Desde que chegara, Cássia sentia-se isolada, como se estivesse à beira de um abismo silencioso, enquanto os outros seguiam em direção a algo que ela mal podia imaginar.
Ela respirou fundo, deixando o aroma forte do café amargo com creme inundar seus sentidos.
A cafeteria vibrava com murmúrios e sussurros animados, cada som ecoando pela multidão de Dorminhocos que se aglomerava em torno da tela. Cássia soube imediatamente quando o burburinho começou a se concentrar na figura ao seu lado, o jovem que ninguém parecia notar.
Seus dedos envolveram a xícara de café, buscando seu calor como uma âncora.
Havia algo em Ariandel – sua presença tranquila, a nota de calor em sua voz agradável – que a fazia sentir-se menos invisível, menos esquecida pelo mundo.
Após uma breve hesitação, Cássia reuniu coragem para falar.
"Ariandel", começou suavemente.
Sua mão deslizou levemente sobre a xícara, enquanto o calor do café mal dissipava o frio interior que parecia nunca desaparecer.
"Você… está aqui tão perto deles. E ninguém parece perceber."
"Como ninguém te vê?"
Por um instante, ele permaneceu em silêncio. O Peregrino parecia absorver a pergunta com uma breve pausa e, então, riu suavemente, num som gentil e quase musical.
"Ah, isso é intencional", respondeu, a voz carregada de uma nota de brincadeira leve.
"Estou me ocultando em meio ao ambiente. Os olhos passam direto, como se não houvesse nada aqui para ver."
Ariandel hesitou um pouco, como se ponderasse a melhor forma de explicar.
"Chamo de Invisibilidade Psicológica."
Para Cássia, era... estranho. Perceber alguém tão evidente optar por se apagar dos olhares, como se não fosse digno de ser visto.
"Entendo…" murmurou, com um toque de admiração. O Peregrino não era outra pária, como Sunless, ou alguém tão deslocado quanto ela; ele era 'Ariandel'.
Sem perceber, envolveu a xícara com mais força.
"Então… você é incrível."
Ariandel riu novamente, mas em um tom um pouco diferente, mais tímido. Levou a própria xícara aos lábios, como se o simples ato de tomar café o mantivesse ancorado à realidade.
"Ah, não, Cássia. Não é assim."
Sua voz soou mais suave e introspectiva.
"Gosto de valorizar os bons e maus momentos… desapegar do que não vejo valor. E… bem, é bom ter a pessoa certa para se fazer companhia."
Cássia hesitou, sentindo o calor da presença dele como uma chama suave em meio ao seu isolamento.
"Você… fala de um jeito que parece que somos amigos há muito tempo", comentou, quase envergonhada.
Ele hesitou novamente, e ela sentiu aquela breve pausa, como um silêncio que pesa entre uma respiração e outra.
"Talvez seja só o meu jeito de ser", contornou Ariandel, desconversando levemente.
Cássia, no entanto, percebeu algo a mais nele. Mesmo sem ver seu rosto, supôs que Ariandel falava com uma sinceridade que, talvez, nem ele mesmo compreendesse.
Ela sorriu levemente e bebeu da xícara, sentindo, pela primeira vez em muito tempo, que, talvez, não estivesse sozinha.
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"..." — Sunless 'Mongrel' Lost From Light
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Ariandel entrou na sala de Sobrevivência na Natureza ao lado de Sunless.
O ambiente era amplo, bem decorado, mas ainda com um ar de algo recém-descoberto. O Professor Julius estava atrás de uma mesa, com cabelos grisalhos e desarrumados e um sorriso largo.
"Entrem, jovens!" exclamou Julius ao vê-los, levantando-se com entusiasmo.
"Qual é o seu nome?" perguntou ele a Sunless, que se acomodava em uma cadeira.
"Sunless."
"Ah, um nome sombrio. Isso é bom, muito bom. Afinal, lidamos com coisas sombrias!"
Julius piscou para ele antes de se virar para Ariandel, que mantinha um sorriso gentil e educado.
"E você, meu belo jovem? Qual o seu nome?"
"Chamo-me Ariandel."
"Ahh, Ariandel... Que nome bonito! Parece até de outro mundo", comentou Julius, parecendo genuinamente interessado. "Bem-vindo! Sente-se, sinta-se à vontade."
