O Narrador:
Shahanshah está no palácio do Egito, com todas as regalias, luxos e riquezas de Imperador, mas nada pode livrá-lo da sensação de que é o mais pobre e impotente de todas as criaturas, porque é incapaz de curar sua herdeira tão amada, sua Princesa e sucessora ao trono.
É verdade que sua mente busca incessantemente por um responsável por essa lastimável tragédia, mas estão em uma guerra e sabe que sua decisão de testar Shahnaz colocando como comandante de tropa foi uma temeridade, ainda mais adiante de todas as outras durante a batalha, qualquer um pode ser ferido mortalmente em combate.
Sua mente insiste em culpar o general, afinal a proteção e segurança da Princesa, estão confiadas sob a responsabilidade do general, assim como o Imperador faz com todo o exército imperial, se é assim, então por que tudo aconteceu?
Anoitece e todos sabem que serão longas horas, afinal ninguém há de dormir no palácio porque todos estão extremamente aflitos com a saúde e vida da Princesa, existem rumores de que não sobreviverá a essa noite, por essa razão já se ouvem servos chorando.
Nos aposentos reais há muito movimento de servas e servos, sob os olhos atentos de Shahanshah e a vigilância constante dos soldados.
No leito que pode ser de morte está a Princesa Shahnaz deitada, seu ferimento no peito é profundo e ainda sangra muito, há um preparado de ervas sobre ele, além de panos sobre sua testa para conter a febre, que é muito alta nesse momento.
Neste exato momento um curandeiro adentra a alcova e se aproxima para fazer a sua avaliação.
— Esse ferimento é profundo e está bem próximo ao coração, mas vamos tentar controlar esse sangramento, a febre está bem alta, mas a Princesa precisa reagir, essas próximas horas são muito importantes para ela. – o homem diz, realmente preocupado com seu estado.
— Ordeno que façam além de suas possibilidades, convoquem outros sábios e curandeiros, exijo a Princesa viva ou quem morre são vocês. – Shahanshah diz, mas são seu desespero e angústia que falam mais alto.
Todos os servos se assustam e começam a ajudar o curandeiro, que se apressa em fazer os preparados para o ferimento e para colocar nos lábios da Princesa, sob o olhar atento do Imperador, que não se afasta nem por um instante.
Do lado de fora o general aflito pede notícias aos guardas e servos, mas estes não sabem informar qualquer coisa a respeito da situação atual, apenas que é muito grave seu estado e a febre e o sangramento não cessam, mesmo com os preparados. Então o general, inconsolado se afasta e segue para o templo para fazer orações para Ahura-Mazda.
Shahanshah anda de um lado para o outro, enquanto vê as servas caminhando com inúmeras bacias de água com panos e o sangue de sua filha, enquanto o curandeiro usa toda a sua sabedoria, que parece ser insuficiente.
Sai do aposento e manda chamar o general com urgência na sala do trono.
— Estou às suas ordens, Majestade. Como está a Princesa Shahnaz? – o general diz e pergunta.
— Piorando cada vez mais, por isso quero que envie soldados com mensagens e ordene que tragam outros sábios e curandeiros de Jerusalém, Damasco e Babilônia, que venham em paz ou sob suas espadas, mas sigam a qualquer custo e imediatamente para tratar de Shahnaz. – o Imperador exige.
— Conforme suas ordens será feito, Majestade. – o general diz, faz uma reverência e se retira.
— Majestade? – o general retorna.
— Sim, general? – Shahanshah diz.
— Falhei como general, como guerreiro e como homem na missão de proteger o que há de mais precioso em seu império, a sua Princesa, aguardo sua justa punição. – ele diz e baixa o olhar, faz uma nova reverência e se retira da sala do trono, permitindo que em breves instantes o Imperador observe e admire a integridade do rapaz diante dele.
Essa situação e expressão do general conduz o Imperador a uma reflexão sobre justiça e compaixão.
Justiça é permitir que uma mulher vá para a guerra, mesmo que ela seja escolhida para ser a sucessora de um trono do império?
É justo testar sua própria filha como comandante de tropa, enquanto se está abrigado em um local seguro durante a guerra?
É íntegro e justo punir o general a quem se deve a própria vida e exército, mesmo que ele não tenha sido capaz de assegurar a proteção da Princesa durante uma guerra e com todas as suas responsabilidades?
Uma noite longa e extensa e nada da Princesa Shahnaz despertar ou reagir de qualquer maneira, pelo contrário, a febre aumenta ainda mais e começa a se debater violentamente no leito e muitos servos não são capazes de segurá-la, ao menos o sangramento tem diminuído consideravelmente, apesar de seu estado geral parecer ter piorado.
