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47.22% A Herança Saiyajin e a Solidão do Guerreiro / Chapter 17: Capítulo 16

Capítulo 17: Capítulo 16

LETTIE

Nós conseguimos. Derrotamos os Saiyajins.

Eu te imploro, caro leitor, que não me peça para descrever com detalhes o que aconteceu após Piccolo morrer em meus braços. É doloroso demais, portanto, contarei somente o necessário.

Além do vazio que esmagava meu coração ao vê-lo sem vida ali no chão daquele campo de batalha, senti uma profunda sensação de terror ao me dar conta de que tudo estava acabado. Seríamos mortos por Nappa e Vegeta num piscar de olhos a qualquer instante.

Foi então, no momento mais desesperador, quando Nappa caminhava lenta e maliciosamente até eu e Gohan ao lado de Piccolo morto, que ele chegou.

Goku.

Sua chegada foi gloriosa, majestosa.

A primeira atitude que ele tomou foi vir até nós e reconhecer nosso esforço e dedicação contra nossos inimigos até aquela hora. Inclusive, ele reconheceu o sacrifício de Piccolo e, por fim comprovei que aqueles dois, os quais se consideravam como inimigos, nutriam um genuíno sentimento de companheirismo, admiração e respeito um pelo outro. Também foi emocionante ver o reencontro de Gohan com seu pai, e não contive as lágrimas ao rever meu irmão. Depois, ele deu uma Semente dos Deuses para Kuririn, Gohan e eu; um pequeno grão verde parecido com um feijão, o qual possuía a impressionante propriedade de regenerar nossas forças com mais eficácia do que a Água Sagrada que tomei na casa do Mestre Kame.

Contudo, tinha algo de diferente em Goku.

Meu irmão exalava uma força poderosíssima, muito mais forte, intensa e avassaladora de quando nos vimos pela primeira e última vez. Só que, ele não estava apenas mais forte.

Ele estava furioso.

A aura de uma cólera guardada dentro de si o rodeava, prestes a explodir contra aqueles Saiyajins. E ela explodiu, de tal forma que, logo em seguida, Goku investiu seus ataques contra Nappa, e quebrou sua coluna ao meio. O resultado disso me deixou abismada a tal ponto, que, por um segundo, não acreditei: Vegeta matou Nappa com suas próprias mãos, pois, para ele, de nada valia um guerreiro inútil e paralítico.

Após esta inusitada virada de eventos, Goku pediu para que nós três saíssemos dali e fôssemos para a casa do Mestre Kame ficar em segurança, pois já havíamos lutado muito e as Sementes dos Deuses haviam acabado.

Ele queria enfrentar Vegeta sozinho.

De início, não quis acatar sua sugestão, pois não queria abandonar o corpo de Piccolo naquele estado lastimável sem ao menos lhe dar um fim digno, pois sabe-se lá que proporções aquela luta poderia tomar. No entanto, Goku sugeriu que ele e Vegeta fossem para outro lugar mais inóspito para continuarem seu duelo e, para minha surpresa, seu adversário aceitou.

Com dor no coração, levantamos voo, mas prometi a mim mesma de que não deixaria o corpo de Piccolo largado ali. Eu voltaria para resgatá-lo. Nem que este fosse meu último ato sobre a Terra.

Kuririn nos guiou por um longo tempo, afinal, nem eu ou Gohan sabíamos em que parte do mundo estávamos. Porém, cerca de uma hora voando em silêncio, com a Lua Cheia já despontando nos céus ao entardecer, paralisamos e nos encaramos ao sentirmos a presença de um Ki impressionantemente terrível.

Era o Ki de Vegeta, e estava muito, muito mais elevado.

Algo havia acontecido, e não parecia nada bom.

Ao nos entreolharmos, não pensamos duas vezes e disparamos de volta em direção ao Ki de Vegeta. Não importava o quanto Goku havia treinado ou ficado mais forte, algo nos dizia que aquilo não era um bom sinal e de que meu irmão poderia, sim, estar em real perigo sem a nossa ajuda.

Quando chegamos no novo lugar da luta — também um deserto repleto de rochas —, confirmamos nosso medo.

