Acordara de seus devaneios quando o grito das arquibancadas fora alto o suficiente. O grupo de garotas que costumavam torcer por Milles não faltaram ao compromisso e celebravam o primeiro ponto feito pelo time.
Quando Theodore prestara atenção no que realmente acontecia em quadra, engolira em seco. As três figuras que tornavam o time forte pareciam cobertas por chamas escaldantes. Seria esperado de Nicolas, afinal ele ainda estaria bravo pelo o que ocorrera anteriormente, mas aqueles dois alfas? Era muito estranho.
O mais estranho ainda eram os olhares daqueles três sobre si. Mais uma vez esperaria isso de Nicolas, e até mesmo de Gabriel, mas de Milles? Oh céus, o que havia acontecido com o mundo?
Virando a cabeça disfarçadamente, Theodore buscara pela amiga na primeira fila das arquibancadas, arregalando os olhos claros em um pedido de ajuda. A pobre garota parecia surpresa quando balançou os ombros em um sorriso triste sem poder fazer muita coisa dali.
Certo, estava sozinho por enquanto. Teria de enfrentar aqueles olhos fumegantes repletos de raiva.
— Tô achando que nosso capitão vai precisar de uma soneca urgente depois do almoço. — Sussurrava o técnico para o seu assistente. — Apesar dele parecer bem enquanto joga... Ah que confuso.
— Professor, admita que quer deixar seu capitão desse jeito só pra vencer.
—Mas é claro, veja só aqueles magricelas tremendo de medo. Estamos com tudo hoje.
— Se Nico for dormir, ele vai perder essa marra toda.
— É o que penso... Mas seria o certo.... Como poderíamos estimular o nosso capitão na dose certa?
Theodore suspirava acompanhado de seu professor de educação física. Depois que a partida acabasse, provavelmente Nicolas se sentiria tão cansado que seria necessário dormir. Porém havia a segunda partida que também decidiria a próxima fase das eliminatórias. De maneira alguma o capitão deveria jogar com menos empolgação do que a primeira partida, o time adversário tomaria vantagem disso.
Aproveitando o momento de saque do outro time, Theodore olhara para a outra quadra atrás de si, onde o time que jogaria à tarde vencia seu oponente em grande escala. A diferença de pontos era grande mesmo no primeiro set.
— Eles são bons... Ah... O assistente deles está assistindo o nosso jogo.
Com o comentário do ômega o professor virou-se rapidamente para encontrar o sujeito que não fazia questão alguma de esconder sua presença. Um rapaz de óculos e olhar frio assistia fazendo anotações, sem se importar em ser descarado.
— Ah que merda... Quer saber? Seja o que Deus quiser. No segundo set vou deixar Howard na reserva e você o coloca pra dormir. O que acha do Jones levantando pro Mckenzie e Thunder?
Theodore fizera uma careta diante da dificuldade em conseguir cumprir aquela tarefa. Seu amigo provavelmente estaria muito disposto a discutir consigo ao invés de descansar.
Mas o bem do time era maior naquele momento.
— Tudo bem... Acho que pode funcionar, Gabriel consegue se adaptar bem aos atacantes do nosso time.
— Foi o que pensei.
Recebendo tapinhas do treinador, Theodore tornou a assistir a partida. Tivera de engolir em seco quando seu time conseguira mais pontos graças aquela atmosfera escaldante. Nicolas atravessava a quadra curvado atrás de Milles, escondendo sua presença do time adversário, saltando ao mesmo tempo que Gabriel levantava a bola em sua direção. O corte feito na bola furara o bloqueio do outro time, tendo uma recepção tempestuosa garantindo outro ponto.
Conseguindo três pontos de distância do outro time, o primeiro set logo se encerrava com o apito. Os jogadores deixaram a quadra sentando-se nas cadeiras para beberem a água distribuída pelo técnico junto das toalhas. Diferente das outras vezes, Nicolas não se sentara ao lado do seu melhor amigo.
Ah, certamente a sua fúria era imensa, pensava Theodore. Apoiando os cotovelos em suas pernas, o ômega logo tivera que afastar aquela preocupação quando o suor dos atletas começara a serpentear no ar.
A mistura dos odores era definitivamente enjoativa para o ômega. Mesmo tendo tomado seu comprimido supressor antes de sair de casa, não conseguia evitar de se sentir mal com o cheiro de betas e alfas mesclados. Era horrível.
