Capítulo III: Arco da Pousada Friggarista
Num longo pátio de concreto e muros robustos e altos, se encontravam paralelos corpos Canardianos. Com suas cabeças baixas, joelhos ao chão e mãos presas logo atrás do corpo.
Atrás dos pilares que também eram de concreto maciço, se encontravam militares fardados e armados com metralhadoras. Eram poucas as unidades bélicas relacionadas à armas de fogo, pois o investimento da Operação Frigga teve fundos sólidos em maquinários gigantes, semelhantes a animais ou dinossauros. Eram chamados de "Ultraje Nova".
O Homem, dono do escritório, estava presente no amplo pátio ao lado de Sif, o assistente.
Era preparada naquela tarde a execução de Canardianos selecionados, para extração de órgãos.
Uma brisa leve pairava, mergulhava para dentro do pátio e logo escapava para o outro lado, escalando o muro. Indicava chuva próxima naquela região.
Os sapatos do Homem tagarelavam no silêncio com seus passos, este que agora estava de pé em frente a um dos Canardianos.
O pobre Canardiano não ousou levantar a cabeça, mas foi exposto pelas gotas de choro que cairam de seu rosto e tocaram o concreto, o marcando.
– Sif, venha.
De primeiro instante o assistente não entendeu, mas não pagaria para ver. Estava sob as ordem do Homem.
Os sons de sapato de Sif agora ressoavam e ele se aproximava.
Para a surpresa de todos, o Homem retomava sua caminhada e passara o Canardiano, parecia se aproximar, desta vez, de um dos militares. Sif o seguia. Só o vento falava.
O Canardiano parecia confuso, estava com sua mente em apuros esperando que fosse pescado logo, pelo anzol da morte. A dúvida corroía sua mente, as manchas negras em seu rosto não pareciam mais representar sua raça. Seu corpo tremia, mas ele disfarçava por medo.
O Homem havia apanhado o revólver no coldre do militar.
O Canardiano, de costas, sente a camada mais profunda de sua pele latejar, seus hormônios queimavam sua cabeça em uma febre fervente. A dúvida da vida ou morte rangia seus dentes, mas ele precisava se recompor.
O Homem coloca o revólver nas mãos de Sif, que aponta para as costas do Canardiano.
A demora para o gatilho se prolongava, Sif soava e seus olhos se arregalavam.
O Canardiano ofegava mesmo tentando ser discreto, ele apertava suas próprias mãos suadas com a maior força que podia. Seu peito tamborilava várias e várias vezes sem que pudesse parar. E com a demora, finalmente ergue sua cabeça em um choro apavorado, gritando, rugindo, sorrindo, pensando ter sobrevivido.
Pow!
Sif fura suas costas. O corpo cai estirado. Os outros Canardianos viram seus rostos para evitar a cena, e alguns choram de um jeito mudo.
O revólver cai, Sif se encontrava sem expressão, abismado.
– For..migas... Sif. – Disse o Homem, com um olhar baixo e angustioso.
Sif sai correndo, procurando o mais sozinho dos lugares para absorver sua própria realidade.
O Homem cai ao chão do pátio. Suas mãos tapam seu rosto e o homem entra em um estado de amargura. Ele sofria arduamente, seu corpo quase que se retraía de joelhos ao duro chão. Ele chorava por dentro. Por fora, parecia um homem que se retorcia na angústia. Seus braços abraçavam sua cabeça.
A chuva começa a cair. O concreto, agora, mais cinza. O sangue vermelho banhando o chão se tornava dissolvo na água.
E uma risada miúda é ouvida.
O Homem se assusta, virando pra trás e vendo um pequeno garotinho loiro, com suas mechas lisas tapando a testa. Aparentava ter por volta de 5 anos.
Os militares continuavam estáticos, sem entender.
O Homem olhava para os olhos do menininho enquanto esfregava seus próprios olhos angustiados e chorosos.
– Eles, papai-mamãe me falaram sobre eles! – o garotinho estava risonho, mordendo seu pequeno dedo indicador.
– Uh? Ve..venha, venha aqui – O Homem o chamava.
O pequeno garotinho se aproximava dando pequenas risadinhas, molhando seu cabelo com as rápidas gotas de chuva. Não se abalava com o que via.
De joelhos e abraçando o pequeno, o Homem pergunta:
– O.. o que faz... aqui?
Mas houve apenas risos.
– Eles... falaram deles...? – O Homem, aterrorizado aos prantos.
Um garoto tão ingênuo e risonho, não afetado pelo cenário infernal. E cochichando:
– Sim...! Eles, eles são os demôonios... – Rindo no ouvido do Homem, que o olhava horrorizado.
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– Vamos, Freedam! – Heloy – Temos que chegar logo, há pouco sol e logo a chuva chegará por essas bandas. Evan fica a pouco menos de um solaris daqui, não há demora. Já estamos perto.
– Estou indo!
Freedam não hesitou em levantar-se e deixar as flores do campo de lado. Seu semblante estava mais leve ao saber que finalmente comeria, depois de tantos dias.
Heloy ameaçou dar largada à sua corrida pela floresta, mas dando olhos à Freedam, percebe que ele já se encontra esgotado demais.
Para o corpo há um limite, e ele estava perto do seu.
– Vamos. Não vai demorar – Ela diz.
Freedam esboça um sorriso de gratidão. Eles partem para a caminhada.
Árvores dos mais variados tipos são passadas ao poucos, sejam elas altas, robustas ou densas.
Heloy mantinha um ritmo no qual Freedam pudesse acompanhá-la, pois havia ainda alguma energia sobrando.
As árvores aos poucos se tornavam densas, com troncos que mais se pareciam com grandes pilares. As folhas os recebem com harmonia, como se a própria natureza os amasse por cultivá-la.
