— Você é o sétimo à vir até aqui.
Ao contrário do que o velho rei esperava, o garoto a sua frente, não parecia muito interessado. Não que ele pudesse culpá-lo, afinal, o garoto não era nada mais, nada menos que o futuro governante de Arbor, o lugar que um dia ousou chamar de lar. Certamente, o rei não era a primeira alma que ele via vagar por aí sem um corpo.
Espíritos, principalmente Espíritos Mentores são muito comuns para os Reis De Arbor. O próprio rei já havia encontrado mais de um em sua adolescência, quando também era um jovem príncipe.
Se não o bastasse, o garoto alcançou o título de 'Príncipe Dos Feéricos', algo que só era possível se tivesse salvo o Reino De Arbor de sua destruição. Ao menos era isso que esse velho havia ouvido falar, ele estava preso nessa caverna há tanto tempo, que não tinha vergonha de dizer que já não conhecia a família O'Niell, os herdeiros de sangue do trono real de Arbor.
Veja bem, o rei foi o primeiro em toda a história dos feéricos a conquistar o título de 'Herói'. Mas um homem maligno que se auto-entitulou 'Feiticeiro Negro', o prendeu ali, para o ele pagar pelos crimes que cometeu ao preferir seguir seus princípios, ao invés de seu povo.
— Vossa Alteza. — O Príncipe se curvou, pois antes de tudo, era muitíssimo educado. — Permita-me discordar, que eu saiba ao menos uma dúzia de aventureiros vem invadir a Caverna Sagrada a cada quinzena.
O velho rei riu, achando engraçado o jeito que o garoto falava. Era um sotaque estranho, ele conseguia entendê-lo, mas ao mesmo tempo parecia uma língua completamente diferente.
— Invadir, você diz? Bem, não posso discordar disso. Mas, está enganado, aqui é o único lugar desta caverna que somente meus descendentes podem passar por aquela porta.
O rei apontou para a grande porta de pedra por onde o príncipe entrou, por fora parecia apenas uma porta comum, sem muito adereços, mas por dentro haviam gravuras e letras por toda parte.
O rei encarou o garoto por um momento, avaliando desde a estatura alta e atlética, a pele bronzeada, cabelos um pouco ondulados, as roupas pretas dos pés a cabeça, em uma clara indicação ao luto, até os olhos escuros, finos e carrancudos.
— Sabe, meu jovem. Você não é o herói que eu estava esperando.
— Você jura?
O príncipe revirou os olhos, usando mais uma vez aquele sotaque estranho. Seria essa a nova língua dos jovens? Pensou o rei.
— Não vim aqui pedir sua benção.
— Ora, isso é… interessante. Não é o que todos os reis vieram buscar antes de você?
O príncipe arqueou uma sobrancelha.
— É por isso que disse que eu era o sétimo? Está me dizendo que todos os Reis de Arbor vieram até você?
O rei olhou para ele, instigado pela presunção em seu tom.
— Não sabia sobre isso?
— Não nos dizem muitas coisas sobre os monarcas anteriores. — Deu de ombros. — As coisas seriam mais fáceis se vocês colaborassem, mas criaram uma tradição ridícula de se livrar de tudo que tenha a ver com o reinado anterior. Sabe como é, os O'Niells não gostam de ser comparados.
— Me parece preocupante.
Exceto que o rei parecia mais interessado do que outra coisa. Ele era um feérico, viveu por mais anos que um humano normal, mas qualquer um podia dizer que ele era razoavelmente jovem quando foi abandonado nessa caverna, ele se convenceu que não se importava, mas na realidade, queria saber mais sobre os descendentes de seu filho. As vezes, só as vezes, sentia falta de sua família.
— Pensei que saberia, talvez a desinformação seja de família, afinal.
— Apesar de ser jovem, consegue ser bem arrogante, pequeno príncipe.
— Não me chame assim.
O príncipe quase rosnou, monstrando sinais de impaciência pela primeira vez. Sua sombra se contorceu de maneira irregular, algumas mechas escapando de seus pés e dançando no ar feito fumaça, quase como se ganhasse vida própria e estivesse prestes a engolir a caverna.
O rei meneou a cabeça, desapontado.
— Lhe chamar somente de arrogante é um grande elogio, pequeno príncipe. É a primeira vez que um monarca consegue ser estupido o suficiente ao negar esconder essa magia podre. Vá embora, não há nada para você aqui.
— E se eu me recusar?
— Não vai querer saber.
Ocorreu ao príncipe, que para alguém que teve de se restringir aos muros de uma caverna encantada por mais de séculos, o velho rei parecia forte, muito forte. A caverna vibrou, a pouca decoração do cômodo, que se baseava em uma mesa e alguns cristais espalhados permaneceriam intactos por pouco tempo, o príncipe podia sentir um arrepio percorrer todo seu corpo. Seus sentidos lhe implorando para fugir.
O príncipe encarou a cama vinculado a parede, ocupava um grande espaço do recinto e costumava ter o corpo físico do rei ali, deitado em um coma eterno. O garoto imediatamente se sentiu culpado por não saber controlar suas emoções e não poder ter uma conversa direta com o antigo monarca. De certa forma, ele também se sentia cúmplice pelo desaparecimento do corpo. Até porque, o responsável por aquilo, assim como ele, era um O'Niell.
— Peço perdão. Não sou seu inimigo… senhor.
— É o que todos dizem. — O rei bufou, em seguida o encarando curiosidamente. — Como faz isso, meu jovem?
— Faço o que?
— A magia. Como escondeu sua magia?
— Novamente, o que?
— Ah. — O sotaque que o velho rei começou a achar charmoso havia sumido. — Como faz para esconder que usa Magia Negra.
O príncipe reagiu como se tivesse levado um soco. Embora fosse a reação que o rei estivesse esperando no momento em que ele havia liberado sua névoa, alguns segundos atrás, ele parecia um pouco… ofendido?
— Magia Negra, você diz? Só pode estar brincando!
Gostaria de dedicar este conto ao meu Senhor. O Senhor dos Exércitos, amado e bondoso Pai. E Grandioso Rei.
E ao Grandioso Príncipe, que por nós, usou uma coroa de espinhos e uma capa de sangue.
E o melhor de tudo: mesmo antes de eu nascer, Ele já me conhecia, e fez isso porque me conhecia.