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36.36% Nilson Rutizat / Chapter 4: Um reencontro inusitado

章 4: Um reencontro inusitado

Existem muitos mundos em um mesmo espaço. Rosa era a prova disso. Todos os dias passava em frente aquela igreja quando ia de ônibus a escola e só naquele dia foi que se interessou pelo que viu. O ônibus retornava já atrasado com os estudantes a seus lares. Ela viu. Era ele, o mesmo homem que lhe havia dado uma gorjeta de 100 reais. 

Ela se interessou pelo que viu, porque relembrou daquela noite. Não era difícil entender a intenção naquele gesto. Não era uma gorjeta normal de alguém desinteressado. Estava nítida duas algemas impressas naquela nota. Ou no mínimo, roupas jogadas pelo chão anunciando dois corpos despidos. Mas ela não havia se interessado por nenhuma dessas possibilidades. Seu desejo tinha outro CEP. 

"Se bem que ele tem o seu charme" – pensou enquanto o olhava. Foi inevitável comparar Daniel com aquele elegante homem de terno e gravata. Como Daniel ficaria naqueles trajes? E como Dornelles ficaria vestido de adolescente, com a farda da escola? Riu ao imaginá-los em papeis invertidos. No entanto, o sorriso se foi como poeira ao se lembrar de como Daniel a havia tratado. 

A tristeza não se sentiu acanhada ao tomar o lugar daquele belo e agradável sorriso. Em sua mente, como uma reprise, veio a lembrança do dia e de como aconteceu. Ela foi confundida com sua mãe, ou com as moças que frequentavam o bar de seu pai. Isso doeu muito em seu peito. 

Ela amava aquele menino, sempre sonhou em namorá-lo. E quando tudo se encaminhava para o fim de um ciclo em sua vida e o começo de outro, depois de apenas quinze dias de namoro, ele a tratou como um pedaço de carne servido em uma mesa. 

"Rosa. Eu sou ROSA!" repetia em sua mente, irritada com a lembrança que lhe bateu a porta. "Eu nunca serei como minha mãe" pensou. Mas esse pensamento parecia ofensivo. Ela não tinha nada contra sua mãe, pelo contrário, compadecia-se da vida sofrida que ela levava desde muito tempo. Não era vergonha o que sentia, era apenas um desejo incontrolável de ser ela mesma. 

E ser a Rosa não eliminava o fato de ser filha de Raimunda e Guto. Nem excluía o amor que sentia pela mãe. Ser a Rosa era tão somente fazer suas próprias escolhas sem que fosse importante o seu nascimento. E daí se nasceu de um caso entre seu pai e a garçonete? E daí se Julia não a aceitava totalmente? Rosa perdoava a madrasta, afinal não era fácil ter que criar a filha da amante do marido. Mas que deixassem ela viver sua própria vida, viajar para bem longe e conhecer novos lugares.

O ônibus freou os pensamentos de Rosa. Era hora de descer. E como quase todos os dias, ela ouviu. E dessa vez Julia falava do nascimento de Rosa. Mas não com raiva ou algo assim. Estava conversando com uma amiga e contava do quanto era superior, pois havia engolido o orgulho e aceitado em sua casa a filha de uma puta. Rosa ficou fora de casa ouvindo, enquanto Júlia contava:

- Eu sei que não devia ter perdoado Guto, e não perdoei. Mas eu entendo ele. Nós tínhamos pouco mais de seis meses de casados e o bar estava consumindo muito meu tempo. Não é justificativa, eu sei, pois para quem quer, não existe cansaço. Me faltava mesmo, para ser sincera, era vontade. O corpo dele me deixava sem nenhum ânimo. A Raimunda era linda, é difícil admitir. Diferente de mim, ela tinha muita disposição. Trabalhava como garçonete com a gente e não demorou muito até ficar grávida. Achei que fosse de algum dos homens que frequentava o bar e a comia com os olhos. Teve o filho, ou melhor, a filha em nossa casa. E só quando ela decidiu tomar o meu marido é que tudo veio à tona. -

E continuou contando: - E toda aquela informação passou por cima de mim como um caminhão. Eu podia perder meu marido, a vida que estava começando a construir. Ficar com Rosa foi a única maneira de manter Guto ao meu lado, já que Raimunda decidiu ganhar a vida com o seu talento. Eu sei que não é fácil lembrar de tudo isso todos os dias. Eu entendo. Mas esse é o preço que preciso pagar por minha felicidade... 

Rosa esperou que toda a história fosse contada e conheceu detalhes amargos de sua vida, que ninguém se atrevia a lhe dizer. Uma Rosa nascida em um lixão, um terreno de pragas e de amores decompostos. Ela não queria fazer parte de nada daquilo. 

Entrou em casa, cumprimentou a madrasta e a visita e foi para o quarto. Não era de revidar, esse era o seu defeito, aceitava tudo sem defesa.

Não revidou quando Daniel tentou invadir sem permissão o seu espaço restrito. Foi salva pelo acaso, o zelador entrou no banheiro antes que acontecesse. 

E aquele homem, porque lhe dera o número de telefone? Olhou para o número anotado em sua agenda, mas nada fez. Difícil acreditar que o cara de terno na porta da igreja fosse o mesmo homem daquela noite, embora soubesse que se tratava da mesma pessoa. 

Mas ele acenou para ela... depois da décima primeira vez que a viu pela janela do ônibus. A mulher que estava ao lado dele não estranhou, ele sempre acenava para muitas pessoas, era um homem conhecido e muito querido. Rosa respondeu com um sorriso acanhado, entendendo o que o gesto dele queria dizer. 

Agora naquele quarto, sozinha com seus pensamentos, tomou um susto quando sentiu que pudesse está gostando daquele homem. Não o gostar ardente e apaixonante que sentia por Daniel, mas um gostar meio que encanto. A forma como ele a via trazia sabores ao seus fins de tardes. Ela sentia que aqueles olhares estavam carregados de admiração e encanto, embora fosse possível ver em cada gesto dele o desejo por ela transbordar.

Ela teve uma ideia maluca. E riu sozinha, pensando que nunca teria coragem de por aquele devaneio em prática. 

Mas a coragem veio sem nenhum julgamento quando numa sexta-feira ela passou e viu ele sozinho na porta da igreja. Acenou para ele pela janela do ônibus até que estivesse certa que ele havia percebido. E quando teve a certeza de que havia sido entendida, deixou cair um papel dobrado com seu telefone anotado. 

O ônibus seguiu viagem, o homem foi ficando pequeno pela distância. Isso não impediu que ela visse ele abaixado. Um sorriso escapou por seus lábios expressando que ela havia cometido uma transgressão. Ao mesmo tempo um sentimento de satisfação tomava conta de seu corpo, ela era Rosa. Ela havia obedecido seu coração. Tinha feito uma escolha. 


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