Cobrindo o nariz disfarçadamente com os dedos, o ômega virava o rosto na tentativa falha de fugir daquele oceano de odores. O cheiro de um alfa era capaz de entorpecer um ômega, enquanto que de um beta resultaria em uma sedução mais branda. Mesclar os odores era como causar um conflito dentro de um ômega. Certamente o cheiro de alfa deveria ser mais forte, mas Theodore se encontrava perto de um time predominantemente beta.
Oh céus, estava começando a suar e sua visão estava prestes a ficar embaçada. Seus instintos não faziam a menor ideia para qual odor reagir.
Por que aquilo estaria acontecendo consigo? No ano anterior não se sentiu dessa maneira. Os seus comprimidos tinham dado conta do recado, ficara tranquilo o dia inteiro conseguido acompanhar seu time. Então porquê agora perdiam o efeito?
Fechando os olhos que embaçavam de vez, Theodore tentava se acalmar. O coração disparara, e o temor de que seu próprio cheiro começasse a escapar o deixava temeroso.
Sentindo um movimento ao seu lado, Theodore não ousara se mover. Puxando o ar para seus pulmões, sentira um odor predominante em sua volta. Um cheiro que fora capaz de afastar a mistura tão odiosa. Virando a cabeça quando reconhecera, seus olhos claros se arregalavam em notar Gabriel sentado ao seu lado enxugando o suor com a toalha branca.
— Gabriel?
O alfa o olhara seriamente, como se ainda estivesse preso naquela atmosfera flamejante da quadra. O ômega até ficara receoso de falar consigo.
— Estou descansando um pouco, não se importa não é?
— Não, claro que não.
Estaria bravo consigo? Uma reação um tanto quanto curiosa. Mas deveria agradecê-lo mais tarde, já que sua presença trouxera calmaria para seus instintos. Theodore respirara fundo dando leves tapas em seu peito, apaziguando todo o furacão que havia surgido repentinamente.
Os dois não foram capazes de conversar, principalmente quando Nicolas se aproximou com uma carranca e se sentou no outro lado de Theodore. A chegada do capitão causara a saída de Gabriel, para a tristeza do ômega, que queria conversar mais um pouco.
Mas teria de esperar, já que Nicolas bufava do seu lado como sempre fazia quando as coisas não iam de acordo com o planejado.
— Vai dormir agora?
— Acha que estou com sono? — Respondia o baixinho bebendo sua água antes de virar os olhos zangados para seu amigo — E a pirralha?
Assim como havia imaginado, seu amigo não iria dormir até entender o que raios estaria acontecendo com Lilian. Theodore se ajeitou na cadeira cruzando os braços tentando encontrar uma saída para aquele beco.
— Está junto com os amigos dela assistindo as partidas.
— Fale logo o que eu quero saber, Theodore.
— Eu já disse, você que não acreditou. Ela me chamou pra participar do concurso.
— Sinto que tem algo a mais nessa história...
Theodore sorriu levemente baixando os olhos para suas mãos sobre o colo. Há quanto tempo eles se conheciam? Claro que Nicolas iria saber que tem muita coisa sendo omitida, e que ele não iria gostar de ser mantido fora. Faria o mesmo em seu lugar.
Mas se contasse, seu amigo ficaria bravo consigo e com Gabriel. Não... Naquele momento Nicolas deveria descansar.
Então uma ideia surgira na cabeça de Theodore.
— Te contarei depois que acordar. Não quero levar uma bronca do professor se eu não te fizer dormir agora.
Suspirando, Nicolas relaxara os ombros parecendo desistir de discutir.
— Promete que será sincero comigo?
— Responderei todas as suas perguntas, eu prometo.
Recebendo um afago em seus cabelos, Nicolas se ajeitara no banco deitando a cabeça no colo de Theodore. O ômega puxava a bolsa do seu amigo para tirar dela um casaco de moletom, o jogando para cobrir Nicolas. Acariciando seus cabelos suavemente do jeito que ele gostava, esperou que seu amigo caísse no sono como esperado.
Uma vez que cumprira sua tarefa de acalmar o pequeno demônio, e o chamado para o segundo set ocorrera, Theodore voltara a observar a quadra. Para a sua surpresa, a atmosfera quente e furiosa não havia dispersado mesmo com a ausência do capitão.