Ele se sentou novamente e a cadeira rangeu sob seu peso.
"Obrigado", agradeceu Ariandel, ao se assentar.
...
A conversa fluiu sem controle pela língua do professor fofoqueiro.
...
Quando o nome de Jet foi mencionado, Ariandel se inclinou ligeiramente para frente, demonstrando interesse.
Julius falou da Ceifadora de Almas com uma mistura de fascínio e desprezo.
"Jet, a Ceifadora de Almas? Essa selvagem assassina? Quem diria que uma bárbara como ela conheceria o valor do conhecimento?"
... E o comentário fez o ambiente se silenciar por alguns momentos.
... O Professor Julius olhou entre seus alunos, esperando uma reação.
... Ariandel optou pela modéstia, contendo a risada que lutava para transparecer em seu sorriso.
Seguir seu amigo sombrio era, de fato, o entretenimento.
"Você conhece a Mestre Jet?" perguntou Sunless, cedendo espaço para a curiosidade.
"Quem não conhece a Ceifadora de Almas?" replicou Julius, com uma energia renovada.
"Ela pode não ser a mais poderosa, mas certamente é uma das mais temidas..."
A conversa se desenrolava de acordo com o que se passava na mente de Ariandel, que não tinha pressa em intervir, aproveitando a vivência da história que se formava em tempo real.
A sala estava mais silenciosa agora, e Julius continuava falando sobre a rotina habitual, enquanto Ariandel se sentia cada vez mais em casa com o que estava sendo revelado.
"Maravilhoso! Você é astuto! Em quatro semanas, farei de você e Ariandel imortais!" exclamou Julius, sem perceber que sua voz se elevava, novamente.
O mundo que o Peregrino antes conhecia apenas através das palavras agora se desdobrava diante dele, além do que havia sido escrito.
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As lições de Ariandel com o Professor Julius começaram de forma fluida e sem muita tensão, mas ele precisava admitir que, sem o benefício do aprimoramento mental que seu despertar trouxe, a experiência de aprendizado não teria sido exatamente agradável. Não demorou muito para que uma enxurrada de informações novas e sem contexto fosse derramada sobre ele, alguém que estava no mundo há menos de três dias.
De vez em quando, Julius ficava boquiaberto com a falta de conhecimento e a falta de experiência relevante, tanto de Ariandel quanto de Sunless, obviamente. No entanto, ele mantinha uma atitude positiva e um entusiasmo interminável para ensinar. Sempre que seus alunos tropeçavam, ele pacientemente diminuía o ritmo e permitia que eles acompanhassem.
O currículo planejado por Julius não era normal. Havia uma quantidade incalculável de conhecimento teórico para aprender, aulas práticas tanto na realidade virtual quanto no mundo real, além de várias matérias e assuntos incomuns para estudar.
A maioria delas logo se tornava tediosa para Ariandel, afinal, ele não possuía necessidades fisiológicas e podia usar sua própria imaginação como ferramenta de sobrevivência. Porém, ele se reanimou nas aulas dedicadas ao aprendizado dos fundamentos de várias línguas mortas do Reino dos Sonhos.
Pensou em seu entusiasmo:
'Estudo de outras línguas! Línguas de outros mundos, de reinos históricos! Isso é simplesmente fantástico!'
'A língua é a sabedoria condensada de um povo! É o registro de sua cultura! É arte!'
Seus pensamentos estavam um pouco exacerbados...
No primeiro dia, eles estudaram até o sol estar prestes a se pôr. Somente então Julius decidiu deixar seus alunos irem. Com a mente aquecida e o coração um pouco arrependido por não ter passado mais tempo com Cássia naquele dia, Ariandel lembrou ao seu professor que era importante afiar o machado para continuar cortando lenha com facilidade e eficiência.
***
Depois de voltar para seu quarto, ele desfez suas vestes imaginárias e se refugiou em uma banheira quente e perfumada em seu banheiro particular.
Então, como se não conseguisse esperar mais, Ariandel se voltou para a própria alma.
"Vamos."
Ele tinha algo para testar antes de se juntar aos seus amigos para o jantar.
Ariandel observou seu peculiar núcleo da alma por alguns segundos.
Ele logo sorriu.
"Vamos ver do que você realmente é capaz..."