Todos estão alertas pela noite toda, esperando pela notícia do falecimento da Princesa, mas ao amanhecer recebem a notícia de sua piora e vão ao templo fazer preces a Ahura-Mazda e os egípcios aos seus deuses.
General Jahangir Azimi POV:
Sigo aflito e desesperado por não ter quase nenhuma notícia da minha amada Princesa, o Imperador permanece quase que o tempo todo em sua alcova trancado com os curandeiros e servos, na primeira noite fico andando pelo palácio, ouvindo os rumores por todos os cantos de que pode ser sua última noite, vou ao templo e faço orações à Ahura-Mazda suplicando pela vida de Shahnaz, que não permita que ela pereça, antes que eu vá em seu lugar.
Maldito momento em que ela quis me salvar daquela lança! Jamais me perdoarei se ela morrer em meu lugar.
Recebo uma convocação do Imperador e vou depressa até a sala do trono, recebo uma ordem, que sigo para cumprir imediatamente, mas não sem antes assumir minha culpa e esperar a minha punição, que sei que virá em um momento oportuno.
Escolho os soldados e ordeno que sigam até Jerusalém, Damasco e Babilônia e regressem rapidamente com os sábios nas condições exigidas.
Então retorno ao templo, já que não vou conseguir dormir essa noite, estou desesperado e não posso nem mesmo derramar uma lágrima, mas tenho que permanecer forte, levanto e ando pelo palácio em busca de informações e há uma correria, dizem que a Princesa está piorando, o que me faz temer ainda mais, o dia está amanhecendo e finalmente conseguem controlar os tremores de seu corpo, mas não a febre.
O Narrador:
Ao amanhecer Ahriman se aproxima do Imperador.
— Majestade, como está a Princesa? – ele pergunta, sem interesse.
— Em uma situação crítica, Ahriman. – o Imperador responde.
— Vossa Majestade deve punir o general, eu estava lá e vi que os dois estavam lutando bem próximos e ele devia ter protegido a Princesa, mas não o fez, deixou que ela fosse acertada pela lança de propósito. – Ahriman incita.
— Está dizendo algo muito grave, tem certeza disso? – Shahanshah pergunta.
— Não lhe diria se não tivesse certeza, Majestade, mas posso trazer um soldado que testifique o que digo. – Ahriman diz e manda o homem entrar.
Então o guerreiro tremendo diante do Imperador confirma as palavras do filho de Atefeh e é dispensado da presença de ambos, em seguida Ahriman também sai da sala do trono.
— Disse que ia dar tudo certo e você seria recompensado, tome suas moedas de bronze e saia da minha frente, não conte a ninguém o que fizemos. – Ahriman diz e o guerreiro corre do palácio.
Shahanshah manda convocar todos os nobres de guerra na sala do trono e o general.
— Convoquei todos aqui porque vou definir o destino do general Jahangir Azimi. – o Imperador diz e o general se apresenta diante dele.
— Nada tenho a dizer em meu favor, uma vez que falhei em minha missão de proteger a Princesa Shahnaz. – o general diz.
— Ahriman diga diante dos nobres o que me relatou mais cedo. – Shahanshah ordena.
— Enquanto estava duelando, vi que a Princesa e o general estavam lutando bem próximos, quando a lança foi dirigida de um nobre egípcio para ela, mas ele nada fez para defendê-la, permitindo que fosse atingida. – Ahriman diz e todos os nobres se surpreendem, alguns saem em defesa do general, refutando essa possibilidade.
— Isso não é verdade, Majestade. – o general tenta argumentar.
— Foi atestado por outro soldado, general. – o Imperador diz.
— Prendam-no! – Shahanshah ordena e os soldados levam o general Jahangir ao cárcere.
— Quando será o julgamento dele? – Sirdar Khodadad questiona.
— Apenas quando tivermos a definição da situação da Princesa Shahnaz. – o Imperador diz.
— Será escolhido um outro general? – Sarosh, filho de Jaleh, pergunta.
— Que me aconselham, respeitáveis Senhores? – o Imperador pergunta.
— Que seja instituído ao menos um líder sobre o exército para o momento até que o general seja julgado, afinal ainda estamos em guerra. – Sirdar Ohrmazd diz e muitos concordam.
— Constituo Ahriman líder temporário sobre o exército até o julgamento do general Jahangir. – Shahanshah diz, fazendo seu filho bastardo vibrar com a notícia.
Todos os nobres ficam divididos em relação ao acontecido na sala do trono, discutem entre si, mas não ousam dizer mais nada ao Imperador.
No cárcere o general acaba sendo bem tratado pelos seus soldados, que estão tristes por ver o que o destino tem reservado para um homem tão bom e justo, mas não podem evitar que fique trancado nesse lugar fétido e nojento, ao invés de sua alcova.
