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75% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 97: XCVI. DESGRAÇA

章節 97: XCVI. DESGRAÇA

Depois do almoço na Grilo resolvi voltar à Ficiaria e ver quais tinham sido os estragos.

As histórias entreouvidas deixavam implícito que o incêndio fora controlado com bastante rapidez. Se assim fosse, talvez eu até pudesse terminar o trabalho em meus emissores azuis. Caso contrário, poderia ao menos resgatar minha capa desaparecida.

Surpreendentemente, a maior parte da Ficiaria tinha atravessado o incêndio sem nenhum dano maior, mas a parte nordeste da oficina estava praticamente destruída. Não restara nada além de um amontoado de pedras e vidros quebrados e cinzas. Borrões vivos de cobre e prata se espalhavam sobre tampos quebrados de mesas e partes do piso em que vários metais haviam derretido com o calor do fogo.

Mais inquietante que os destroços foi o fato de a oficina estar deserta. Eu nunca tinha visto aquele lugar vazio.

Bati à porta do gabinete de Kelvin e dei uma olhada lá dentro. Vazio. Isso fazia certo sentido. Sem Kelvin, não havia ninguém para organizar a limpeza.

Terminar os emissores levou horas além do que eu havia esperado. Meus machucados me desviavam a atenção, e o polegar enfaixado deixara minha mão meio desajeitada. Como acontece com a maioria dos trabalhos de artífice, esse exigia duas mãos habilidosas. Até o pequeno estorvo de um curativo era um sério inconveniente.

Mesmo assim, terminei o projeto sem incidentes e me preparava para testar os emissores quando ouvi Kelvin no corredor, xingando em kiaru. Olhei para trás bem a tempo de vê-lo cruzar a porta de seu gabinete, pisando duro, seguido por um dos guildeiros de Mestre Armin.

Fechei a capela de exaustão e fui até lá, tomando cuidado com os lugares em que punha meus pés descalços. Pela janela, vi Kelvin agitando os braços como um lavrador espantando corvos. Suas mãos estavam envoltas em ataduras brancas quase até os cotovelos.

— Já chega — declarou. — Eu mesmo vou cuidar deles.

O homem segurou um dos braços de Kelvin e fez alguns ajustes nos curativos. O professor retirou as mãos e as levantou bem alto, deixando-as fora do alcance do outro.

Linsatva. Já chega, tudo tem limites.

O homem disse alguma coisa, baixo demais para que eu ouvisse, mas Kelvin continuou a abanar a cabeça.

— Não. E chega dos seus medicamentos. Já dormi o suficiente.

Kelvin fez sinal para que eu entrasse.

— A'lun Vanitas. Preciso falar com você.

Sem saber o que esperar, entrei em seu gabinete. Kelvin deu-me um olhar severo.

— Está vendo o que encontrei depois que o fogo foi extinto? — perguntou, apontando para uma massa de tecido escuro sobre sua bancada pessoal. Levantou um dos cantos cuidadosamente, com a mão enfaixada, e reconheci os restos carbonizados de minha capa.

Kelvin lhe deu uma sacudida forte e minha lâmpada manual caiu, rolando desajeitada pela mesa.

— Não faz mais de dois dias que conversamos sobre a sua lâmpada para ladrões. No entanto, hoje a encontro caída por aí, onde qualquer pessoa de caráter questionável poderia pegá-la como se lhe pertencesse — comentou, franzindo o cenho para mim. — O que tema dizer a seu favor?

Fiquei boquiaberto.

— Desculpe, Mestre Kelvin. Eu fui... Eles me levaram...

Ele olhou para meus pés, ainda de cara fechada.

— E por que está descalço? Até um A'lun deve ter bom senso suficiente para não andar com os pés desprotegidos num lugar como este. Ultimamente seu comportamento tem sido muito duvidoso. Estou desolado.

Enquanto eu me atrapalhava em busca de uma explicação, a expressão sombria do Mestre se abriu num sorriso repentino.

— Estou brincando com você, é claro — disse-me, em tom gentil. — Devo-lhe um enorme agradecimento por ter tirado a A'scor Faela do incêndio hoje.

Estendeu a mão para me dar um tapinha no ombro, mas pensou melhor, ao se lembrar que estava enfaixada.

Senti meu corpo amolecer de alívio. Apanhei a lamparina e a girei nas mãos. Não parecia ter sido danificada pelo incêndio nem corroída pelo alcatrão-de-osso.

