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100% O Calango Gigante / Chapter 3: Capítulo I - Parte II

章 3: Capítulo I - Parte II

O trabalho de Vicente muitas vezes exigia ilustrações. Ele praticamente tinha um contrato indireto com o chargista, onde suas ideias descartadas na redação eram adaptadas para uma Charge.

Ser chamado para aquela sala logo após ver seu colega ser demitido, o fez soar frio. 

Vicente se levantou com dificuldade e engoliu seco. O que ele tinha feito de errado?

O objetivo era humilhar a oposição e trazer eleitores para a República. Vargas deveria ficar por mais alguns anos.

Foi feita uma previsão, que, com o avanço tecnológico e social, o Cruzeiro poderia se tornar uma grande moeda mundial, e que as vendas com o agro negócio aumentariam em níveis alarmantes.

A Burguesia estava amando essa ideia… A burguesia otimista.

Apostar numa melhora do país enquanto as Coreias guerreavam, e vivendo no mesmo continente que os poderosos e perigosos EUA, não parecia acarretar em algo bom.

Se o povo está feliz com o representante, certamente esse país é Comunista.

Foi mandado Vicente fazer os textos bem humorados, e ele o fez para ganhar seu dinheiro do final do mês. 

Certamente a proposta populista de Getúlio Vargas poderia atrapalhar a vida de Vicente, mas ele era da Classe Média Alta, tinha uma vida estável.

O problema estava em perder esse emprego, e assim sua vida confortável. Ele já não tinha o brilho nos olhos de quando começou a trabalha com jornalismo, mas perder seu emprego não tinha nada haver com sua animação e felicidade.

Ele entrou na sala do patrão e fechou a porta de vidro. Sentiu toda sua carreira passar pelos seus olhos. O que ele fez de errado?

Ele fazia inúmeras versões do mesmo texto, para seguir a norma; diferente do Chargista, não apostava na radicalidade; em quase 20 anos de carreira, seu maior erro foi derrubar uma xícara de café quando era um novato.

Vicente esperou seu patrão o deixar sentar na cadeira. Ele fez, tentando manter uma pose profissional.

Vicente olhava para a mesa de seu patrão e viu uma pilha de documentos viradas de cabeça para baixo.

A mesa do patrão era bem maior que a de qualquer outro funcionário, e muito mais bonita aos olhos.

De qualquer forma, ele precisava acabar logo com isso.

Poderia ser muito bem uma coisa boba, como um trabalho qualquer… Mas isso não é falado cara a cara com o patrão.

Normalmente ele fala para todos na agência ou escolhe algum veterano para dividir as equipes. 

É muito estranho ele ser chamado. 

Vicente poderia muito bem ser demitido agora.

— Não estamos numa situação muito interessante. — disse o Patrão com sua voz gorda. Terminando de falar, ele se levantou.

"Eu vou ser demitido". Pensou Vicente ao ouvir a primeira frase.

Os olhos de Vicente começaram a seguir o patrão.

O homem gordo transbordava riqueza, seu terno apertado parecia acentuar isso. Não só sua aparência, mas o lugar onde trabalhava, o cubículo, parecia pertencer a outro mundo.

Era limpo, grandioso, era o lugar onde alguns troféus da agência eram guardados e deixados para exposição. 

O patrão estava logo atrás de um, o que Vicente tinha ganhado por ter feito um documentário em seus anos mais novos.

— Nosso presidente tenta manter-se forte, mas rumores de corrupção e comunismo estão dificultando nossa vida.

Ele olhou para o prêmio de Vicente.

— Eu consigo sentir os Americanos mandando suas bombas a qualquer momento.

 …

— Vicente, eu e você sabemos que a ideia de Vargas é ridícula. Esse país não está em um bom momento para uma evolução dessas. O que tem a dizer sobre isso?

Que situação estranha.

— Se… Se Vargas permanecer na presidência, os EUA com certeza irão agir… Com muito mais frequência. — Disse Vicente, tímido.

O patrão concordou e respondeu. 

— Eu tenho algumas previsões. O Brasil se torna uma super potência, os EUA nos percebe e declara guerra, nos chamando de Comunistas. A outra envolve a invasão Americana no Brasil. Isso já aconteceu durante a Grande Guerra e muito de seus costumes nós imitamos. Porém eu vejo sendo algo bem mais radical. Nós iriamos estar a mercê dos EUA e faríamos tudo que eles quisessem, porque eles nos dariam tecnologia necessária para fazer o país prosperar, com a promessa de que seríamos fiéis a eles, em qualquer sentido… Caso recusamos, mais uma vez, ameaça comunista.

