A sensação de estranheza ainda me acompanhava enquanto andava pela escola. O sol estava baixo no céu, lançando longas sombras pelo pátio. A brisa da tarde estava fresca, mas não conseguia afastar a confusão que pairava na minha mente.
Tinha sido um dia estranho e cansativo na escola. Ainda me perguntava por que ninguém tinha me acordado depois das aulas terem terminado. De certa forma, senti uma mistura de alívio por não ter perdido nenhuma aula, afinal, eu estive presente em todas as aulas, mesmo que dormindo, mas também desconcerto por ter sido deixado para trás por todos.
Enquanto caminhava em direção ao portão da escola, meus olhos automaticamente buscaram por ela. E lá estava Yuki, parada ao lado da entrada, a luz suave do fim da tarde delineando sua figura como se o momento fosse tirado de um quadro. Meu coração deu um salto antes que eu pudesse processar o que estava vendo.
Ela parecia tranquila, quase serena, com a mochila pendendo levemente sobre um ombro e o olhar distante voltado para a rua. Mas havia algo em sua postura que me fez hesitar, como se ela estivesse esperando alguém.
Uma ideia idiota passou pela minha mente, rápida como um raio.
Ela estava esperando por mim!?
Sacudi a cabeça para afastar o pensamento, mas a dúvida ficou ali, plantada como uma semente impossível de ignorar. Antes que pudesse pensar melhor, as palavras escaparam de meus lábios.
— Yuki? — Minha voz soou mais hesitante do que eu esperava, mas ela ouviu.
Seus olhos castanhos viraram-se na minha direção, calmos, mas atentos. O jeito como ela me olhava, tão direto, parecia contradizer a confusão que crescia dentro de mim.
— Ah, Shin! Você está melhor? — perguntou ela, com um pequeno sorriso que me desarmou por completo.
Por um momento, fiquei parado, tentando lembrar como se formavam frases completas.
— E-eu? Acho que sim — gaguejei, ainda me recuperando da surpresa. Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia, e desviei o olhar por um instante. — Você… está esperando alguém?
Ela fez uma pausa, voltando a olhar para a rua com uma expressão pensativa, quase distraída, como se estivesse avaliando minha pergunta.
— Sim. Ele disse que já está chegando.
O som da palavra "ele" fez meu estômago revirar.
— Ele? — repeti, sem conseguir disfarçar a pontada de curiosidade — ou talvez algo mais — que escapou na minha voz.
Antes que pudesse obter uma resposta, o barulho suave de um motor chamou minha atenção. Um carro preto e bonito desacelerou ao lado do portão, chamando a atenção não apenas de Yuki, mas de algumas outras pessoas ao redor.
A porta do carro se abriu, e um homem alto e bem-vestido saiu de dentro. Ele parecia um pouco mais velho que eu, com traços confiantes e um sorriso despreocupado no rosto. Ele acenou para Yuki de maneira descontraída, mas calorosa, como se estivesse completamente à vontade.
— Ei, Yuki! — chamou ele, disse sorrindo. — Vamos?
Yuki voltou seu olhar para mim, o sorriso ainda presente, mas agora mais apressado.
— Tchau, Shin. Te vejo amanhã!
Antes que eu pudesse responder de forma coerente, ela já estava correndo na direção do homem.
— Tchau… — murmurei, minha voz se perdendo enquanto observava a cena.
Ela entrou no carro com facilidade, e o homem deu uma risada baixa antes de fechar a porta para ela. O motor ronronou suavemente enquanto o carro se afastava, deixando-me parado ali, como se estivesse preso no tempo.
Meu peito parecia pesado, um desconforto estranho crescendo enquanto eu via o carro desaparecer ao longe. Minhas mãos apertaram as alças da mochila instintivamente, como se aquilo pudesse aliviar a inquietação que surgia em minha mente.
Quem era ele? Um amigo? Um parente? Ou... algo mais?
As perguntas rodavam incessantemente, cada uma mais invasiva do que a outra.
"Será que Yuki gosta de caras mais velhos? Esse cara é… o namorado dela?"