Vegeta havia se transformado num macaco gigante e esmagava Goku em suas mãos sem um pingo de misericórdia. O Ki do meu irmão estava muito fraco. Decerto utilizara alguma técnica especial para tentar derrotar Vegeta, e havia fracassado.

Me recordei de quando meu sobrinho também se transformou em macaco gigante no primeiro dia do nosso Treinamento, e na hora eu soube o que fazer para ajudar Goku. Escondidos atrás de uma formação rochosa, pedi para Kuririn e Gohan diminuírem seus Kis o máximo que conseguiam e me darem cobertura para o que eu iria fazer.

Após também diminuir meu Ki, me esgueirei por trás do Vegeta-macaco e, na maior velocidade que consegui para não ser desmascarada, lancei o Tenkochi na direção da sua enorme cauda e a decepei. Assim como Gohan, o efeito de ter sua cauda arrancada foi instantâneo. Vegeta voltou a sua forma normal de Saiyajin, mas continuava poderosíssimo.

Seguiu-se um árduo embate entre Vegeta contra nós três, pois meu irmão havia ficado muito debilitado e tentava se recuperar.

Não faço ideia de quanto tempo lutamos. Estávamos todos exaustos, inclusive Vegeta. A única coisa que sei é que, quando o céu já estava escuro com suas estrelas e a Lua Cheia nos iluminando, sentimos uma grande energia emanando de Goku ainda caído no chão.

Com dificuldades até mesmo para falar, Goku me chamou. Consegui uma brecha enquanto Kuririn e Gohan distraíam Vegeta e cambaleei até ele, com minha roupas aos trapos e meu corpo cheio de cortes e hematomas.

Goku então me transferiu uma bola de energia que estava em suas mãos.

Nunca senti tanto poder. Parecia que eu ia explodir.

Aquela bola de energia era uma Genki-dama, e eu só tinha uma chance para lançá-la em nosso inimigo. Caminhei alguns passos, com cada centímetro do meu corpo gritando de dor, pensei em Piccolo e mirei no desgraçado do Vegeta.

Nunca atirei um golpe com tanta precisão.

A Genki-dama o atingiu, e Vegeta caiu, desfalecido.

Um longo minuto de silêncio se seguiu, com nossas respirações ofegantes sendo o único som daquele lugar noturno e desértico.

Conseguimos. Derrotamos Vegeta.

Caí de joelhos no chão e cobri a boca para chorar. Piccolo teria ficado muito orgulhoso de mim. Mas ele não estava ali para contemplar nossa vitória.

Porém, tal vitória foi uma farsa.

Ouvimos um som metálico entrecortando os céus, e uma cápsula pousou ao lado de Vegeta.

Ele estava vivo. Completamente debilitado, mas vivo.

Já não existia mais nenhum resquício de força em meu corpo, e o fato de testemunharmos aquele homem se arrastar como uma cobra para sua cápsula para fugir como um covarde só me trouxe mais fraqueza.

Foi então que Kuririn, tão machucado e debilitado quanto eu, surgiu ao lado de Vegeta segurando uma grande rocha para golpeá-lo na cabeça e acabar com sua vida de uma vez por todas.

Mas Kuririn não seguiu adiante. Meu irmão o impediu.

Ainda caído a uma distância, Goku implorou que Kuririn deixasse Vegeta fugir, para que assim, tivesse a oportunidade de uma revanche com ele no futuro. Muitíssimo indignado, Kuririn contra-argumentou, me surpreendendo ao dizer que Vegeta não era como Piccolo, que não mudaria seu jeito de ser e se tornaria bom.

Mesmo assim, Goku não mudou de ideia. Ele queria sentir de novo a emoção de lutar contra alguém mais forte. Mesmo sabendo que Vegeta era um dos responsáveis pela morte de praticamente todos do nosso grupo, Goku o deixou ir, por puro egoísmo da sua parte. Essas foram palavras suas, e não minhas.

E assim, Vegeta fugiu em sua cápsula, deixando para trás o rastro de destruição e ruínas, rasgando-nos de dentro para fora.

Eu realmente não compreendia meu irmão. Era certo que eu o admirava como o grande lutador que era e nutria um carinho por compartilharmos do mesmo sangue, mas, suas decisões, como quando decidiu soltar a cauda de Raditz e agora, deixando Vegeta fugir sem pagar pelo que fez, só faziam meus sentimentos por ele ficarem… confusos.