O patrão pausou para recuperar o ar.

— De qualquer forma não vejo que a pessoa que estaria a mercê dos Americanos seria Vargas. Acho difícil ele continuar como presidente.

Isso é verdade. Os poderosos não gostam de Vargas. Mais do que isso, os militares não gostam de Vargas. 

— Tudo está desmoronando para ele. Lacerda fez um bom trabalho levando um tiro no pé e os militares esperam que com a renúncia de Vargas, o povo caia de joelhos pedindo por eles… O novo presidente com certeza vai sofrer ou se entregar aos EUA.

Vicente ajeitou seus óculos.

— Precisamos que os ideais de Vargas continuem no Brasil. Os jornais da oposição não chegam nem perto das nossas vendas. Dar ao povo o que eles querem ouvir resultou em algo maravilhoso para nós.

Vicente entendeu, não tinha certeza, mas entendeu tudo.

— Não é mais uma questão de simplesmente mudar de lado. Se o Nacionalismo enfraquecer, podemos aos poucos ficar do lado da oposição… Isso é o que normalmente aconteceria. Mas agora…

— Estamos em guerra. Se a oposição vencer, os militares voltam ao poder e… Eles não são tão expertos para nos aceitarem… — Disse Vicente.

— Não só isso… Não é por eles estarem no governo que o povo vai aceitar nisso. O povo ama Vargas, ele é o presidente que se importa com a causa dos trabalhadores. Ele é o Velhinho do Brasil. Dificilmente os militares vão ter poder após Vargas sair… Vargas pode se candidatar depois de 4 anos…

Ele continuou.

— Eu prevejo que na próxima eleição, termine como um militar contra alguém com ideias parecidas com Vargas. Isso é quase uma certeza. Não sabemos como vai ser a renúncia de Vargas, mas acredito que o povo ainda vai amá-lo.

— Então… Qual o nosso objetivo? — Perguntou Vicente.

— Vamos continuar apoiando Vargas, e mais do que nunca, vamos chamar a atenção dos Estados Unidos.

O que?

— Isso está circulando em alguns jornais que apoiam a República. Todos sabem o perigo dos EUA para com nosso país, então acharam uma boa ideia vender a mensagem de que não somos comunistas. Não tem como fugirmos deles em nenhuma circunstância, então seria bom transforma-los em nossos aliados. 

— Isso vai contra os ideais do presidente, mas é justificável. Foi ele que veio com essa ideia?

— Oficialmente sim, mas só entre os jornalistas que apoiam seu governo. Não é de se estranhar que em poucas semanas algum espião vai vazar tudo. 

Vicente engoliu seco.

— É aí que você entra. — Ele apontou para o troféu. — Antes de ser redator, você trabalhava com gravação e esse prêmio já indica o porquê eu ter lhe escolhido.

Vicente fez um sim com a cabeça.

— Eu preciso que você faça um documentário sobre o Brasil, qualquer parte dele. A equipe não pode ser muito grande, para evitar os espiões, mas você tem até o final do Governo de Vargas para finalizá-lo. 

Vicente pôde sentir o brilho em seus olhos renascer. Era um brilho fraco, desconfiado, mas o sulficente para fazer seu corpo tremer de animação. Não podia evitar arrumar seus óculos.

— Vamos para as regras.

Ah.

— Queremos que os EUA não se preocupe conosco, então devemos apresentar para eles o Brasil e suas similaridades… É importante não mostrar tudo, já que eles podem muito bem tomar as informações e nos atacar. Vicente, as regras são…

Basicamente, são três regras simples.

\[1° - Apresentação Turística, deixar claro o capitalismo no Brasil\]

\[2° - Deve ser feito em inglês, sem legendas. O sotaque deve ser familiar aos americanos\]

\[3° - Mostrar similaridades com os Americanos\]

Vicente ouviu as regras e até recebeu um papel com elas escritas.

Ele se despediu do patrão e voltou a trabalhar até a hora de ir embora.

Enquanto arrumava suas coisas, algumas pessoas comentavam que os olhos de Vicente tinha um brilho fraco, mas que estava lá.


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