Passam dois dias de intensa aflição para todos no palácio, em especial para os que estão na alcova da Princesa Shahnaz, trabalhando noite e dia, observando qualquer sinal de melhora, mas não há, a febre insiste em permanecer alta, mesmo com as tentativas de refrescar a pele com os panos e as bacias com água, pelo menos o ferimento já não sangra mais e segue com uma boa camada de preparado com ervas sobre ele, além do que é oferecido pela boca da Princesa.
Finalmente chegam os sábios das Satrapias, cumprimentam o Imperador, se lavam e se apressam em examinar a Princesa, conversam entre si e escolhem alterar o tipo de preparado escolhido para cicatrizar o ferimento e para curá-la, fazem um novo e aplicam no local e dão em sua boca, obrigando Shahnaz a engolir, mesmo desacordada, com todo o cuidado, deixando o Imperador mais esperançoso nessa ciência.
No acampamento a notícia da prisão do general e do estado da Princesa Shahnaz se espalham, fazendo com que todos fiquem desolados, em especial os comandantes, que tentam manter o ânimo de suas tropas, dizendo que o general Jahangir ainda terá seu julgamento e direito a defesa, mesmo sabendo que ninguém jamais será capaz de livrá-lo da sentença de morte em uma situação como essa.
Infelizmente vem uma outra notícia que desagrada a todos, haverá um novo líder temporário no lugar do general, o terrível Ahriman, sua má fama é conhecida entre todos os guerreiros e agora exercerá poder sobre todo o exército, pelo menos até o julgamento de Jahangir Azimi.
Em sua primeira declaração aos comandantes de tropas afirma desejar marchar sobre o Chipre para conquistá-lo em breve e há de conseguir autorização do Imperador para fazê-lo o quanto antes, avisa que todos devem estar prontos e simplesmente dá as costas e sai.
Então todos os comandantes começam a responder assim que o veem sair.
— Estaremos prontos, Senhor. – Simin diz.
— Marcharemos sim, Senhor. – Dareh diz.
— E todas as nossas tropas obedecerão ao nosso comando, Senhor. – Gazsi diz.
— Esteja certo disso, Senhor. – Jaspe diz.
— Gloriosa seja a Pérsia, nosso Imperador e general! – Cy diz.
General Jahangir Azimi POV:
Só sei que os dias estão se passando porque os soldados me dizem quando é dia e noite, então sete dias se passam e não sei o que está acontecendo, ninguém me diz mais nada, apenas me trazem alimentos e me deixam trancafiado nesse cubículo fétido e escuro, que está me levando à loucura.
— Por favor, me dê notícias. – imploro.
— Ahriman foi instituído líder do exército até o seu julgamento. – o soldado diz.
— Quando será meu julgamento? – pergunto.
— Quando a situação da Princesa se definir. – ele diz.
— Como ela está? – pergunto.
— Ninguém pode se aproximar de seu aposento, mas todos dizem que depois da chegada dos novos sábios sua febre começou a baixar, mas é muito cedo para dizer que ela vai sobreviver. – ele diz.
Penso e reflito sobre os acontecimentos daquele momento, tento entender de onde pode ter vindo aquela lança e não consigo me lembrar da posição de Ahriman, apenas da Shahnaz e a minha, do seu grito e do momento em que ela pula na minha frente e é atingida em cheio e cai diante de mim.
Por mais que eu pense, não consigo lembrar dos soldados ao nosso redor que podem nos servir como testemunhas ou de qualquer outro detalhe relevante, parece que meu cérebro está parado no tempo e espaço.
O Narrador:
Sete dias se passam e a Princesa Shahnaz ainda segue desacordada, seu ferimento está sem vestígios de sangramento, pela primeira vez sua febre tem cedido leve e lentamente, o que é um grande progresso em meio a tanta aflição por seu estado.
Shahanshah está exausto, segue para sua alcova para descansar, está incansavelmente ao lado de sua herdeira em seus aposentos durante esses primeiros dias.
Toda a rotina permanece a mesma no Egito desde a guerra, no palácio todos estão se desdobrando com os cuidados com a Princesa, dia e noite e sem qualquer descanso, no cárcere vigiando o general.
Na cidade, os soldados trabalham para a reconstrução das casas e comércios, tudo está indo muito bem e rápido.
No acampamento, todas as tropas se dividem para cumprir suas tarefas diárias, como alimentar e cuidar dos animais e armamentos, fazer as refeições e no tempo livre descansar.
Shahanshah vai para a sala do trono com seus nobres.
— Quero sua permissão para avançar e marchar em direção ao Chipre para conquistá-lo para Vossa Majestade. – Ahriman diz.