Kelvin pegou um saquinho e também o colocou na mesa.

— Essas coisas também estavam na sua capa. Muitas coisas. Seus bolsos estavam cheios como a sacola de um criaferro.

— O senhor parece estar de bom humor, Mestre Kelvin — comentei com cautela, pensando em qual analgésico lhe teriam dado na Iátrica.

— Estou — respondeu ele, animado. — Conhece o ditado "Raen Sacre edan Vein"?

Tentei decifrar o quebra-cabeça.

— Sete anos... não sei o que é Vein.

"Espere uma desgraça a cada sete anos" — ele explicou. — É um antigo provérbio, e muito verdadeiro. Esta já estava com dois anos de atraso — acrescentou, apontando com a mão enfaixada para os destroços de sua oficina. — E, agora que veio, revelou-se uma desgraça branda. Minhas lamparinas não foram danificadas. Ninguém morreu. De todos os ferimentos leves, os meus foram os piores, como deveria ser.

Olhei para seus curativos, sentindo um nó no estômago ao pensar na hipótese de acontecer alguma coisa com sua hábeis mãos de artífice.

— Como está o senhor? — perguntei, cauteloso.

— Queimaduras de segundo grau — disse ele, descartando minha exclamação apreensiva quanto ela mal havia começado. — São apenas bolhas. Dolorosas, mas sem carbonização nem perda da mobilidade a longo prazo. Mesmo assim, terei uma dificuldade dos diabos para fazer algum trabalho nas próximas três onzenas.

— Se tudo de que o senhor precisa são mãos, Mestre Kelvin, posso lhe emprestar as minhas.

Ele fez um aceno respeitoso com a cabeça.

— É um oferecimento generoso, A'lun. Se fosse uma simples questão de mãos, eu aceitaria. Porém grande parte do meu trabalho envolve uma siglística com que... — fez uma pausa, escolhendo as palavras seguintes com cuidado — ...não seria prudente pôr um A'lun em contato.

— Nesse caso, o senhor deveria me promover a A'scor, Mestre Kelvin — retruquei, com um sorriso. — Para que eu possa servi-lo melhor.

Ele deu um risinho grave.

— Talvez eu o faça. Se você continuar fazendo boas obras.

Resolvi mudar de assunto, para não abusar da minha sorte.

— Qual foi o problema do cilindro?

— Frio demais — respondeu Kelvin. — O metal era apenas uma concha para proteger um recipiente de vidro por dentro e manter a temperatura baixa. Desconfio que a siglística do cilindro estava danificada, por isso ele foi ficando cada vez mais frio. Quando o reagente congelou...

Balancei a cabeça, finalmente compreendendo:

— Rachou o recipiente interno de vidro. Como uma garrafa de cerveja ao congelar. Depois ele corroeu o metal do cilindro.

Kelvin balançou a cabeça.

— No momento, o Jaxon está enfrentando o peso da minha insatisfação — comentou, em tom lúgubre. — Ele me contou que você lhe chamou a atenção para o assunto.

— Eu tinha certeza de que o prédio todo queimaria até virar cinzas. Não consigo imaginar como o senhor conseguiu controlar o incêndio com tanta facilidade.

— Facilidade? — repetiu ele, com ar vagamente divertido. — Com rapidez, sim. Mas não sei se foi com facilidade.

— Como o senhor conseguiu?

Kelvin me deu um sorriso.

— Boa pergunta. O que lhe parece?

— Bem, ouvi um aluno dizer que o senhor saiu de seu gabinete e chamou o nome do fogo, como o Grande Valoran. Disse "Fogo, aquiete-se", e o fogo obedeceu.

Ele soltou uma grande gargalhada.

— Gostei dessa história — disse, com um largo sorriso por trás da barba. — Mas tenho uma pergunta para você. Como conseguiu atravessar o fogo? O reagente produz uma chama extremamente forte. Como não se queimou?

— Usei uma das cubas para me molhar, Mestre Kelvin.

Ele fez um ar pensativo.

— O Jaxon o viu saltando pelo fogo momentos depois de o reagente derramar. O banho é rápido, mas não tanto assim.

— Devo dizer que quebrei o tanque, Mestre Kelvin. Pareceu-me ser o único jeito.

Ele espremeu os olhos pela janela do gabinete, franziu o cenho, saiu e foi até o extremo oposto da oficina, em direção à cuba estilhaçada. Ajoelhando-se, pegou um caco de vidro entre os dedos enfaixados e indagou:

— Por todos os quatro confins, como foi que conseguiu quebrar meu tanque, A'lun Vanitas?