Senti uma pontada de frustração ao perceber como minha mente estava criando cenários que eu não tinha como confirmar. Balancei a cabeça, tentando afastar os pensamentos, mas era inútil. O sorriso despreocupado daquela pessoa e o jeito leve de Yuki ao correr para ele continuavam presos na minha memória.
Respirei fundo e comecei a caminhar para casa, tentando me concentrar no som dos meus passos. Mas a imagem deles ainda pairava em minha mente, como um quadro que eu não conseguia tirar de vista.
A rua estava calma, com apenas algumas pessoas indo e vindo, provavelmente voltando do trabalho ou da escola. O som dos pássaros ao longe misturava-se com o barulho distante do trânsito. A atmosfera tranquila contrastava com o turbilhão de pensamentos na minha cabeça.
Quando cheguei em casa, minha mãe estava na cozinha, arrumando os pratos para o jantar. O aroma familiar de comida caseira preenchia o ar, trazendo uma sensação breve de conforto, mas não o suficiente para dissipar a inquietação dentro de mim.
— Como foi a escola, Shin? — perguntou ela, com o tom caloroso que sempre parecia saber quando algo estava fora do lugar.
— Foi… normal, eu acho — respondi, jogando minha mochila no canto do sofá e me esforçando para soar casual.
Mas eu sabia que minha mãe me conhecia bem demais para aceitar aquela resposta.
— Alguma coisa te incomodou hoje? — perguntou ela, sua voz agora um pouco mais suave, mas com aquele toque de preocupação que só as mães conseguem ter.
Hesitei por um momento, pensando em como descrever a confusão que ainda estava rondando minha mente. Mas o que eu poderia dizer? Que eu tinha dormido durante todas as aulas e que ninguém tinha me acordado? Que um simples "ele" havia bagunçado meu dia inteiro?
— Ah, só um dia estranho, mãe. Nada demais. — Dei um sorriso rápido e fui até a escada antes que ela pudesse insistir.
— Certo, mas não se esqueça de jantar — ela disse, com uma mistura de aceitação e dúvida no tom, enquanto eu subia os degraus, cada um mais pesado que o outro.
No meu quarto, joguei a mochila sobre a cadeira de qualquer jeito e me deixei cair na cama, encarando o teto por alguns segundos. Os acontecimentos do dia vinham à tona em flashes desconexos, como se minha mente estivesse tentando juntar as peças de um quebra-cabeça que eu não sabia como completar.
Depois de um tempo, peguei meu celular, decidido a mandar uma mensagem para Seiji e Rintarou. Talvez jogar um pouco ajude a distrair. Eles sempre conseguiam transformar qualquer dia ruim em algo mais suportável, nem que fosse só para zoar as minhas habilidades em certos jogos.
Mas antes que eu pudesse escrever algo no grupo, a voz da minha mãe ecoou lá de baixo.
— Shin! O jantar está pronto!
Suspirei, largando o celular e me levantando. Tudo bem, um jantar em família poderia ser uma boa pausa.
Na mesa, a conversa fluiu de maneira tranquila, mas minha participação foi mínima. Enquanto minha mãe falava sobre algo que havia visto na TV e Hana, minha irmã mais nova, respondia de volta, minha mente voltava, teimosa, para a cena com Yuki.
Depois do jantar, fui direto para o banheiro, esperando que a água quente me ajudasse a organizar os pensamentos.
Deixei o vapor preencher o espaço ao meu redor, fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás enquanto a água escorria pelo meu rosto. Era como se o calor tentasse dissolver as dúvidas e o desconforto, mas, mesmo assim, elas permaneciam, teimosas, em algum canto da minha mente.
As perguntas vinham em sequência, sem parar, até que a sensação da água começava a perder o efeito relaxante.
Saí do banho, troquei-me rapidamente e voltei para o meu quarto. Liguei o computador, ansioso para mergulhar em algo que me fizesse esquecer tudo aquilo, nem que fosse por algumas horas.
— Só uma partida ou duas, só para afastar essas coisas da cabeça...
Mas assim que tentei abrir a pasta onde meus jogos estavam, senti um calafrio percorrer minha espinha. A tela brilhava diante de mim, mas tudo o que eu via era um vazio perturbador. A pasta estava completamente vazia.