Eu estava cansada… Muito cansada…

Mesmo assim, me arrastei até Gohan, desmaiado no chão de tanto lutar, pobrezinho… E, como sempre fiz e sempre faria quando necessário, o peguei no colo e o abracei, o aninhando em meu peito.

Nosso grupo ficou ali, cada um no seu canto naquele chão duro de areia. Nenhum de nós disse uma palavra para o outro; nem Goku, nem Kuririn e nem eu com Gohan.

Não saberei dizer se cinco minutos se passaram, ou cinco horas, mas, em determinado momento, ouvimos outro som entrecortar os céus. Um grande helicóptero azul-claro pousou ali perto. Da janela frontal, distingui Mestre Kame, Bulma e algumas outras pessoas. 

Então, mal a porta se abriu e uma mulher desesperada e aos prantos saltou para fora e disparou em minha direção, gritando:

— GOHAN!!!!!!!! MEU FILHO!!!!!!!!

Na hora, eu soube quem era ela.

Minha cunhada Chi-chi.

Usando um conjunto roxo com detalhes laranjas, Chi-chi correu e se desviou das diversas rochas que cobriam aquela paisagem, com os fios do seu penteado em coque se desgrenhando conforme avançava em alta velocidade até nós, pulando por cima do seu marido como se ele nem estivesse ali, estirado no chão e ferido dos pés à cabeça.

— GOHAN!!!!!!!! A MAMÃE ESTÁ CHEGANDO!!!!!!!!

E ela chegou. Com um último salto digno das melhores ginastas olímpicas, ela pousou na minha frente e caiu de joelhos.

Nos encaramos pela primeira vez.

Naquele um segundo em que nossos olhos assustados e aflitos se encontraram, mil perguntas passaram pela minha cabeça: como Chi-chi reagiria? Estaria furiosa comigo? Será que ela arrancaria Gohan de meus braços com violência? Ela me espancaria por concordar em treinar seu filho com o maior inimigo de Goku e o colocado em risco diante a ameaça dos Saiyajins?

O que ela faria?! O QUÊ???

— Lettie… — Uma lágrima caiu de seus grandes olhos negros.

Congelei, pois sabia que, o que viesse a seguir, ditaria meu relacionamento com Chi-chi até o fim da minha vida.

Num ímpeto, ela me abraçou.

— O-OBRIGADA!!! — soluçou Chi-chi, chorando descontroladamente em meu pescoço. — OBRIGADA POR C-CUIDAR DO MEU F-FILHO!

Minha reação foi a de congelar ainda mais. Eu esperava qualquer coisa, menos isso. Chi-chi se afastou e, com uma ternura materna, contemplou o pequeno Gohan ainda desfalecido em meus braços.

— Por favor… Deixe-me segurá-lo…

Não pensei duas vezes e entreguei seu filho com o maior cuidado possível. Por um bom tempo, assim como eu fazia, ela o inspecionou de cima a baixo, o beijando sem parar em meio às lágrimas.

— Ele é um garoto forte e muito inteligente. — Esbocei um sorriso cansado, limpando minhas próprias lágrimas misturadas ao suor e sujeira do meu rosto. — Sem ele, não teríamos conseguido.

Os olhos inchados e marejados de Chi-chi se encontraram com os meus outra vez e, ao pousar a mão em meu ombro caído, ela disse, com lábios trêmulos:

— Lettie… Tenho uma dívida eterna de gratidão com você.

Uma profunda fraqueza tomou o meu corpo. Acredito que senti tamanho alívio ao ouvir suas palavras, que ele sucumbiu e, sem forças, tombei para o lado e desfaleci, esgotada física e emocionalmente.

***

Acordei com o som compassado das batidas do meu coração apitando em um aparelho. Ainda zonza e com uma forte dor de cabeça, percorri meu olhar ao redor e vi que estava no quarto particular de um hospital.

O chão e paredes revestidos de madeira, a cama reclinada e super confortável, a televisão de última geração num painel à frente, a grande janela pela qual os raios solares entravam e a suave brisa do ar condicionado no teto denunciavam que aquele não era um mero quartinho de um hospital público.

