de acordo com a legenda dizia: Ai meu Deus, isso é real? Embora os olhos de Elisa tenham visto aquilo, a sua mente relutava para acreditar e ao sentar novamente na cama, a TV mostrava várias suposições de especialistas de diversos e diferentes tipos de segmentos, em suas respectivas redes sociais, seja religioso, científico ou até mesmo ufológico.
Do lado religioso, a explicação mais comentada e atacada nas redes sociais era referente a publicação de um pastor de igreja cristã muito conhecido no país, inclusive "dono" de uma das maiores denominações em termos de número de templos e arrecadações, sua postagem dizia: "Muitos acreditam que Jesus voltou para buscar a sua igreja, mas será mesmo? Acho que Ele não esqueceria alguns de seus contribuintes mais fiéis. Acho que esse é um arrebatamento fake, irmãos, com certeza Deus nos revelará o que é tudo isso." — Se Jesus existisse e tivesse voltado, com certeza não levaria esse cara. Fala sério, "maior contribuidor", o que é isso?! Dê uma moeda para o barqueiro? — falou Elisa para si mesma.
As notícias continuavam, e do lado científico, haviam diversas teorias e postagens, a mais relevante pelo fato de se tratar da rede social de um físico teórico muito respeitado era: "Arrebatamento? O que é isso? Conto de fadas?! Prefiro acreditar ou até mesmo provar, se tiver tempo e recursos, que essas pessoas foram para uma realidade alternativa, ou para os mais leigos: outra dimensão."
Já os Ufólogos, estavam em êxtase e a postagem mais relevante, era a de um especialista em Ufologia, que inclusive tinha um programa de TV em um canal por assinatura: "E agora terráqueos? Quem é o louco? Diante de nós está a maior e mais concreta prova de abdução de todos os tempos, só que desta vez em uma escala global. Precisamos nos preparar para uma possível invasão."
Elisa, ainda não crendo muito no que diziam os noticiários, saiu do quarto e logo se deparou com a roupa que seu pai usava no chão e após um mixto de sentimentos, pensou que isso só poderia ser brincadeira, desceu para a sala e seus pais não estavam lá, muito menos na cozinha onde verificou logo em seguida. Aproveitando que estava na cozinha, ela buscou pegar ao menos uma garrafinha d'água antes de partir e quando estava indo em direção a porta, olhou no sofá da sala e lá estava o vestido que sua mãe estava usando, ao lado do celular dela. No fundo de seu coração, ela estava preocupada com seus pais, só que mediante a mágoa, seu orgulho era mais forte e fez com que isso fosse apenas mais um detalhe.
Ao abrir a porta para sair de casa, lá estava uma mulher desesperada e que no primeiro momento, ela não reconheceu. — Elisa! Pelo amor de Deus, você viu meu filho? — perguntou aquela mulher desesperada. Elisa não fazia ideia, até porque ela não lembrava quem era aquela mulher. — Elisa, sou eu a mãe do Felipe, não lembra? — insistiu a mulher. — Não lembrava, mas agora, de forma extremamente forçada, consegui. — respondeu Elisa asperamente. — Elisa, o Felipe sumiu do nada, foi só eu me virar pra mexer na geladeira que ele desapareceu, inclusive o celular dele caiu no chão e quando fui olhar, havia uma mensagem pro seu pai. — Olha, eu não faço ideia de onde ele está, inclusive ele nunca seria bem-vindo aqui, eu nunca deixaria o culpado pela morte do meu irmão entrar nessa casa, pelo menos meu pai me respeitava nesse quesito e nunca trouxe ele aqui, ao menos não enquanto eu estivesse em casa. — Como você tem coragem de dizer isso, garota! Seu irmão salvou o meu filho da vida que ele vivia e eu tenho certeza que ele não concordaria com você. Elisa, de forma instintiva, deu um tapa na cara daquela mulher, começou a andar rápido e ao se virar gritou: — Vai procurar seu filho em algum lugar que venda drogas, com certeza ele deve estar lá!
Após dizer aquelas duras palavras para a mãe de Felipe, Elisa começou a caminhar ainda mais rápido, para se distanciar ao máximo daquela situação e ao virar a esquina, resolveu ligar para a sua avó, porém, verificou que seu celular estava sem área. Sem parar para lamentar, ao ficar mais ligada com o que estava acontecendo ao seu redor, ela reparou que a maioria das pessoas que estavam na rua, estavam transtornadas e que inclusive havia algumas batidas de carro, a ficha dela começou a cair em relação ao que estava acontecendo, só que, logicamente, mediante a seus traumas e novas "crenças", ela não associava tudo isso à algo bíblico, mas sim a algo que brevemente seria explicado pela ciência. Enquanto andava pelas calçadas, ela ouvia de tudo, inclusive que havia caído um helicóptero em um prédio ali por perto e ao atravessar a rua, um carro vinha em sua direção e dirigindo ele, estava alguém muito parecido com seu irmão, o que a deixou paralisada por alguns segundos, o suficiente para ser atropelada pelo mesmo.
Elisa contou tudo isso a Jonas, contudo, por ser orgulhosa, não mencionou que teve parte da culpa pelo atropelamento.
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