Havia um termo que o Rei odiava: Escolhido Pelo Bosque.
Era uma tradição dos Espíritos, não espiritos como ele, um humano condenado a uma vida sem seu corpo e sem a morte, mas os Espíritos do Bosque.
Se ele era o Rei, cada Espírito do Bosque seria equivalente aos profetas, ou druidas.
Em Arbor havia um pequeno pedaço de terra, uma ilha chamada Slagven, a fonte de todos os Dons de Arbor e além. Ou como seu filho costumava chamar: magia.
O Bosque era um pedaço de terra nesta ilha que em outro lugar seria sagrado e cultuado, mas feéricos tem uma regra muito firme sobre cultuar os Espíritos Do Bosque. Afinal, ninguém quer saber como eles seriam com mais poder em suas mãos do que já possuem.
Mais poderosos que um Imperador, os Espíritos Do Bosque era quem criavam os Heróis, quem distribuía os Dons. Ninguém ousaria ir contra eles, se não estivesse preparado pelas consequências.
Havia algo que acontecia a cada geração de um monarca em Arbor. Dentre os Espíritos Do Bosque, sua líder: Destiny, escolhia entre todas as espécies seu campeão, que portaria o poder principal do Bosque.
O Rei particularmente sempre repudiou essa prática e não era novidade, até porque não houve uma única vez na história em que um O'Niell tivesse se dado bem com um Escolhido.
Mas desta vez, o Rei se viu inclinado a concordar com a eleição do Escolhido, não que houvesse de fato uma eleição. Destiny simplesmente olhava para alguém — seja homem, mulher, feérico, elfo, fada, etc., — e estava decidida a fazer dele seu campeão.
O Rei só sentiu no fundo de sua alma: este garoto é minha única esperança.
Será que é assim que Destiny se sente ao ver um Escolhido? Se questionou o Rei. Como se todas as peças de repente se encaixassem?
Mas é claro, o Rei se negou a acreditar. E quando viu o garoto manipulando a escuridão, esta foi a confirmação de que seus instintos estavam lhe pregando uma peça.
O Rei estava convencido de que o garoto portava Magia Negra, que se vendeu a ela assim como grande parte de seus antecessores, os Reis De Arbor, o fizeram. Nada o faria pensar de outra maneira.
Mas então, O Grande Rhion estava a sua frente, domésticado como um gatinho gigante. Então o Rei pensou que poderia ter esperanças novamente, que essa seria sua chance de poder ter seu descanso eterno. Sem ser um Espírito Mentor. Apenas um homem ao lado de sua esposa eternamente, se tivesse sorte.
E o que ele menos esperava aconteceu: O Príncipe Dos Feéricos rejeitou sua oferta.
— Eu não sou um herói.
Ele parecia firme, talvez o Rei deveria recuar, talvez em alguns séculos apareça outro Príncipe Dos Feéricos que rejeitasse o Feiticeiro Negro, talvez….
— Não pode saber se é um herói se não se tornou um ainda.
Infelizmente, o Rei jamais aprendeu o sentido da palavra 'talvez'.
— Já treinei heróis o suficiente para saber que jamais serei um!
Ah! O teste para receber o título de Príncipe Dos Feéricos. Pensou o Rei, já sabendo que quando seu filho era um príncipe, ele também teve que ser o mentor de várias crianças e adolescentes. Mesmo que David realmente tenha treinado heróis fora de Arbor e o filho do Rei apenas cavalheiros, não deixava de ser o mesmo esquema.
David cruzou os braços, esperando o Rei insistir. Ao invés disso, ele disse:
— Por que veio até a Caverna Sagrada?
— Por um artefato sagrado e… — Resmungou o príncipe, e depois de um segundo em silêncio, suspirou profundamente. — Procuro A Armadura de Aled.
O Rei arqueou uma sobrancelha, de certo pensando o porque um O'Niell, os únicos feéricos que não morriam nem se arrancassem seu coração, faria com uma armadura que o protegia exclusivamente da morte. Se David usasse a armadura, seria invencível, pois jamais iria perecer, mas se ele não usasse e falecesse, não mudaria nada. David ainda sobreviveria.
Era um artefato útil em alguém que o tornaria inútil.
Não era para David, ele já havia dito antes, porém agora o artefato em si deixava tudo mais claro.
— Não posso lhe entregar esse artefato sagrado.
— Por que não?
— Não há muito o que posso fazer, se eu ao menos tivesse meu corpo ou se você se tornasse o 'Herói'…
— Sei que não precisa ser um herói para usar uma relíquia sagrada!
David estava começando a ter um daqueles ataques de raiva, enquanto o Rei apenas deu de ombros como se dissesse: pelo menos eu tentei.
