«Nova Dallas»•«São Preto»•«José Framergard»•«Flamingos»•«Santa Lianna»•«Don Jonas»•«Jhonsey»
Na sala dos funcionários, Bryan está acomodado em um sofá e os pés cruzados em cima da mesa de centro quando Élton passa pela porta e coloca seu molho de chaves em cima do móvel. A brancura da tintura nas paredes exibe um tênue azulado em reflexo luz piscante do televisor, única fonte de luz na sala. Metade da sala dos funcionários é dividida em 4 fileiras de armários metálicos, ao tempo em que a outra metade é composta por três grandes sofás sofisticados, num quadrado semi-aberto, além de um pequeno criado mudo com uma TV de tubo. Um tapete bem ornamentado fica ao meio e Bryan apoia a pipoca nas pernas estendidas sobre a mesinha que está sobre o tapete.
A sala dos funcionários não é só o lugar onde funcionários deixam seus uniformes e outros pertences pessoais. Mais do que a nomenclatura exibida na plaqueta da porta, ante a maioria, aquilo está mais para um santuário de descanso para velhas senhoras que não aguentam mais trabalhar — não que isso remeta a qualquer fato com Eulália — ou pessoas com desculpas para enrolar. Seja um telefonema importante, passar mal devido ao ar-condicionado, desmaios, convulsões, ataques cardíacos e até uma simulação de quase morte. Esta última teve seu lance quando Bryan simulou uma queda da escada de serviços, se emaranhado nos fios de alta-tensão na sala dos condutores. Apesar de ter negado várias vezes que tivesse descido da escada por vontade própria mesmo depois de uma câmera escondida ter mostrado que ele tinha descido, depois de muita insistência, sua versão mudou para uma espécie de premonição na qual se viu caindo em cima dos condutores de mais de 3.000 volts e ter supostamente sido eletrocutado. Insistia no fato de ter sido eletrocutado quando chegou ao pé da escada. Apesar das queimaduras serem bem artificiais e o cheiro de fósforo ser praticamente um axioma para Élton, ele resolveu não insistir mais antes que aquela conversa chegasse ao incontestável e alguém dissesse que aquilo só podia ser um milagre de Ardna.
— Oi Élton – Bryan cumprimenta, totalmente imerso no programa da televisão. Pelo barulho da boca, Élton nota que algo crocante está ocupando sua mastigação; pipoca.
"Esse cara perdeu o jeito. Eu que ainda fosse o chefe da manutenção aqui", pensa Élton indignado indo até a geladeira. Grande parte das vezes, ali não é o melhor local para se guardar qualquer tipo de gelados ou afins e esperasse que tivesse algo ali no dia seguinte ou daqui a algumas horas. Dado isso, os funcionários deixam ocasionalmente algum refrigerante ou as sobras do que eles vêm tomando no caminho ou algo de uma festa. Noutras palavras, os restos são o que qualquer um encontrará ali. Refrigerantes. Algo típico do povo de São Preto. Nem que seja o mais barato, da casa do mais pobre ao mais rico, sempre há algum resquício na geladeira desses cidadãos, lembrando que no último dos casos, há algum último gole para sempre salvar sua honra.
Élton pega uma garrafa de refrigerante, abre e enche outro copo que encontra nos suportes da porta da geladeira. O refrigerante está um tanto sem gás e por causa disso não faz seu glorioso tsss após Élton abrir a garrafa. Entretanto, ainda assim consegue ver algumas bolhinhas no fundo do copo quando a soda é derramada, e ouve o borbulhar de sua efervescência do fluido, dando alguma esperança da erupção química de bolhas que sentirá em sua língua após colocar aquilo na boca. Élton guarda o refrigerante, vai até um dos sofás e se acomoda bebericando no copo.
"Até que não está nada mal"
Bryan assiste a um famoso programa de TV em um canal educativo. O programa se passa em um cenário que lembra algum tipo de sala de aula bem bagunçado. O cenário claramente parece algo que têm uma fracassada intenção de lembrar um tipo de laboratório maluco. Há estantes de ferro ao fundo, tubos de conduítes, roupas amassadas, máquina de lavar, varais, quadro-negro e até um caixão ao fundo. De certa forma é tudo num cenário um tanto exagerado, acentuando o cômico para o programa infantil do que algo mais sério. Para acentuar esta última, a programação é apresentada por dois homens de jaleco branco bem atrapalhados. Um possui cabelos grandes e arrepiados. Magro e aparentemente bem alto. O outro aparenta ter cabelos um tanto longos e relaxados, mas bem amarrados em rabo de cavalo e apenas duas mechas que descem propositalmente nos cantos de suas orelhas na parte frontal.