— Isso… não faz sentido — murmurei, com a respiração presa.
Revirei os olhos pela tela, como se, de alguma forma, tivesse deixado passar algo óbvio. Cliquei de novo na pasta, torcendo para que os arquivos aparecessem magicamente. Mas o vazio continuava ali, zombando de mim.
— Eu joguei até tarde ontem… Eu tenho certeza que tava aqui… — falei para mim mesmo, tentando organizar os pensamentos enquanto o estômago se contraía em ansiedade.
Era impossível. Eu sabia que não tinha apagado nada. Não havia nenhuma razão para o jogo simplesmente desaparecer. Abri a lixeira do sistema, vasculhei pastas ocultas, fiz buscas no computador inteiro, mas era como se aquele jogo nunca tivesse existido.
Cada clique era como uma pequena punhalada, intensificando a frustração. Algo não estava certo, mas quanto mais eu pensava nisso, mais minha mente parecia atordoada.
— Será que eu…? Não, não pode ser. Eu lembro de cada detalhe. Eu lembro até onde parei.
Minhas mãos tremiam levemente sobre o teclado. Talvez fosse cansaço, ou talvez fosse algo mais. O desaparecimento do jogo era apenas mais uma peça estranha no quebra-cabeça daquele dia. Primeiro, a escola, depois Yuki e o homem no carro. Agora, isso.
Era como se algo no universo tivesse decidido brincar comigo.
Suspirei e me recostei na cadeira, passando as mãos pelo rosto, tentando me acalmar. Não fazia sentido ficar quebrando a cabeça com isso agora. Eu precisava de uma distração, não de mais problemas.
Peguei o celular e disquei para Seiji e Rintarou, buscando um pouco de normalidade no meio de toda aquela estranheza.
— Ei, Seiji, Rintarou, estão livres? Que tal jogarmos algo? — perguntei, tentando soar mais animado do que realmente estava.
— Claro que tô livre! É disso que eu tava falando! Vamos jogar aquele jogo novo de batalhas, ouvi dizer que tá insano — respondeu Seiji, com a empolgação de sempre.
— Estou dentro. Vamos ver se é tudo isso mesmo — Rintarou completou, com seu tom sempre calmo, mas levemente provocador.
Conectei-me com eles, e logo estávamos mergulhados em outro jogo. O som das batalhas e as risadas deles eram como uma âncora, afastando, mesmo que por um tempo, os pensamentos estranhos que me assombravam.
Mas enquanto jogávamos, percebi que, mesmo me divertindo, uma parte de mim continuava inquieta. Os acontecimentos do dia ainda pairavam sobre minha mente como nuvens carregadas, impossíveis de ignorar completamente.
— Nossa, tá tarde já. Acho melhor parar por aqui — comentei, lembrando-me do que havia acontecido no dia anterior.
— É, também vou desligar. Mas não foge amanhã, hein, Shin! — disse Seiji, rindo. — Vou te dar uma surra nesse jogo de novo.
— Até amanhã — murmurou Rintarou, sempre direto.
— Até, galera.
Desliguei o computador e me joguei na cama, encarando o teto. Por mais que tivesse conseguido distrair a mente por algumas horas, a sensação de desconforto estava de volta.
O dia na escola. Yuki. A cena dela entrando naquele carro daquela pessoa. E agora, o inexplicável sumiço do jogo. Era coincidência demais para ignorar.
Enquanto as dúvidas tomavam forma, um pensamento cruzou minha mente como um raio.
"Quem era ele? E o que ela sente por ele?"
Suspirei, virando para o lado, o travesseiro afundando sob o peso da minha cabeça. Eu precisava de respostas, tanto sobre Yuki quanto sobre aquele jogo desaparecido. Mas as respostas pareciam tão distantes quanto as estrelas no céu que espreitavam pela janela.
Fechei os olhos, tentando acalmar a mente. Mas enquanto o sono finalmente chegava, uma promessa silenciosa tomou forma dentro de mim:
"Eu vou descobrir. Amanhã… eu preciso saber mais."
Quem era o homem que buscou Yuki? Seu namorado? E porque o jogo sumiu misteriosamente? Tantas perguntas...