Após ter meu café da manhã interrompido antes mesmo de começar, Kaz não consegue esconder muito bem a empolgação que tem por poder possivelmente nos colocar em situações que em qualquer outro contexto seriam torturas, tudo em nome do nosso treinamento.
Infelizmente ele também não consegue esconder que não tem muita experiencia ensinando pessoas. A forma como o humor dele mudou quando Baha o questionou e desdenhou o papel de um filtro funcional, é preocupante.
Por outro lado da pra ver que ele de fato está ensinando, eu honestamente temia que ele nos fizesse passar por provações sem sentido simplesmente por achar divertido, mas parece que ele sabe separar diversão das obrigações.
Quando vejo, ou melhor sinto, os dois idiotas se acalmarem volto a focar na meditação, tento acumular somente a energia do vento, infelizmente logo tenho que para. Afinal todo Synchroner que armazena mais de um tipo de energia no dantian tem que ter o cuidado de balancear as diferentes formas de energia em seus dantians de forma a não causarem uma reação indesejada.
Me usando como exemplo, se eu manter energia eólica em excesso vou começar a apresentar sintomas de doença de altitude, já se o excesso for da energia de ruptura coisas como meus vasos sanguíneos se romperem por conta própria passariam a acontecer.
Nenhuma das duas possibilidades é agradável.
Como não quero que Kaz fique interessado demais na energia de ruptura, paro de meditar assim que alcanço o ponto de equilibro das duas forças que coexistem em meu dantian, com nada que eu precise fazer de imediato, ouço sem interromper a 'aula' particular que Baha está tendo.
"Use seu coração."
Que diabos? O que aconteceu com o treino? Por que isso virou uma conversa motivacional?
Um pouco depois ouço Kaz explicar que estava falando literalmente, sobre como usar o coração como base para filtrar o ruido.
O que a falta de contexto pode fazer. Kaz motivando alguém? Eu devia saber que era um mal entendido.
"Mingten se acabou com a cultivação pode vir aqui que vou precisar de mais que uma pessoa para o que quero demonstrar." O bebedor de galões obviamente percebeu que eu parei meu treino, nenhuma surpresa ai. Por que ele precisa de mais uma pessoa é o que eu quero descobrir.
Por favor que eu não me arrependa.
Me aproximo dos dois e pergunto:
"O que você quer?"
"Nada demais, apenas acho que vai ser mais fácil e eficiente se vocês dois sentirem pessoalmente os efeitos do treinamento." O ladrão de bebidas fala, visivelmente mais calmo e composto do que antes da minha sessão de cultivo.
"Okay, do que você precisa exatamente?" Pergunto, um pouco menos tensa, no final do dia tenho que me acostumar a interagir com ele se eu prosseguir com a ideia de faze-lo um aliado da Ordem.
"Só quero que sincronizemos os nossos corações, e antes que você faça alguma piada, eu estou sendo literal."
Não precisava me avisar eu ouvi a conversa que vocês tiveram antes, mas devo admitir que diante de uma frase como 'sincronizar nossos corações' é difícil não ironizar o quão brega isso soa.
"Espera já? Não tem nenhum problema certo? Nem algum truque para nos... para me colocar em alguma situação de quase morte dessa vez, né?" Baha pergunta, com ansiedade quase escrita em seu rosto, é uma nova tatuagem?
Mas honestamente também prefiro não ser enganada para a quase morte, e acho que Baha tem um pouco de ressentimento de mim desde o incidente com a aposta, difícil não notar a troca do 'nos' por 'me'.
"Não, não dessa vez. Agora se sentem e estendam uma de suas mãos de forma que cada um possa sentir o pulso do outro." Kaz volta a falar com o tom de comando que usou quando nos aconselhava na partida de treino.
Fazemos como o pedido, estendendo nossas mão de forma a cada um tocar o pulso do outro, eu Kaz começamos a estabelecer a ligação pela mudança do ritmo dos nossos corações e um pouco atrasado Baha também começa a estabelecer a ligação.
Badump, badump.
As batidas vão aos poucos se tornando o som e sensação mais distinto em meus sentidos, encobrindo todos os outros.
Badump, Badump.
"Isso é a demonstração referente a usar o coração como filtro, agora quero que sintam as diferenças em meu corpo quando comparado ao de vocês."
Assim que o bebedor de galões fala, sentimos o ritmo do coração dele mudar, acelerar e arrastar o nosso ritmo com o dele, sutilmente aprofundando a conexão que formamos com o coração um do outro, e com isso como ponto de partida, nossa respiração e circulação também se sincronizam as de Kaz.
Do coração o sangue é bombeado com a força de uma enchente, corre pelos nossos corpos como o mais violento dos rios e inunda cada célula que toca, e então volta aos canais veias e faz a volta até o coração para sair desenfreado pelas artérias. Em meus pulmões que se sincronizaram aos de Kaz, sinto que posso criar um vendaval simplesmente por inspirar e exalar normalmente.
A sensação de poder corre pelo meu corpo com selvageria imparável, intoxicando minha mente com essa sensação de força sem igual, até que Kaz muda repentinamente o ritmo do coração dele, sem dar tempo para nós ajustarmos o nosso e a conexão é quebrada, com os nossos corpos gradualmente voltando a funcionar de forma normal.
Com uma respiração profunda tento me acalmar, sinto o suor em meu corpo e a exaustão física e mental de ter meu corpo forçado a trabalhar em tal ritmo, uma intensidade quase inumana, e principalmente para tentar parar de pensar naquela sensação intoxicante que está destruindo meu foco.
"Que diabos foi isso?" Me forço a perguntar ainda com a respiração errática.