Como eu havia parado ali, rodeada por aquele luxo? Não fazia ideia. Meus pensamentos eram preenchidos apenas por dois nomes: Gohan e Piccolo.

Entretanto, ao avistá-la sentada numa poltrona macia ao lado da minha cama, soube quem estava por trás de tudo aquilo. Ela me observava com os típicos olhos exaustos de uma mãe que não sabia mais o que era uma noite de sono bem dormida.

— Chi-chi…? — Me empertiguei no colchão, só então percebendo o quanto minha garganta estava seca e tendo um acesso de tosse em seguida.

— Aqui, beba. — Depressa, ela se levantou e me deu água num copo com canudinho. — Não se esforce muito.

Enquanto recuperava meu fôlego, reparei que eu usava uma camisola branca e tinha um acesso venoso em meu braço, ligado a uma grande bolsa de soro repleta de medicamentos. Após me recostar na cama reclinável, com meu peito ainda subindo e descendo ao assimilar minha realidade atual, me virei para Chi-chi e só consegui fazer uma pergunta:

— Onde está Gohan?

Com um suspiro cansado, ela colocou o copo d'água de volta na bancada ao lado da minha cama e se sentou de volta na poltrona.

— Está se recuperando em outro quarto com o pai. Acordou há algumas horas. Não se preocupe — disse ela ao ver que abri a boca para falar. — Seu sobrinho e irmão estão bem.

Assenti em silêncio, olhando minhas mãos e braços cheios de curativos, repousados sobre o lençol que me cobria. Ainda era um enigma para mim de como eu deveria me comportar perto dela, portanto, resolvi apaziguar qualquer tensão que pudesse existir entre nós.

— Chi-chi… — Ousei encará-la. — Por favor, me descul–

Ela ergueu a mão, e me calei.

— Há um ano — começou ela —, quando Kuririn, Bulma e Mestre Kame me contaram que Piccolo tinha levado Gohan para treinar e enfrentar os Saiyajins, não nego que desejei espancá-lo até a morte.

Meu coração doeu ao ouvir o nome dele, e se apertou ainda mais ao me recordar do apavorante momento em que ele morreu em meus braços. No entanto, ao também ouvir a constatação da minha cunhada, engoli em seco, pois eu me lembrava muito bem de que, quando Piccolo propôs seu plano de nos treinar e eu o questionei sobre a opinião da mãe de Gohan sobre aquilo, ele me respondeu que ela provavelmente o esfolaria vivo.

E eu não duvidava disso. Algo na postura de Chi-chi exalava uma autoridade impossível de se contestar. Não era à toa que as pessoas tinham medo dela.

Chi-chi inclinou a cabeça e estreitou os olhos para mim.

— Sabe o que é receber a notícia de que seu marido foi brutalmente assassinado pelo seu rival, e que ele ainda teve a audácia de sequestrar o meu filho para treiná-lo e lutar contra psicopatas do espaço?

Não tive coragem, muito menos a ousadia de respondê-la. Parando para analisar a situação pelo seu ponto de vista, será que Chi-chi apenas não estaria reagindo como qualquer mãe em sã consciência reagiria ao se ver naquele cenário tão… catastrófico?

— Porém — prosseguiu ela, mantendo um semblante grave —, quando Bulma me contou que Goku tinha uma irmã perdida, e de que ela também fora sequestrada com Gohan por Piccolo, uma parte de mim teve esperança de que nem tudo estava perdido; de que eu ainda poderia ter uma chance de rever o meu filho. — Ela pausou. — E me agarrei nesta esperança.

Seu olhar parecia escrutinar as profundezas da minha alma. Contudo, ao mesmo tempo em que era intimidador, me dava uma liberdade para ser honesta com ela.

— Mas… — balbuciei, encabulada com sua afirmação. — Você não me conhecia... Como pôde depositar tanta confiança… em mim?

Os lábios de Chi-chi se curvaram para cima e seus olhos se encheram de lágrimas. Com a voz ainda firme, mas carregada por uma emoção, ela declarou:

— Porque Bulma também me contou de que você subiu na Nuvem Voadora.

