"Irmã, você o conhece?" Perguntou o menino, Tony, curioso.
Savannah assentiu.
Mais do que "conhecer", ela pensou consigo mesma. Ela tinha crescido com ele no orfanato, após a morte de seu pai. Ela chorou, diariamente, às vezes em soluços que sacudiam a garganta, outras vezes em um lamento fraco, mas sempre com um senso de mudança terrível acontecendo ao seu redor. Como se ela não pudesse confiar nas paredes ao seu redor, que elas pudessem desabar e revelar uma realidade estranha e desconhecida. Pela primeira vez em sua vida, ela estava sozinha, em todos os sentidos da palavra, e ela não sabia o que fazer.
No início, ela ficou na cama até que a estranheza de sua própria vida, girando em círculos em sua cabeça, a impelisse a levantar-se e sair, se apenas para fugir dos sonhos repetitivos que a assombravam. Foi então que ela conheceu Kevin. Um garoto alto e esguio, com uma juba de cabelos loiros. Ele sentou-se ao lado dela em um banco no pátio e mostrou-lhe um desenho que tinha feito. "Você gostou?" Ele ergueu o desenho. Era ela, sorrindo em um vestido de uma peça, com o cabelo espalhado sobre o rosto. Ele a desenhou muito mais bonita do que ela realmente era. Ela corou e, pela primeira vez em muito tempo, sorriu. "Você deveria sorrir mais, fica bem em você", ele disse. E enquanto ele estava por perto, ela sorriu.
Kevin tinha 16 anos, um ano a mais que ela. Logo ela descobriu que ele estava ali desde que se lembrava. Ele cresceu pelos corredores daquele lugar, e isso o tornou diferente da maioria dos garotos que ela conhecia. Ele não conhecia sua família e não tinha interesse em conhecê-los. Em sua mente, eles o abandonaram, e ponto final. Ele era de alguma forma mais duro, mais áspero, como uma pedra bruta. Ela gostava disso nele. Ele era a pedra dela.
Eles começaram a se seguir durante o dia e, ocasionalmente, escapavam para conversar à noite. Esses eram os encontros mais emocionantes. Era como se faíscas surgissem toda vez que eles se tocavam, cintilações subindo pelas pontas dos seus dedos. Eles só conversavam, mas havia a possibilidade de fazer muito mais.
Ela começou a pensar que ele tinha mudado, tornou-se menos um bloco de pedra bruto, mas mais um seixo de um riacho. Que as rachaduras e arestas afiadas que ele tinha sido desgastadas pela convivência deles, mas ela estava enganada.
Um dia, um garoto alto, um valentão, agarrou o colar do pai dela no pescoço dela, puxando-a para o chão e indo embora com ele. Apesar de não querer chorar, ela não conseguiu se conter. Ela sentiu as lágrimas vindo aos olhos e seu rosto ficando vermelho, e foi então que ela viu uma figura saltar sobre o valentão, derrubando-o no chão. Então a figura o espancou, socando seu rosto e flanco repetidamente. O valentão soltou gritos que fizeram todos congelarem instantaneamente e se virarem para ver o que estava acontecendo. Era Kevin. Kevin esguio estava por cima do menino e batia sangue do seu rosto, cobrindo os nós dos dedos. E então, tão rápido quanto começou, terminou. Uma enfermeira saiu e arrastou o valentão para a enfermaria e Kevin para longe, para a velha Casa da Guarda onde ele passou a próxima semana.
Depois disso, ninguém disse mais uma palavra ruim a ela.
Pouco depois, seu tio finalmente assinou toda a papelada e chegou para levá-la para sua nova casa. Ela chorou miseravelmente, e Kevin a acalmou, acariciando sua cabeça gentilmente. "Nós ainda vamos poder nos ver. Você não está saindo da cidade, e eu sempre estarei aqui. Eu prometo."
Quando ela voltou um ano depois, ele não estava em lugar nenhum. Ela perguntou ao diretor se ele sabia para onde ele tinha ido. Ele deu de ombros. "Ele envia dinheiro ocasionalmente. Sem detalhes de contato, receio."
Secretamente, ela sabia que continuava voltando ao orfanato na esperança de vê-lo. E toda vez que chegava, sentia uma pontada de decepção por ele não estar lá. Mas agora ele estava, e ele não era o garoto magro que ela lembrava, e tinha mudado tanto, e ela não sabia o que fazer. E de repente ela duvidou que a fantasia que construíra em sua cabeça ao longo dos anos pudesse corresponder à realidade. Como poderia? Ela o idealizara tanto e tão alto.
***
Meia hora se passou.
Kevin terminou os desenhos para aquelas crianças e saiu do estúdio com Savannah para o banco do pátio.
"Kevin, por que você foi embora sem me dizer?" Savannah não conseguiu esconder seu coração, que puxava suas cordas.
"O diretor não te contou? Eu fui transferido logo após a briga. Tudo aconteceu tão rapidamente que eu não tive tempo de ligar para você. Mudei-me pelo estado para um lugar no meio do nada por um ano antes de completar 18 anos, e então saí para trabalhar." O tom de Kevin era suave e passivo.
"Mas por que você não me ligou durante todo esse tempo? Você tinha meu número."
"Devo ter perdido. Pensei em ligar, pensei mesmo! Mas não tinha como. E uma vez que me mudei pelo estado… bem, como eu poderia te contatar? E depois, muito tempo se passou, e-"
"Tudo bem." Ela disse, sem pensar, descartando suas desculpas enquanto lágrimas brotavam em seus olhos.
"Não chore! As crianças vão rir de você, como quando você chegou aqui." Kevin disse, enxugando a bochecha dela com o polegar. O toque dele a chocou. "E eu terei que lutar com eles novamente, mas desta vez acho que serei enviado para a prisão. Bater em uma criança e tal."
Ela riu. "Então, no que você está trabalhando agora?"
"No desenvolvimento de jogos da JK."
"Nossa! Isso é muito bom," ela aplaudiu. "Eles são bem grandes, né? E, o que, você é um programador?"
"Sou." Ele sorriu. "Além disso, eu ajudo com a arte, mas sim, programação é o meu ganha-pão. E você? Como você está?"
Ela deu de ombros, de repente envergonhada por não ter conseguido nada em sua vida até agora, apesar de todas as oportunidades que teve, enquanto Kevin se destacava sem nenhuma. Ela mudou de assunto. "Então, você encontrou seus pais biológicos?"
Um nó de dor - ou seria raiva? - passou pelo rosto de Kevin. Ele suspirou e olhou para ela, sorriu fracamente. "Não."