O cursor piscava na tela branca, cada flash parecia uma provocação, quase como se a própria página estivesse rindo da minha incapacidade de dar o primeiro passo.
As palavras estavam ali, em algum lugar, perdidas dentro de mim, mas a cada vez que tentava puxá-las para a superfície, elas se desfaziam antes de tomarem forma. Passei horas assim, tentando começar uma linha, apenas para apagá-la logo em seguida, como se nenhuma ideia fosse boa o suficiente para o que eu queria transmitir.
A falta de um tema fixo parecia ter me deixado à deriva, sem uma âncora. "Tema livre" era uma liberdade que me deixava preso. A pressão de escrever algo que tivesse impacto crescia, mas a única coisa que eu conseguia sentir era o peso do silêncio. Andei pelo quarto, tentando fugir daquela sensação sufocante, mas tudo o que fiz foi tornar o vazio ainda mais óbvio.
Voltei para a cadeira e, quase por hábito, peguei o celular ao lado do teclado. Ele vibrava com uma nova notificação: mensagens do grupo com Seiji e Rintarou. Abri a conversa e vi que Seiji tinha enviado uma foto de si mesmo jogado no sofá com uma expressão de desespero.
"E aí, Shin, Rin, vamos sair hoje? Tô morrendo de tédio! Por favor!"
Rintarou logo respondeu.
"Tá falando sério? De novo, Seiji? Você não tava ocupado com o time de futebol da escola?"
"Nada a ver! Hoje eu tô de folga... e preciso de um tempo longe de treino, já tô parecendo um zumbi!"
Um sorriso escapou, mas a frustração ainda pesava. Tentei pensar em uma resposta casual, mas tudo o que consegui digitar foi:
"Vão indo sem mim, pessoal. Tenho que focar no concurso agora."
Quase de imediato, Rintarou mandou um emoji de livros empilhados e uma exclamação. Já Seiji respondeu com mais drama, enviando uma selfie sua com o dedo apontado, como se desse uma bronca.
"Ah, Shin, nem tenta dar desculpas… você só quer ficar fugindo da gente!"
O leve sorriso sumiu, e um peso voltou a cair sobre meus ombros. Hesitei, depois respondi, sentindo o incômodo.
"Não é fuga, é... bloqueio. Esse tema livre me deixou sem ideia alguma."
"Deixa isso pra lá hoje! Se você sair, garanto que as ideias vão chover na sua cabeça."
"Isso aí, Shin. Às vezes, a inspiração vem de fora."
Suspirei, a frustração crescendo, mas ao mesmo tempo, sentindo o quanto eles tentavam me ajudar.
"Valeu, mas o concurso não espera. Tem prazo e tudo."
"Beleza, beleza… Boa sorte aí com essa "inspiração" então. Vamos marcar pra sair outro dia, e dessa vez você não vai escapar!"
O celular ficou em silêncio, e a tela do computador voltou a brilhar na minha frente, imóvel e provocadora. Por um instante, senti vontade de sair e deixar tudo para depois. Seria bom me distrair, rir com eles, esquecer esse concurso por algumas horas. Mas eu sabia que não podia.
Olhei para a tela em branco, sentindo o peso do prazo cada vez mais próximo. Ainda não tinha escrito nada que valesse a pena; toda tentativa parecia rasa, sem vida.
— Droga... — murmurei, a frustração escorrendo pelas palavras.
Foi quando ouvi batidas leves na porta, e uma voz baixa atravessou o silêncio.
— Shin? Posso entrar?
Era Hana. Ao vê-la, soltei um suspiro aliviado – qualquer distração parecia melhor do que encarar aquela tela vazia.
— Claro, pode entrar — respondi, esboçando um sorriso cansado enquanto ela empurrava a porta com os cotovelos, as pequenas mãos ocupadas com uma pilha de papéis coloridos e um prato cheio de biscoitos.
Ela entrou com passos leves e arrastou uma cadeira para o meu lado, curiosa, lançando um olhar atento à tela antes de fixar os olhos em mim.
— Tá escrevendo, né? Mamãe disse pra eu trazer um lanchinho — disse ela, colocando o prato ao meu lado, o que revelou uma fileira de biscoitos de chocolate cuidadosamente arrumados. A ideia de uma pausa para comer parecia ótima, então peguei um biscoito, acenando em agradecimento.
— Valeu, Hana… é como se você soubesse que eu tava precisando disso — brinquei, mordendo o biscoito e tentando fingir um pouco de leveza.
Ela me olhava em silêncio, os olhos estreitados, como se estivesse tentando entender a situação. Depois, seu olhar voltou para o computador e, finalmente, ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Hmm, mas tá escrevendo ou só olhando pra tela? — Ela arqueou uma sobrancelha, claramente desconfiada, enquanto mordia um biscoito.
Dei uma risada curta e cocei a nuca, tentando evitar o olhar dela.
— Bom... acho que um pouco dos dois, pra ser sincero. Tô testando a teoria de que, se eu olhar para a tela por tempo suficiente, uma ideia vai aparecer.
