O som dos motores ressoava pelas ruas da pequena cidade, ecoando entre as montanhas e agitando a calmaria da noite. Era uma sexta-feira, e Ares estava exatamente onde se sentia mais vivo: no meio do caos, com o vento cortando seu rosto enquanto acelerava sua moto em alta velocidade. Para ele, o mundo parecia mais real quando estava à beira do perigo, quando sentia a adrenalina pulsando no corpo e o coração batendo forte.
Do outro lado da cidade, Iara terminava de organizar suas plantas na varanda de casa. A noite estava clara, e o aroma das flores se misturava com o frescor do ar. Ela sempre sentia uma paz especial àquela hora, quando a noite tomava conta e o mundo parecia desacelerar. Mas, naquela noite, algo no ar a deixava inquieta, como se uma tempestade silenciosa estivesse prestes a se aproximar.
Foi então que seus caminhos se cruzaram novamente.
A cidade estava em festa, uma celebração anual com música, dança e comidas típicas. As ruas estavam cheias, e o brilho das luzes refletia a alegria das pessoas. Ares não era do tipo que gostava dessas celebrações, mas havia algo naquela noite que o atraía. Talvez fosse o desejo de fugir da rotina ou a curiosidade de ver velhos conhecidos. Ele decidiu dar uma passada, sem compromisso, apenas para observar de longe.
Enquanto caminhava entre as barracas, sua atenção foi capturada por uma cena familiar. Lá estava Iara, cercada por um pequeno grupo de amigos, rindo de algo que alguém havia dito. Seu sorriso iluminava o ambiente, e a leveza com que ela se movia entre as pessoas parecia quase sobrenatural. Ares não conseguia desviar o olhar. Fazia anos desde a última vez que realmente conversaram. Ela havia mudado, mas ao mesmo tempo, parecia exatamente como ele se lembrava: calma, serena, com aquela aura que contrastava tanto com o mundo caótico em que ele vivia.
Iara, por sua vez, sentiu um arrepio quando, no meio de uma conversa, seus olhos cruzaram com os de Ares. Ela quase não acreditou ao vê-lo ali, no meio daquela multidão. Ele parecia mais maduro, com uma presença ainda mais intensa, mas carregava o mesmo olhar enigmático que sempre a intrigou. Durante anos, ela tentou esquecer a imagem do garoto impetuoso e indomável que ele era, mas agora, vendo-o à distância, percebeu que não havia esquecido nada.
Eles se aproximaram devagar, como se o tempo tivesse desacelerado ao redor. Ares, com um sorriso de canto, foi o primeiro a falar.
— Não esperava te encontrar por aqui, Iara.
Ela retribuiu o sorriso, mas com uma leveza diferente.
— Acho que eu diria o mesmo de você, Ares. Não é o tipo de festa que você costuma aparecer.
— O caos anda cansando de vez em quando — ele respondeu com uma pitada de sarcasmo, mas com um fundo de verdade.
A conversa seguiu, inicialmente com aquela formalidade típica de reencontros inesperados. Perguntas sobre a vida, o que cada um estava fazendo, comentários sobre o passado. Mas, conforme os minutos passavam, a barreira do tempo que os separava começou a se dissolver. Ares percebeu que, apesar dos anos e das diferenças, ainda sentia-se estranhamente à vontade com Iara, algo que raramente acontecia com outras pessoas.
Iara, por sua vez, sentia uma mistura de curiosidade e cautela. Ela sabia do histórico de Ares, das confusões em que ele se metia, mas também lembrava de quem ele era antes de tudo isso. Algo nele a atraía, talvez por ser o exato oposto do que ela sempre buscou em sua vida.
Quando a festa começou a perder o ritmo e as pessoas começaram a se dispersar, Ares propôs algo inesperado:
— E se a gente fosse dar uma volta? Nada de mais, só conversar e botar o papo em dia.
Iara hesitou por um segundo. Ela sabia que aceitar significava se aproximar de um mundo que sempre evitou. Mas, ao olhar nos olhos dele, viu mais do que a fachada de garoto rebelde. Havia uma profundidade que ela ainda não entendia, mas que queria descobrir.
— Vamos. Mas sem motos — respondeu ela com um sorriso brincalhão.
E assim, com a noite se desenrolando diante deles, Ares e Iara deram os primeiros passos em direção ao que seria um reencontro cheio de contrastes, conflitos e descobertas. Era o início de uma jornada onde o caos e a calma se misturariam de formas inesperadas, levando-os a explorar não apenas o que sentiam um pelo outro, mas também o que buscavam dentro de si mesmos.