"Como eu disse também os faria sentir a diferença entre nossos corpos. O que você sentiu é simplesmente o resultado do meu treinamento." Kaz fala convencido do que nos mostrou.
Não que lhe falte motivos para manter esse ar de superioridade, ter esse tipo de força correndo a todo momento pelo seu corpo, é exaltante e tentador.
"Isso é apenas força física sem uso de Synchro? Como isso é possível?" Baha parece finalmente ter entendido o que sentimos.
"Pura força física, sim. Synchro não é usado diretamente, mas é usado indiretamente para acelerar o treinamento e alterar o corpo em alguns casos. Esse é o objetivo do treinamento físico que vocês vão ter." Kaz responde com calma e um irritante ar de arrogância.
"Agora que as demonstrações foram feitas façam o flexões, agachamentos, abdominais e corridas cada um deles até o máximo que vocês conseguirem, quando atingirem seus limites contem trinta segundos e comecem o ultimo exercício que vocês fizeram novamente" Até agora ele está falando de um treinamento normal, o fato que não tem um objetivo claro além de simplesmente nos levar ao limite faz disso com que seja intenso, mas nenhum perigo mortal ou tortura como temíamos. "Se possível enquanto estiverem contando os segundos para recomeçar tentem cultivar não importa se vocês basicamente acabarem acumulando zero em energia, mas tentem."
Começamos o regime de treinamento, sem reclamar ou questionar a necessidade disso, a 'demonstração' como ele chamou foi uma otima persuasão e motivação para levarmos isso a serio. Nós vamos pela mesma ordem de exercícios a qual ele falou, sendo assim começamos com flexões como Baha e eu temos o que pode ser considerado um físico decente, passamos facilmente das cem flexões.
E então as duzentas, trezentas e quando chegamos as trezentas e oitenta Baha para e começa a contar os trinta segundos, eu continuo até chegar as quatrocentas e setenta flexões quando sinto que meus braços não conseguiriam levantar meu corpo mais uma vez, me sento e também começo a contar os trinta segundos.
Baha acaba a contagem dele e faz mais trinta flexões antes de parar novamente, um pouco antes dele acabar com a segunda seção de flexões acabo minha contagem e consigo fazer outras oitenta flexões.
"Comecem o próximo exercício, só é tortur... treinamento, eu disse treinamento, quando vocês vão além do limite." Esconda esse sorriso sádico se quer que alguém te dê o benefício da dúvida.
Pensando bem, mesmo que ele esconde-se o sorriso, eu só vou assumir que ele praticou a cara de poker dele enquanto dormíamos.
No final do dia ainda estamos em êxtase com a força que sentimos correndo por nossos corpos, então seguimos para o exercício seguinte, agachamentos, sem reclamar.
Passamos das quatrocentas e quando chegamos a contagem de trinta segundos simplesmente não conseguíamos nos levantar novamente.
"Agora vamos correr para a próxima cidade." Kaz fala com um sorriso sádico nos lábios.
Um dia eu soco a sua cara, bebedor de galões.
"Por que a gente tem que fazer isso tudo mesmo?" Baha pergunta ainda deitado de costas no chão.
"Porque eu não sou o segurança ou babá de vocês." Eu vou arrancar esse sorriso da sua cara Kaz, algum dia, só não hoje.
"Só mais uma questão como vamos correr, se não conseguimos nem ficar de pé?" O sorriso de Kaz começa a crescer em resposta a pergunta de Baha, que maluquice o ladrão de licor tá pensando?
"Vocês podem não conseguir, mas eu posso ficar de pé ou correr."
Droga, ele não tá pensando em...
Kaz se joga no chão na mesma posição que nós, claro que ele vai apelar pra Synchro, a conexão começa a se formar, como Baha e eu não conseguimos acumular nenhum pouco de Ki entre os exercícios não temos como resistir, não que com a diferença de níveis entre nós e ele faria muita diferença.
Kaz se levanta, e como zumbis Baha e eu o seguimos, porra todo o meu corpo tá doendo, está basicamente gritando para não se mover ainda, o ladrão de licores começa a caminhar, acelerando o ritmo a cada cinco minutos, e sobre o efeito da sincronia o seguimos é claro.
Droga, parece que os músculos nas minha pernas vão rasgar.
"Hey, Kaz não podemos huff, huff, ter uma pausa, por favor?" Baha pergunta com a respiração ofegante enquanto nossos corpos imitam a corrida de Kaz, mesmo quando queremos parar desesperadamente.
"Dez minutos, nada mais, reclamem, e talvez tenham menos." Kaz fala ainda correndo, só parando cinco minutos depois que nos respondeu.
Yanan, sua moeda da sorte me odeia.
Me sento no chão me perguntando se esse esforço vai valer a pena, não é tempo pra isso Mingten, é só o primeiro dia de treino, claro que não vai ter nem um tipo de resultado imediato, por enquanto devo apenas descansar.
Hmm, preciso de algo pra me distrair ou só vou conseguir pensar no quanto minhas pernas doem.
"Ei, Kaz por que você estava se escondendo como um civil afinal?" Pegunto repentinamente.
"Eu matei um imperador." Kaz responde como se fosse a coisa mais comum do mundo.
"Kaz é seu nome verdadeiro?" Baha pergunta algo sobre o qual eu nem tinha pensado ainda.
"Sim, mas não o completo." Então o bebedor de galões tem um sobrenome?
"Bom, pirralhos os dez minutos acabaram." Kaz anuncia o fim da pausa antes que um de nós dois conseguisse fazer mais uma pergunta.
Instantaneamente minhas pernas fazem questão de lembrar a minha mente que ainda estão doendo, e o ladrão de licores começou a correr.
Ele não desfez a sincronia.
Droga!