Jin Yang que havia se recomposto a alguns momentos atrás de seu ataque de riso, se aproximou de maneira protetora perto do príncipe ao ver sua expressão. Enquanto Lolo que antes parecia entediado aos pés de David, ficou em pé imediatamente.
— Como posso conseguir a Armadura de Aled?
Se o príncipe pensasse por um único instante que havia outra alternativa para pegar o artefato ao invés de vir diretamente falar com o Rei, ele jamais iria por esse caminho. Em hipótese alguma!
— Veja bem, a Espada de Rhion e a Armadura de Aled são os únicos artefatos sagrados que me foram permitido esconder, e eu os coloquei tão profundamente nesta velha caverna que nem mesmo o Feiticeiro Negro as encontrou. Mas tem um porém…
O Rei se moveu rapidamente, sem um corpo para atrapalhar, ele atravessa as paredes com facilidade.
Jin e David se entreolham e dão de ombros, sabendo o que fazer, mas sem mover um músculo.
O Rei aparece de novo, somente a cabeça para dentro, mas David é o único que pode vê-lo então não vê muita graça nisso.
— Você não vem?
David suspira novamente, o seguindo caverna adentro e sinalizando para Lolo e Jin fazerem o mesmo. O Rei vai na frente, ziguezagueando com agilidade, mas é prestativo o suficiente para considerar que é o único que pode atravessar as paredes.
David para em uma porta igual ao quarto em que estavam anteriormente, no entanto, sem nenhuma sofisticação.
Ele a abre sem nenhuma hesitação, mas Jin o encara atentamente, sentindo suas mudanças de humor.
— E então? — Questiona o garoto, vendo que ao contrário do quarto do Rei, este estava um desastre completo, sem cristais ou livros, apenas uma cama enorme no centro da sala.
Jin parou antes mesmo de entrar, mexeu em algo no seu pulso e fez uma careta.
— Opa, foi mal pirralho, o dever me chama.
E então foi embora, sem mais nem menos, ignorando os protestos de David. O príncipe passou a mão em seu cabelo em um gesto irritado.
— Como eu estava dizendo. — Começou o Rei, sem interesse algum no homem indo embora. — O único problema em encontrar os artefatos sagrados, é que o lugar está cheio de parasitas.
O príncipe sente o corpo todo estremecer, um barulho abafado o faz olhar para cima. Onde algo muito parecido com morcegos feitos de geleia, se é que isso existia, pareciam morder as rochas do teto incansavelmente.
— Não parecem com os parasitas que eu conheço.
— É porque provavelmente não são. Essas pragas são cobaias do Feiticeiro Negro, feitos com Magia Negra.
David fez uma careta de nojo.
— Não posso encontrar a Armadura de Aled enquanto isso ainda estiver rondando essas paredes. — Disse o Rei, calmamente.
— E você está pedindo para eu me livrar deles?
— Precisamente.
O príncipe solta um suspiro frustado, ele poderia retrucar, argumentar , negociar… mas foi mais rápido em cravar uma adaga um uma das criaturas no teto, saltando em seguida para o mesmo lugar.
O garoto se pendura, se livrando das pestes asquerosas com imensa concentração. Tudo que ele queria era se livrar logo daquela sala que o trazia tantas lembranças dolorosas. As pestes não demoraram a cair mortas no chão com um grito medonho. Ele não sabe quanto tempo ficou ali, até ser interrompido bruscamente.
— David Allans, o que pensa que está fazendo?!? — Grita uma voz infantil, escancarando a porta de pedra.
O príncipe se desequilibrou e caiu no chão, metralhando palavrões para todo o canto. Ao se levantar ele encara o culpado por sua queda com raiva, ficando imediatamente pálido ao ver três crianças entrando no recinto.
Não crianças normais, suas crianças, seus três melhores amigos o encaram com surpresa, nunca tendo o visto perder o controle. O menor entre eles da um passo à frente.
— Você acabou de fazer um combo de palavrão? — Perguntou ele, todo orgulhoso.
Jin Yang estava logo atrás, sem esconder o risinho canalha. David o encarou em puro desespero.
— Por favor, não conta pro Mike!
O sorrisinho debochado aumenta.
— Tarde demais, pirralho.
Jin Yang da um passo pro lado, revelando um homem alto, mesmo que não tão alto quanto ele. Cabelos negros, sorriso angelical com covinhas que foi substituído por uma linha fina e um olhar profundo de repreensão.
Ali estava seu pai e guardião legal, Michael Allans. E David soube no mesmo instante que estava encrencado.
— Oh, merda!