Ela riu de leve e colocou os papéis coloridos sobre a mesa. Eram desenhos dela, com personagens sorrindo e situações simples, mas cheias de cor e vida. Um dos papéis mostrava um coelho e um esquilo, cobertos de farinha e tentando, sem muito sucesso, fazer um bolo.
— Isso é seu? — perguntei, observando os detalhes.
Ela assentiu, balançando os pés enquanto explicava, cheia de orgulho.
— Eles são amigos, o coelho e o esquilo, e decidiram fazer um bolo. Só que o coelho é meio atrapalhado, então tudo sai errado. Eles acabam se sujando de farinha e o bolo fica torto. Mas eles não brigam! Eles só riem e comem o bolo do jeito que ficou.
Eu olhei para o desenho, e um sorriso involuntário surgiu no meu rosto. A história era simples, mas Hana havia capturado uma leveza e sinceridade que, sem perceber, eu estava desesperadamente tentando encontrar. Era como se, em poucas linhas e traços, ela tivesse traduzido algo que eu não conseguia expressar.
— Parece que você se divertiu muito fazendo isso. — Eu disse, ainda sorrindo, e toquei o papel, como se para absorver um pouco daquele sentimento. — Esse coelho e esquilo parecem ter mais coragem e esperteza que muitos personagens que já vi.
Hana soltou uma risada suave, ajeitando os papéis.
— Eu acho que histórias são mais legais quando a gente se diverte, né? E eles só queriam ser amigos e fazer alguma coisa juntos. Por que você não escreve algo assim?
Fiquei em silêncio, refletindo sobre o que ela havia dito. Hana estava tão imersa na história que criara que não parecia perceber a simplicidade disso tudo. Para ela, a coisa mais importante era se divertir e criar algo que deixasse o coração leve.
Talvez fosse isso o que faltava nas minhas palavras… algum tipo de conexão verdadeira, algo que me lembrasse por que eu gostava de escrever.
— Talvez você tenha razão, Hana — respondi, a voz soando mais suave do que eu esperava. — Eu acho que me esqueci de me divertir escrevendo. Fiquei pensando demais no que é importante ou no que as pessoas esperam…
Ela sorriu, satisfeita, e pegou um biscoito do prato.
— Escreve sobre algo que você gosta! Ou alguma coisa que já aconteceu com você! — disse Hana, com aquela confiança tranquila, como se tivesse acabado de resolver o maior dos mistérios.
Eu observei o jeito despreocupado com que ela falava, quase invejando sua facilidade em simplificar as coisas. Hana nunca complicava nada, e talvez fosse exatamente isso que eu estava precisando.
— Sabe de uma coisa? Acho que vou seguir seu conselho — Sorri, bagunçando o cabelo dela, que riu, claramente satisfeita.
— Oba! Posso ajudar? — Seus olhos brilhavam de animação.
— Acho que dessa vez vou tentar sozinho — disse, rindo. — Mas obrigada, Hana. E, olha, se eu ganhar esse concurso, você vai ser a primeira a saber!
Ela me deu um abraço apertado antes de sair, deixando alguns de seus desenhos coloridos espalhados pela mesa. Fiquei olhando para eles por um momento, os rabiscos alegres e descomplicados, refletindo sobre o que ela havia dito. Era simples, mas acertava em cheio. Escrever não precisava ser algo enorme ou perfeito; precisava apenas ser meu, sobre algo que me importava de verdade.
Depois de alguns minutos, me sentei de volta na cadeira e respirei fundo. A página em branco ainda estava lá, mas agora parecia menos ameaçadora, quase como se estivesse esperando, silenciosa e paciente, pronta para ouvir o que eu tivesse a dizer, em vez de me cobrar respostas imediatas.
Hana já tinha desaparecido pelo corredor, mas sua presença deixava um rastro, uma faísca de inspiração. Sorri, sentindo a frustração dissolver-se lentamente, dando lugar a uma tranquilidade inesperada.
— Certo... acho que é um começo — murmurei, com uma nova sensação de paz.
A primeira linha ainda veio difícil, e as palavras surgiam devagar, como se despertassem lentamente, testando o espaço antes de se acomodarem na página. A sensação de escrever sem precisar impressionar, sem pensar no que alguém esperava, era, de certo modo, libertadora e estranha ao mesmo tempo.
— Eu não preciso que isso seja perfeito — murmurei, tentando absorver o peso daquela ideia. — Não preciso impressionar ninguém além de mim mesmo.
As palavras então começaram a fluir, pouco a pouco, e cada frase que nascia era como um passo em direção a algo só meu. Era como abrir uma porta que não sabia que estava trancada, deixando uma brisa leve e reconfortante invadir o quarto.
Conforme avançava, a familiaridade da escrita voltava, tomando seu lugar — não como um fardo, mas como uma ponte entre os pensamentos que eu mal entendia e as coisas que eu queria dizer, ainda que sem saber ao certo o quê.
Cada palavra se tornava uma pequena peça desse caminho, e, pela primeira vez em dias, eu não sentia medo.