— E agora nós jogamos a coberta em cima da oferenda — fala o apresentador de rabo de cavalo enquanto o outro, joga a coberta em cima de uma espécie de incenso no chão. — Para ver se realmente funciona...
De repente, o cobertor levanta como se tivesse alguém por debaixo dele, num típico formato oval, como se alguém levantasse por debaixo da coberta.
— Oh céus, será possível? — se impressiona o de cabelo arrepiado com os olhos arregalados, demonstrando um espanto um tanto forçado. Um berro semelhante ao de uma ovelha sai debaixo da coberta.
— É realmente ele, o Chupa Cabra!
As coisas começaram a flutuar e um vento — ou ao menos, é o que tenta parecer ser — assoma o estúdio de gravação. Os apresentadores correm de um lado para o outro com afirmações esquisitas, como: Ele está bravo! Corra Phill! Cuidado com o fogão! Tragam uma cabra!
— Que baboseira é essa? — susta Élton.
— São os Caçadores Paranormais – responde Bryan, lotando a boca de pipoca. – Eles fazem testes sobrenaturais.
— E você acredita numa besteira dessas? – pergunta Élton em tom acusatório, dando mais uma golada em sua bebida.
— Não é besteira – rebate o outro cuspindo pipoca enquanto fala. – Eles pesquisam rituais em livros de seitas antigas, e eles testam. Já abriram até desafios para o público enviar.
Uma vinheta interrompe o programa de Bryan.
— A não... Não... Não...! – se irrita Bryan derrubando parte da pipoca no chão.
Após isso, uma tela mostrando Plantão de Notícias aparece na tela e seguidamente muda para uma apresentadora de TV numa típica mesa de notícias num estúdio de gravação.
— Mais notícias do caso 568. Depois das 12:00 horas de ontem, a linha vermelha do metrô foi fechada por tempo indeterminado devido às investigações entre o túnel de José Framergard e Flamingos. Todas as estações tiveram grande parte de seus funcionários dispensados. As linhas serão testadas hoje à noite e voltarão a funcionar amanhã às três da manhã, porém em velocidade reduzida. Ainda não foi dado nenhum sinal dos desaparecidos, nem sequer do metrô 568 e nenhuma pista além dos sinais de acidente no túnel. Apesar do retorno das linhas, a perícia continuará trabalhando nas investigações nos túneis.
"O caso 568, remete ao metrô 568 da linha vermelha que por volta das 4:30 da manhã perdeu seu contato e desde se teve mais notícias. — a programação exibem, vários operários com lanternas nos capacetes procurando algo em túneis escuros — Perto das 12:00 horas de ontem, a investigação começou a mostrar avanços significativos dado às informações de que o metrô 568 não havia nem chegado à estação Flamingos. Os investigadores presumem que o metrô teve algum problema entre as estações José Framergard e Flamingos. — agora exibe uma animação 3d de um metrô descarrilando em bários ângulos diferentes — Não há evidências claras do ocorrido dado que o maquinista do metrô 567, que vinha depois do 568, passou tranquilamente pelos túneis das estações e não viu nem sentiu nada de diferente. Os sinais de descarrilamento encontrados no túnel horas depois, que presumidamente estão relacionadas ao metrô sumido, reforça a ideia de descarrilamento para uma parte mais profunda do túnel, segundo os peritos. — a animação agora exibe o metrô indo para uma bifurcação de trilhos se arrasta com a força do impacto — Apesar da análise dos especialistas, entre todos os esforços do governo, não foi o suficiente para acalentar o desespero dos parentes das vítimas desse estranho acidente, — a TV agora exibe uma multidão em protesto, cheias de cartazes e panos com foto — já que nem sequer acharam o metrô desaparecido. Algumas revoltas foram instauradas em Santa Lianna e Don Jonas, já que grande parte dos trabalhadores usam os metrôs para se locomoverem. — A jornalista retorna na imagem — Seguimos com a programação na TV Livre.
A vinheta se vai e a programação de Bryan volta no exato momento em que termina de juntar as pipocas do chão.
— Corre, Christopher! – exclama ele para um dos apresentadores dos Caçadores Paranormais.
Élton balança a cabeça em desaprovação.
— Vou ver os testes – desponta Élton enquanto sai da sala, tragando o refrigerante do copo.
— Ah sim! Cuidado com o fantasma de Allulasu – responde o outro num tom que deixa Élton confuso entre o deboche e a seriedade.
Élton se vira furibundo, mas desiste de brigar com seu antigo aprendiz e sai da sala dos funcionários.