Um formigamento percorreu meu corpo quando entreabri a boca em surpresa. No mesmo instante, me lembrei do que Piccolo me disse sobre este mesmo assunto na noite do nosso último dia de Treinamento.

Chi-chi então baixou o olhar.

— Mesmo sendo muito difícil para eu aceitar, uma parte de mim se prendeu nesta esperança de que, se meu filho estava com você durante este Treinamento, ele não ficaria desamparado. — Ela levantou a cabeça. — E você não me decepcionou, Lettie.

Apertei tanto as mãos ao engolir o nó preso em minha garganta, que minhas unhas machucaram minha pele.

— Quando nos reunimos na casa do Mestre Kame para assistirmos à sua batalha contra os Saiyajins transmitida na televisão, enfim tive a confirmação de que eu não estava errada. — Seus olhos ainda estavam fixos em mim. — Ao ver meu pequeno Gohan aparecendo naquela tela, quase não acreditei que era o meu filho. Estava tão diferente... Tão crescido... Tão bonito… Tão... forte!

Foi impossível eu não esboçar um pequeno sorriso, ao mesmo tempo que tentava conter o choro. Sim… de fato. Gohan mudou tanto naquele período…

Minha cunhada sorriu de volta e afirmou:

— Naquele momento em que o vi, eu soube que confiei na pessoa certa.

As lágrimas em meus olhos finalmente caíram.

— M-Mas… — funguei, mexendo a pulseira médica em meu braço. — E-Eu não consegui protegê-lo de tudo… Gohan ainda correu muitos perigos e se machucou muito.

Chi-chi se recostou na poltrona, cruzou as pernas e deu um sorriso altivo.

— Lettie, o meu filho ajudou a salvar o mundo de uma ameaça literalmente intergaláctica. Que mãe não se orgulharia disso?

Ficamos nos olhando por um tempo, e me questionei se aquela era mesmo a mulher que achava que lutas era uma perda de tempo e fazia Gohan estudar oito horas por dia. Será que, durante este um ano longe do marido e do filho, algo havia mudado nela?

Eu desejava, do fundo do coração, que tivéssemos a oportunidade de nos conhecermos melhor e, quem sabe, construirmos um bom relacionamento pacífico e amistoso. Felizmente, pelo visto, Chi-chi estava disposta a dar o primeiro passo:

— E então, o que vai fazer agora?

Respirei fundo e olhei ao redor daquele quarto.

— Há quanto tempo estou aqui?

— Dois dias.

— Certo… — Pressionei os lábios ao hesitar por um instante. — Onde está Piccolo? Onde… — Engoli uma saliva amarga. — Onde colocaram seu corpo? Ele já foi… e-enterrado? — Meu peito pulou com um soluço preso.

Uma sensação muito estranha me acometeu ao ver Chi-chi baixar a cabeça, evitando o meu olhar.

— Não pegamos o corpo dele.

O quê?

Me inclinei na sua direção. Não… Não era possível. Eu não devia ter ouvido direito.

— Como é?

Chi-chi ergueu o olhar para mim, sem graça.

— Não pegamos o corpo de Piccolo. Apenas o de Yamcha e Tenshinhan, já que Chaos explodiu. — Ela ajeitou a postura e fez um bico presunçoso. — Ora, Lettie, vamos lá. Não me olhe assim. Piccolo não passa de um demônio e–

— ELE NÃO É UM DEMÔNIO! — retruquei sem nem pensar.

Chi-chi se empertigou na poltrona, assombrada com meu tom de voz enraivecido. Ao vê-la assim, balancei a cabeça e sussurrei para ela, entredentes:

— Você não o conhece.

— E, pelo visto, nem você o conhece, Lettie — replicou ela, indignada. — Por acaso sabe quem Piccolo era?!

— Sim — respondi, convicta. — Eu sei quem ele era.

Chi-chi se mostrou bem confusa com minhas palavras e piscou diversas vezes. Mas então, um brilho surgiu em seus olhos, os quais se arregalaram ao me encarar por alguns segundos. O que quer que ela tivesse se dado conta naquele momento, não me afetou. Eu precisava sair dali o mais rápido possível.

