Enquanto a cidade continuava a oscilar entre formas e fragmentos, Kael e Lira caminharam em silêncio. Kael sentia o peso das palavras de sua própria sombra reverberando em sua mente. A imagem de seu outro "eu" - com cicatrizes e olhar frio - parecia mais do que um mero reflexo. Era uma versão de si mesmo que ele temia, uma manifestação daquilo que sempre evitara confrontar.
As ruas mudavam constantemente ao redor deles. Em um instante, pareciam estar em uma cidade moderna, com arranha-céus altos e luzes brilhantes; no seguinte, estavam cercados por construções de pedra e vielas antigas, como se tivessem sido transportados para uma época passada. Kael começou a notar que cada "mudança" na cidade não era aleatória. Havia padrões, como fragmentos de outras vidas.
"Lira, essas realidades... elas não são só reflexos, são?" ele perguntou, observando uma torre que se inclinava no horizonte antes de se transformar em uma estrutura futurista.
Lira fez uma pausa, os olhos fixos em uma construção à frente. "Não exatamente. Cada distorção reflete uma realidade que já existiu, uma versão alternativa de nosso mundo. O que você vê agora é uma mistura de tempos e eventos que poderiam ter ocorrido ou ainda podem ocorrer em outras linhas do tempo."
Kael sentiu uma sensação de vertigem ao perceber a vastidão e complexidade das realidades ao seu redor. Eram mundos dentro de mundos, cada um com suas próprias leis, histórias e consequências.
Eles caminharam até chegarem a um parque abandonado, no qual o chão rachado e os balanços enferrujados balançavam ao vento. Havia uma calma estranha, como se aquele lugar fosse um espaço seguro entre as realidades.
Lira se sentou em um banco quebrado, observando Kael atentamente. "Agora é a hora de você entender o que significa ser um Conector, Kael. Suas habilidades não são apenas para cruzar realidades; elas são uma forma de harmonia. Quando você as usou pela primeira vez, estava em sintonia com as diferentes dimensões, mantendo-as em equilíbrio. Mas depois que você tentou... desconectar-se de sua função, as realidades começaram a perder essa estabilidade."
Kael sentiu uma pontada de culpa, mas tentou conter a emoção. "Você quer dizer que toda essa destruição... é minha culpa?"
"Não exatamente, mas sua ausência criou uma abertura. As realidades começaram a se mover por conta própria, procurando uma maneira de se estabilizar. E foi nessa busca que essa força desconhecida viu uma oportunidade."
Kael assentiu, tentando absorver as palavras dela. "Essa força que você menciona... você tem alguma ideia do que pode ser?"
Ela hesitou antes de responder, os olhos escuros fixos nos dele. "Tenho suspeitas, mas nada concreto. O que sei é que ela está agindo nas sombras, manipulado as rupturas e aproveitando-se da sua ausência. Essa força não quer apenas atravessar realidades; ela quer dominá-las."
A ideia de um poder capaz de manipular realidades inteiras era assustadora, mas Kael sabia que precisava encarar aquilo. Ele suspirou, reunindo coragem. "Então, como retomamos o controle? Como eu... reaprendo a ser um Conector?"
Lira se levantou, um brilho determinado em seus olhos. "Primeiro, você precisa aceitar sua conexão com o próprio tecido da realidade. Cada vez que uma distorção ocorre, você sente dor. Isso é um reflexo da sua ligação. Você precisa aprender a canalizar essa energia, a usá-la para estabilizar as realidades."
Kael fechou os olhos, concentrando-se na dor persistente em sua mente. Ele sentiu a pulsação da distorção e, por um momento, percebeu uma conexão quase física com o mundo ao seu redor. Era como se ele pudesse "sentir" o parque, as rachaduras no solo e as folhas secas movendo-se ao vento. Mas, ao tentar se aprofundar, a dor se intensificou, e ele foi forçado a abrir os olhos, ofegante.
"É difícil... parece que quanto mais eu tento controlar, mais a dor aumenta."
Lira colocou uma mão em seu ombro, sua expressão encorajadora. "Isso é normal. Sua mente ainda está se reajustando à conexão. Com o tempo, você conseguirá controlar a intensidade."
Nesse momento, um som estranho ecoou pelo parque. Era uma risada baixa e sinistra, que parecia vir de todas as direções ao mesmo tempo. Kael e Lira se viraram, procurando pela fonte do som. Das sombras, uma figura começou a emergir.
Era uma figura alta, envolta em um manto negro que parecia se fundir com a escuridão ao seu redor. Seus olhos brilhavam em um tom de vermelho intenso, e um sorriso sutil mas ameaçador se desenhava em seu rosto.
"Bem-vindos ao meu domínio", disse a figura, com uma voz que reverberava pelo ar.
Kael deu um passo para trás instintivamente, enquanto Lira assumia uma postura defensiva ao seu lado.
"Quem é você?" Lira exigiu, com um tom firme.
A figura inclinou a cabeça, estudando-os com interesse. "Eu sou apenas um observador... alguém que, como você, deseja manter o equilíbrio. Mas, ao contrário de vocês, vejo uma solução diferente para a instabilidade das realidades."
Kael sentiu um calafrio. "Você é a força que está manipulando as rupturas?"
O sorriso da figura se alargou. "Manipulando? Não, estou apenas corrigindo o que está errado. Realidades colidem e se distorcem porque vocês, Conectores, falharam em manter o equilíbrio. Estou aqui para... ajustar as coisas, de uma forma que vocês não foram capazes."
"Então, você quer dizer que está destruindo as realidades para consertá-las?" Kael desafiou, sentindo a raiva crescer dentro dele.
A figura riu novamente. "Destruir? Não... eu prefiro o termo 'reestruturar'. As realidades são frágeis, como vidro. Às vezes, para criar algo mais forte, é necessário quebrar o antigo."
Lira deu um passo à frente, encarando a figura. "Nós não permitiremos que você continue. O equilíbrio não pode ser alcançado pela destruição."
A figura sorriu, desta vez de forma mais sombria. "Vamos ver, então. Se acham que podem me impedir, tentem. Mas estejam avisados... aqueles que desafiam o curso natural das realidades pagam um preço alto."
Com essas palavras, a figura começou a desaparecer nas sombras, sua risada ecoando mais uma vez pelo parque. Quando a presença finalmente sumiu, Kael e Lira permaneceram em silêncio, absorvendo a gravidade da situação.
Kael respirou fundo, olhando para Lira. "Então, esse é o nosso inimigo."
Ela assentiu, seu olhar determinado. "Sim. E se quisermos ter uma chance de proteger as realidades, você precisará dominar completamente suas habilidades. O que acabamos de ver é apenas o começo."