Heloy ouve os passos de Freedam sutilmente diminuirem. Se tornaram mudos. Ela olha pra trás, com um semblante de preocupação espontânea.
– Free- Freedam...
O garoto estava com suas pernas sem força, ofegando de forma esgotada. Ele forçava uma postura para continuar, pois não poderia parar por ali.
– He.. Heloy... tá doendo... minhas pernas...
De forma brusca Heloy o agarra, um abraço apertado imerge de sua mais profunda empatia. Ela sustenta o corpo de Freedam com seu braço rígido e forte, tornando sua caminhada um pouco mais tranquila.
– Você... me promete, Heloy? Promete que estarei bem? Eu não estou em casa...
A garota estremece seu corpo, engolindo seco, como se a frase tão bem pontuada perfurasse cada um dos lados de seu coração com uma ponta venenosa.
O lar, a família, o que mais importava, afinal? Ele estara longe demais do seu.
Tão fraco... ele... ele está tão quebrado...
Ela pensa. Seu rosto se exprime em agonia esboçando uma raiva absoluta, um ódio por todos aqueles que, além de ameaçar a paz de seu povo, feriu o coração de uma alma pura.
– Eu promet-
Não havia tempo para tal, pois as plantas farfalham e os galhos estremecem. Era uma criatura.
Os olhos de Heloy e Freedam congelam, o frio toca a superfície das peles, Freedam entra em um estado de adrenalina.
Algumas das altas plantas ainda tapavam as partes do corpo da criatura, mas era inconfundível: um Topoclava.
Se assemelhava à uma pantera, seus quase 4 metros de comprimento exibiam garras dilacerantes, junto de fios faciais que beiravam os três metros, tornando sua área e território maiores.
Mas, não...
Havia algo errado.
– Precisamos correr... – Dizia Freedam – Eu preciso correr. Heloy, Heloy...
A adrenalina o matava de dentro para fora.
– QUIETO! Não corra, tem algo errado...
A Topoclava se guia rapidamente entre as árvores atravessando o corredor de mata em que Heloy e Freedam marchavam. Grunhia como se escapasse de algo, parecia se amansar em perigo tímido.
– Nós já estaríamos mortos... Não, o que..? O que há...? – Heloy.
Os dois se mantinham estabilizados em pé, a adrenalina percorria o sangue do garoto de olhos rosados reforçando firmemente seus músculos.
PWWWWWWNNNNNNNN!!!
O impacto de uma enorme viga metálica destrói as grandes árvores. O chão treme e vibra em temor. Os dois correm. O maquinário de coleta de madeira ameaçava a vida de dois seres vulneráveis. Seu metal era incrivelmente forte. A cada impacto mais se tremia o solo. Heloy corre com toda a força de suas fortes pernas segurando a mão de Freedam. Seus músculos se desgastavam e seus joelhos em pressão se esmagavam. As raízes aparentes no chão atrapalhavam a fuga. Seus pés agora doíam. O maquinário agora pode os alcançar.
WWWWWHHHHN!!
O metal rangia com seu peso. Uma plataforma varria de um lado para o outro cada uma das árvores que encontrava pela frente. Caiam uma sobre a outra causando impactos aterrorizantes.
A plataforma se aproximava. Eles corriam. Rugiam. Calejavam os pés. Corriam. Corriam, corriam, corriam.
Não havia como escapar, era rápido demais. Suas grandes vigas eram maiores que o corpo animalesco e metálico, como uma grande ave.
Derrubavam os troncos como dominós um por um. Faltavam segundos até que os atingissem. A morte viria. A morte estava à segundos de distância.
5...
4...
Há chance? Há uma verdadeira solução?
3...
Suas coxas se constraiam como nunca antes. Corria. Fugia. Estava perto. Seus dedos doíam ao solo.
2...
– HUDRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!! – Chama Heloy, chorando.
Uma sequência de flechas atinge os olhos e peito do grande maquinário, Hudra estava lá a tempo. A grande ave cai sobre as árvores causando esmagadora devastação. Mas não era o suficiente.
A viga ainda atinge Freedam e Heloy com potência. Seus corpos se chocam contra a viga rígida os arremessando para os pés de Hudra.
O silêncio da possível morte toma conta, apenas a natureza rugia.
As árvores cedem. Elas caem. O tronco quebrado de uma árvore despencava. Elas continuam caindo. Elas vinham. Elas vinham em direção. Hudra tremia. Ela olhava para o alto. Quem ama ao chão. Chega mais perto. Estava vindo.
Então... então termina aqui?
– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!! – Freedam gritava segurando com todas as suas forças restantes o tronco.
Hudra paralisa.
– AAAAAAAAAAHHHHH... AAAAaah.. Ah... AAAAAAAH!!! – O garoto cedia. Caira para o lado sem força com o tronco que esmagava seu braço direito. – Aaaaah... AAAAH... Ahh..
Berrava em choro gritante. Rugia como um selvagem, berrava feito uma criança.
Hudra joga o tronco para o lado, permitindo que o ar gelado toque o braço ferido do garoto.
Heloy se encontrava deitada ao chão paralisada. Seu peito subia e descia arfando profundamente e ligeiramente. Olhava para o céu com os olhos espantados.
O garoto agonizava:
– Dói... dói... dói muito... – E chorava se encolhendo.
Hudra o olhava de cima sem conseguir se mover. O olhava como se se colocasse em seu lugar. O olhava com seu coração em admiração. Olhava, mas olhava se arrepiando. Ele arriscou sua vida. Arriscou por estranhos.
Elas não eram indiferentes aos olhos dele.
...
Ele... nos... salvou?