— Ei! O que está fazendo?! — Chi-chi pulou da poltrona ao me ver arrancar o acesso venoso do braço e sair da cama.

— Onde está meu uniforme? — Minha entonação firme ecoou pelo quarto.

— A-Ali no armário… — Chi-chi apontou para um pequeno guarda-roupa próximo à televisão, ainda sem entender minha repentina atitude. — Eu quase joguei fora, mas era a sua única roupa, então mandei lavar e passar…

— Obrigada — respondi, seca, e me pus a vestir meu uniforme.

— Mas, aonde você vai?! Lettie, tem noção de que está na UTI?! Você ainda está em observação! Só terá alta daqui a dias!

Nada do que ela disse foi o suficiente para me parar. Quando dei por mim, eu já caminhava com minhas pesadas botas em direção a grande janela do quarto.

— Lettie!!! — chamou Chi-chi num ultimato.

Parei e, pela primeira vez, vi meu reflexo no vidro daquela janela.

Se não fosse pelo meu uniforme e meus típicos cabelos curtos desgrenhados, eu não me reconheceria. Eu estava mais magra, decerto pela quantidade de força que gastei durante a luta contra os Saiyajins. Entretanto, apesar das cicatrizes avermelhadas em meu rosto, foram meus olhos que me chamaram mais a atenção.

Nunca o azul de sua íris esteve tão apagado e sem vida.

— Eu… Eu preciso vê-lo… — Minha voz saiu como um fio de desesperança.

Silêncio.

Devagar, virei para minha cunhada, não ocultando a tristeza que me consumia impiedosamente.

— Chi-chi, se hoje você tem um filho vivo, é graças a Piccolo.

Ela franziu o cenho.

— O-O quê…?

— As emissoras de televisão com certeza não filmaram isso, mas, Piccolo morreu ao se jogar na frente de Gohan e eu para nos proteger de um ataque dos Saiyajins. Ele foi destroçado para nos salvar.

Minha declaração teve efeito instantâneo em Chi-chi. Em choque, ela tapou a boca com as mãos; seus olhos vidrados ao me fitar em perplexidade. Mantendo contato visual com ela, prossegui:

— Piccolo mudou, e se arrepende de tudo o que fez. Inclusive de ter matado Goku. Saiba que Gohan teve grande parcela nessa mudança. Então, eu te peço, não desonre sua imagem.

Dei as costas e abri a janela.

— Lettie? — Ela me chamou quando apoiei o pé no balcão.

— Sim?

Houve uma pausa e então, Chi-chi perguntou:

— Você o ama?

Paralisei no mesmo instante, prendendo a respiração com uma dor que emergiu no meu âmago. Meus lábios tremeram e meus olhos inundaram com as lágrimas.

— Foi apenas um sonho… E agora, terei que enterrá-lo.

Mais uma vez, dei as costas, pronta para levantar voo, mas Chi-chi pediu para que eu aguardasse um segundo antes de partir. Enquanto eu secava meus olhos na manga da roupa, a observei fazer uma anotação num bloquinho de papel apoiado numa bancada próxima.

— Aqui. — Ela me entregou o pedaço de papel. — Este é o meu endereço. Me procure quando estiver pronta.

— Obrigada. — Forcei um pequeno sorriso, mostrando que minha gratidão era verdadeira. — E mais uma vez, me desculpe por–

— Está tudo bem. — Chi-chi pegou em minhas mãos, num genuíno ato afetuoso e fraterno. — Agora, vá e faça o que precisa fazer. Deixa que eu lido com os médicos.

Meu sorriso aumentou, me despedi e saí voando. Antes de sumir de vista, olhei para trás e vi Chi-chi mirando um ponto fixo da janela. Pensei que, talvez, agora que soube do ato sacrificial de Piccolo para com seu filho e sua mudança, quem sabe ela também não mudasse sua opinião para com o rival do seu marido.

***

Nada te prepara para ver o corpo de um ente querido estirado no chão de uma maneira tão… devastadora.

O Sol já se punha atrás das montanhas desérticas e as estrelas já começavam a despontar no céu quando me abaixei ao lado do corpo de Piccolo, deitado do mesmo jeito que o coloquei ao perder a vida em meus braços.

