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75% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 64: LXIII. ALFINETADAS

บท 64: LXIII. ALFINETADAS

Fora o começo tumultuado, meu primeiro período letivo correu com bastante tranquilidade. Estudei na Iátrica, aprendendo mais sobre o corpo e como curá-lo. Treinei meu kiaru com Alastor e, em troca, ajudei-o em seu aturiano.

Percorri as fileiras da Artificiaria, aprendendo a soprar vidros, misturar ligas, fundir metal em fios de arame, gravar superfícies metálicas e esculpir a pedra.

Na maioria das noites, voltava à oficina de Kelvin para trabalhar. Tirava armações das peças fundidas em bronze, lavava objetos de vidro e moía minério para as ligas. Não era um trabalho exigente, mas Kelvin me dava um iyane de cobre por onzena, às vezes dois. Eu desconfiava que havia uma grande tábua de registro em sua cabeça metódica assinalando cuidadosamente as horas que cada pessoa trabalhava.

Também aprendi coisas de natureza menos acadêmica. Alguns de meus colegas de beliche que eram do Arcano me ensinaram um jogo de cartas chamado bafo-de-cão. Retribuí o favor dando-lhes uma aula improvisada de psicologia, probabilidade e destreza manual. Ganhei quase dois crimos antes de eles pararem de me convidar para seus jogos.

Tornei-me amigo íntimo de Alastor e Leif. Havia alguns outros, não muitos, e nenhum tão chegado quanto esses dois. Minha ascensão rápida à condição de membro do Arcano me alienou da maioria dos outros estudantes. Fosse por ressentimento ou por me admirarem, quase todos se mantiveram afastados.

E havia Drazno. Considerar-nos simples inimigos seria deixar escapar o verdadeiro sabor de nossa relação. Era mais como se nós dois tivéssemos feito uma parceria comercial para buscar com mais eficiência nosso interesse recíproco de odiar um ao outro.

No entanto, mesmo com meu projeto de vingança contra Drazno, eu ainda tinha muito tempo livre nas mãos. Como não podia gastá-lo no Arquivo, passei parte dele alimentando minha reputação ascendente.

Veja bem, minha entrada dramática na Academia causara uma agitação e tanto. Eu havia passado ao Arcano em três dias, em vez dos quatro bimestres habituais. Era o membro mais jovem, com uma diferença de quase três anos. Desafiara abertamente um dos professores diante de sua própria turma e conseguira evitar a expulsão. Ao me açoitarem, não havia chorado nem sangrado.

Ainda por cima eu parecia ter conseguido enfurecer Mestre Elohkar a ponto de ele me jogar do telhado do Aluadouro. Deixei essa história circular sem retificação, já que ela era preferível à embaraçosa verdade.

No contexto geral, era o bastante para iniciar um fluxo contínuo de boatos a meu respeito, e resolvi tirar proveito disso. A fama é uma espécie de armadura ou uma arma que se pode brandir quando necessário. Decidi que, se ia ser arcanista, eu bem poderia ser um arcanista famoso.

Assim, deixei algumas informações escaparem: eu fora aceito sem ter uma carta de recomendação. Os professores tinham me dado três crimos para frequentar a Academia, em vez de eu pagar a taxa escolar. Eu sobrevivera durante anos nas ruas de Notrean às custas do meu talento.

Cheguei até a desencadear alguns boatos que eram um absurdo completo, mentiras tão escandalosas que as pessoas viriam fatalmente a repeti-las, a despeito de serem obviamente falsas: eu tinha sangue de demônio; conseguia enxergar no escuro; só dormia uma hora por noite; na Lua cheia, falava durante o sono, numa língua estranha que ninguém conseguia entender.

Basil, meu ex-companheiro nos beliches do Cercado, ajudou-me a deflagrar esses boatos. Eu inventava as histórias, ele as contava a algumas pessoas e depois, juntos, nós as víamos espalhar-se como fogo na campina. Era um passatempo divertido.

Mas minha desavença permanente com Drazno contribuiu mais do que qualquer outra coisa para minha reputação. Todos ficavam perplexos por eu me atrever a desafiar abertamente o filho primogênito de um nobre poderoso.

Tivemos vários encontros dramáticos naquele primeiro período. Não incomodarei você com os detalhes. Nossos caminhos se cruzavam e nós tecíamos um ou outro comentário de improviso, alto o bastante para que todos os presentes no cômodo o ouvissem. Ou então ele zombava de mim, à guisa de elogio: "Você precisa me dizer quem corta o seu cabelo..."

Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso sabe lidar com nobres arrogantes. O alfaiate que eu havia aterrorizado em Notrean soubera o que fazer. Nessas horas, você aguenta o tranco, abaixa a cabeça e acaba com a história toda o mais depressa possível. 

Mas eu sempre revidava e, embora Drazno fosse inteligente e razoavelmente bem-falante, não era páreo para minha língua de integrante de trupe. Eu fora criado no palco e minha inteligência afiada de Therion garantia que eu levasse a melhor em nossas conversas.

Mesmo assim, ele continuava a me procurar, feito um cachorro estúpido demais para evitar um porco-espinho. Soltava um desaforo para mim e ia embora com a cara cheia de alfinetadas. E, toda vez que nos despedíamos, odiávamos um ao outro um pouquinho mais.

As pessoas notavam e, no fim do período letivo, eu já tinha a fama de uma bravura inconsequente. Mas a verdade é que eu era apenas destemido.

Há uma diferença, sabe?

Em Notrean, eu aprendera a conhecer o verdadeiro medo. Temia a fome, a pneumonia, os guardas com pregos de ferro nas botas, os garotos maiores com facas de vidro de garrafa. Enfrentar Drazno não exigia nenhuma valentia real de minha parte. Eu simplesmente não conseguia sentir o menor medo dele. Para mim, ele era um palhaço empolado. Eu o considerava inofensivo.

Fui um idiota.


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