— É cedo demais, Ahriman. – o Imperador diz.
— Deve considerar que os soldados não estão preparados para outra batalha. – Sirdar Khodadad diz.
— É uma província pequena, conseguimos com metade do contingente que temos, preciso de apenas três tropas. – Ahriman diz.
— É uma temeridade o que está prestes a fazer, é muito jovem e não conhece o exército. – Sirdar Ohrmazd diz.
— Não tem afinidade com o exército, que está esperando pelo retorno de seu general, não obedecerão ao seu comando. – Sirdar Melqart diz
— Eles se sujeitarão a mim e o que eu ordenar será feito, sou seu líder agora. – Ahriman diz.
— Se é assim, pegue as tropas e marche, mas eu permanecerei aqui no Egito. Quando conquistar o Chipre invada-o tome o palácio e a cidade e exerça domínio em meu nome e da Pérsia. – Shahanshah diz.
Alguns nobres desejam seguir com Ahriman e se preparam porque ele partirá ainda essa noite e manda comunicar as tropas, decide levar as de Cy, Dareh e Jaspe, mas leva em consideração o aconselhamento dos nobres e aceita conduzir mais duas, a de Gazsi e Simin por segurança.
Assim que anoitece, todos os guerreiros estão prontos para marchar, com os comandantes à frente das tropas, aguardam o sinal de Ahriman para partir e este dá um sorriso vitorioso com sua altivez e arrogância que lhe são peculiares, olha para os nobres, põe o helmet e cavalga diante de todos e faz um gesto para que o sigam, levantando uma nuvem de poeira atrás deles.
Ahriman decide estender a marcha por dois dias e só quando todos estão exaustos e famintos é que ele permite a pausa para descanso e alimentação, em poucas horas determina que ergam acampamento e sigam.
Então continuam por mais dois dias e então todos estão diante do inimigo, mas exaustos e famintos, antes de se alimentar, Ahriman determina que sejam organizadas as tendas principais e exige uma reunião com os comandantes para elaborar as estratégias de guerra.
— Uma tropa vai avançar a leste, outra a oeste e uma seguirá adiante comigo. – Ahriman diz, do alto de sua arrogância.
— Apenas se sairmos nadando, Senhor. – comandante Cy diz.
— Vão desobedecer às minhas ordens? – Ahriman pergunta.
— Não, só estamos dizendo que podemos mergulhar no mar para cumprir suas ordens e morrer antes mesmo de lutar. – comandante Jaspe explica.
— Ou seguimos com as tropas todos adiante a partir da fronteira com a Lídia. – comandante Dareh diz e os nobres lhe dão razão.
E Ahriman é obrigado a concordar e dispensar a todos, que saem rindo.
Então os comandantes comunicam as tropas sobre a estratégia simples para essa guerra, mas o que ninguém sabe é que há outra em seus corações.
Veem o inimigo se aproximando e mesmo exaustos e famintos, se posicionam para guerrear em nome da Pérsia, do Imperador e do General Jahangir Azimi!
— Agora o Chipre se tornará província da Pérsia e vocês lembrarão do nome de Ahriman para sempre. – ele grita e ri debochadamente.
Então o exército avança contra os inimigos e iniciam o confronto sangrento, os comandantes veem que o Ahriman, o novo líder, está à frente das tropas junto com os nobres persas, tentando avançar para atingir os nobres cipriotas e o seu rei.
Seguem combatendo por algum tempo, até que os comandantes olham uns para os outros e fazem um sinal para as tropas baterem em retirada, então todo o exército persa começa a debandar, os nobres veem a situação delicada em que se encontram e cavalgam a toda velocidade fazendo o mesmo, deixando Ahriman no campo de batalha sozinho diante dos nobres cipriotas, que vão formando um círculo ao seu redor e gargalham debochadamente.
— Então esse é o filho do harém do Imperador!
— Nunca pode ser general e nem agora o é.
— Tem toda razão, realmente nunca vamos esquecê-lo.
— Você nunca subirá ao trono!
Ahriman tenta se defender desesperadamente com sua espada, mas são muitos guerreiros à sua volta, vai recebendo muitos golpes em todas as partes do corpo e vai sentindo cada dor, ouvindo cada risada e ofensa, como se cada momento passasse lentamente, rememorando cada derrota em seus últimos momentos de vida.
Então o próprio general vem e lhe dá o golpe de misericórdia cravando sua espada no coração, vendo-o sangrar pela boca e cair no chão com os olhos abertos, enquanto balbucia o nome Atefeh.
— Eu vou me vingar de todos vocês. – Ahriman diz.
— Só se for no mundo dos mortos. – o rei chega e diz, fazendo todos gargalharem.