Seu tom foi tão intrigado que acabei rindo.

— Bem, Mestre Kelvin, de acordo com os estudantes, eu o arrebentei com um só golpe de minha mão potente.

Ele tornou a rir.

— Também gosto dessa história, mas não acredito nela.

— Fontes mais respeitáveis dizem que usei um pedaço de barra de ferro de uma mesa próxima.

Kelvin abanou a cabeça.

— Você é um bom menino, mas aquele vidro duplamente reforçado foi feito por minhas próprias mãos. O grande Gammar não conseguiria quebrá-lo nem com o malho da bigorna — disse. Largou o caco de vidro no chão e se pôs de pé. — Os outros que contem as histórias que quiserem, mas, aqui entre nós, vamos compartilhar segredos.

— Não é grande mistério — admiti. — Conheço a siglística do vidro duplamente reforçado. Aquilo que posso fazer, eu posso quebrar.

— Mas qual foi a sua fonte? Você não poderia ter nada pronto em tão pouco tempo... — Levantei o polegar enfaixado. — Sangue — disse ele, com ar surpreso. — Usar o calor do seu corpo poderia ser chamado de insensato, A'lun Vanitas. E o congelamento dos simpatistas? E se você tivesse entrado em choque por hipotermia?

— Minhas opções eram bastante limitadas, Mestre Kelvin.

Ele balançou a cabeça, pensativo.

— É impressionante mesmo desfazer a conexão que eu tinha feito sem usar nada além de sangue — comentou. Começou a passar a mão na barba, depois carregou o sobrolho, irritado, quando os curativos impossibilitaram esse gesto.

— E o senhor, Mestre Kelvin? Como conseguiu controlar o incêndio?

— Não foi usando o nome do fogo — admitiu ele. — Se o Elohkar estivesse aqui, teria sido muito mais simples. Mas, como desconheço o nome do fogo, fiquei por conta de meus próprios recursos.

Olhei-o com ar cauteloso, sem saber ao certo se estaria ou não fazendo outra piada. Às vezes o humor impassível de Kelvin era difícil de identificar.

— Mestre Elohkar sabe o nome do fogo?

Kelvin fez que sim e acrescentou:

— Talvez haja mais uma ou duas pessoas aqui na Academia, porém o Elohkar é quem tem o domínio mais seguro.

— O nome do fogo — repeti devagar. — E essas pessoas poderiam chamá-lo, e o fogo faria o que dissessem, como o Grande Valoran?

Ele tornou a assentir com a cabeça.

— Mas isso são apenas histórias — protestei.

Kelvin me olhou com ar divertido.

— De onde acha que vem as histórias, A'lun Vanitas? Toda história tem raízes profundas em algum lugar do mundo.

— Que tipo de nome é? Como funciona?

Kelvin hesitou por um momento, depois encolheu os ombros enormes.

— É complicado explicá-lo nesta língua. Em qualquer língua. Pergunte ao Elohkar, ele tem o hábito de estudar essas coisas.

Eu sabia por experiência própria que serventia teria Elohkar.

— Então, como foi que o senhor deteve o incêndio?

— Não há muito mistério. Eu estava preparado para um acidente dessa natureza e tinha um frasquinho do reagente em meu gabinete. Usei-o como elo e tirei calor do líquido derramado. O reagente ficou frio demais para ferver e o resto da névoa se consumiu até apagar. A maior parte do reagente escoou pelas grades dos ralos, enquanto Jaxon e os outros espalhavam cal e areia para controlar o resto.

— O senhor não pode estar falando sério. Isto aqui tinha virado uma fornalha! O senhor não teria conseguido mover aquela quantidade de calor. Onde colocaria?

— Eu tinha um absorsor de calor já vazio e pronto para uma emergência desse tipo. O fogo é o mais simples dos problemas para os quais me preparei.

Descartei sua explicação com um aceno.

— Mesmo assim, seria impossível. Devia haver... — Interrompi-me. Tentei calcular quanto calor ele teria tido que deslocar, mas embatuquei, sem saber por onde começar.

— Calculo que tenham sido 850 milhões de taumas — disse Kelvin —, mas precisamos verificar o captador para obter um número mais exato.

Fiquei sem fala.

— Mas... como?

— Com rapidez — fez ele, com um gesto significativo das mãos enfaixadas —, mas não com facilidade.


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