Graças a sua habilidade de regeneração, seu corpo ainda permanecia intacto; somente com as inúmeras feridas que o ataque mortal de Nappa o causou (como se isso melhorasse a situação).

Até hoje, não sei como fiz o que faria a seguir. Meu corpo, mente e coração estavam dormentes; flutuando como em meio a águas de um oceano sombrio e sem fim.

Com delicadeza, percorri meus dedos sobre o rosto ferido de Piccolo. Parecia que ele estava apenas dormindo, após um longo dia de Treinamento comigo e Gohan.

Ah, se eu pudesse voltar no tempo e reviver aquela época que agora parecia tão distante! Quando a ameaça dos Saiyajins era apenas uma sombra longínqua, dois pontinhos viajando pelas galáxias, e nossa rotina era apenas treinar, comer, dormir e se divertir num elo familiar repleto de paz e contentamento.

Cuidadosamente, passei meus braços por baixo das costas de Piccolo e me ergui para levantá-lo e carregá-lo. De repente, caí, me arranhando nos pedregulhos daquele chão arenoso.

Eu não compreendia… Piccolo já havia me feito carregar rochas pesando meia tonelada, mas ali, seu corpo era tão pesado que eu… não conseguia suportar! Talvez, a minha força só refletisse o estado em que se encontrava o meu coração…

Após engolir uma grossa saliva, respirei fundo e tentei outra vez. Meu uniforme já estava todo sujo de novo quando consegui pegá-lo e levantar voo para tirá-lo daquele lugar.

Eu sabia exatamente onde seria o seu túmulo.

Ao colocar os pés em nosso Acampamento, repousei Piccolo ao lado da fogueira já apagada, com as cinzas preenchendo onde antes havia um fogo acolhedor que nos aqueceu durante tantas noites maravilhosas.

E aquele fogo brilharia por uma última vez.

O acendi e voei até o rio para buscar água. A Lua já estava alta no céu quando me debrucei sobre Piccolo com alguns panos limpos e comecei a limpar suas feridas. Eu poderia não ter seus poderes de criar roupas novas para refazer seu uniforme de luta todo rasgado e empoeirado, mas eu faria o possível para que sua imagem ficasse limpa no seu leito de morte; por fora e por dentro.

Ao limpar uma de suas mãos, entrelacei meus dedos nos dele, apenas para saber a sensação e descobrir o quanto eu já desejava fazer aquilo, e agora ver que nunca mais eu teria a oportunidade de fazer outra vez.

Quando estava limpando seu rosto, uma gota d'água caiu na sua bochecha. Pensei ser chuva, mas o céu estava limpo e estrelado. Só então percebi que era uma lágrima que escapara dos meus olhos. Passei o pano sobre aquela lágrima e, com profundo afeto, beijei o local onde havia caído.

Piccolo enfim ficou limpo.

Chegou a hora.

Pela segunda vez, tirando forças de onde eu não tinha, o ergui e o coloquei dentro da barraca. Da mesma maneira que fazia quando eu colocava Gohan para dormir, o ajeitei no colchão e o cobri com os cobertores.

Por um momento, me deitei ao seu lado e acariciei seu rosto adormecido, apenas para saber a sensação de que, um dia, talvez pudéssemos acordar juntos, numa casinha bonita e aconchegante, com o som dos pés dos nossos filhos correndo por aí…

Mas então, me lembrei de que tudo não passava de um sonho. Mesmo com seu corpo ali ao meu lado, nunca me senti tão sozinha e abandonada.

Com um soluço alto emergindo do fundo da minha garganta, saí da barraca, de olhos fechados por não suportar mais o quanto meu coração batia em desespero. Caminhei pelo gramado do nosso Acampamento até minhas pernas perderem toda a força, e caí de joelhos.

Eu chorei. Chorei por tudo o que eu e Piccolo vivemos, e por tudo o que a partir de agora deixaríamos de viver.

Aqui se finda nossa aliança e o meu sonho. Piccolo, te guardarei em meu coração. Hoje, faço um juramento de que passarei todos os seus ensinamentos adiante. Eles não serão esquecidos no deserto de solidão e aflição da minha alma.

Adeus e obrigada, meu Mestre e meu Amado.


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