Para a felicidade do técnico, Gabriel jogara perfeitamente com os demais atletas. Principalmente com Milles, como se os dois estivessem sincronizados seus sentimentos. Os primeiros pontos garantiram vantagem sobre o outro time. E para a surpresa de Theodore, quem lançara um olhar mortal em sua direção fora Milles.
Estranho.
Milles costumava ser alguém que comemorava suas vitórias junto com sua torcida. No entanto ele mantinha a cara fechada e o olhar raivoso em sua direção. Ora essa, que bicho teria o mordido?
Vez ou outra o ômega olhava para o seu colo, notando que seu amigo continuava a dormir independente da barulheira em sua volta. E observando Nicolas dormir é que o loiro recordara-se de que mais cedo quem havia levado seu amigo para a quadra fora Milles.
Naquele momento ele já estava irritado.
— Parece um namorado ciumento. — Pensava alto o ômega.
Cruzando os braços enquanto assistia a partida, Theodore se acalmava lentamente. Diferente de antes onde havia todo um nervosismo sobre a partida, aquela dupla criara uma distância na pontuação que determinara sua vitória.
O técnico gritava implorando que seus bloqueadores mantivessem a defesa do time para impedir que o adversário fizesse pontos. Alguns palavreados escapavam da boca do professor, porém Milles fazia questão de recuperar a pontuação com seus cortes fortes. E é claro, sem deixar de sempre olhar em direção de Theodore.
Minutos depois a partida se encerrara ali. A vitória do time de sua escola fora declarada e os jogadores pulavam de um lado para outro celebrando. Theodore ficara aliviado que o primeiro desafio do dia tenha garantido bons resultados, porém o pior seria à tarde.
Observando os jogadores pegarem suas bolsas para deixarem a quadra, Theodore baixara os olhos se preparando para acordar o amigo. Em tese deveria deixá-lo dormir até acordar sozinho, pois seu humor estaria mais calmo, porém precisariam sair dali...
Coçando a cabeça prestes a tomar uma decisão, Theodore notara um par de tênis esportivos pararem na sua frente. Erguendo a cabeça lentamente surpreendia-se em ver Milles encarando o seu capitão.
— Ham...
— Eu levo ele.
Contestar seria inútil quando Milles pegara Nicolas nos braços com facilidade, deixando um ômega loiro boquiaberto. O alfa lhe dera as costas seguindo junto com o time para fora da quadra com naturalidade. Piscando algumas vezes, Theodore pegara a sua bolsa e a de Nicolas para seguir mais atrás o seu grupo, ainda se questionando o que faria aquele alfa carregar o seu inimigo nos braços.
Estando preparado em seguir o time para fora, uma mão forte segurara firmemente o pulso do ômega o guiando para outro caminho contrário. Sem entender o motivo de seus pés seguirem, Theodore era trombado com a multidão que ansiava deixar o ginásio. Na sua frente encontrara o sujeito alto vestindo o uniforme preto com detalhes dourado, que tinha as costas largas como uma grande muralha.
Entorpecido pelo repentino chamado, Theodore percebia que o alfa estaria lhe guiando para o corredor dos vestiários, que também estaria cheio de pessoas. Queria chamar o seu nome e perguntar o que estaria fazendo, porém aquele moreno não ousara lhe dirigir o olhar. Apenas puxava pelo pulso atravessando a multidão até que estivessem sozinhos em um canto.
Sendo empurrado contra a parede, Theodore olhava em volta sem saber exatamente onde estariam graças à parca iluminação. Ainda que tentasse entender a situação em que se encontrava não adiantaria, sua atenção fora roubada quando Gabriel o encurralara fitando-o ameaçadoramente.
— O que... O que está fazendo Gabriel?
Gabriel não lhe dirigia um sorriso gentil, nem estaria conversando consigo com sempre fazia. No lugar de seus brilhantes olhos castanhos, havia uma escuridão arrepiante. O cavalheirismo ausente era ocupado por um alfa dominador que se aproximava de sua presa ameaçadoramente.
Seu cheiro envolvera Theodore, tendo o efeito imediato de tornar o ômega loiro seu refém. As pernas perdiam as forças para fugir, o coração disparava intensamente fazendo com que o aroma adocicado escapasse suavemente.
E então, sem ainda prestar quaisquer justificativas de seus atos, Gabriel beijava Theodore.