Parte Única
A chuva ainda caía em torrentes, martelando o solo e transformando a floresta em um caos. As árvores ao redor se curvavam sob a força do vento, seus galhos chicoteando o ar como se tentassem se libertar da tempestade. O som da chuva era ensurdecedor, abafando qualquer outro ruído que a floresta pudesse produzir. A única coisa que interrompia a escuridão absoluta do céu nublado era a lua cheia, cuja luz pálida conseguia romper as nuvens, iluminando a paisagem como um farol distante em meio ao dilúvio.
Pallas estava parado sob uma grande árvore, olhando para cima, tentando localizar a lua entre as nuvens turbulentas. A água escorria pelo seu rosto e se acumulava nas dobras de seu manto, que estava ensopado e pesado. Ele estreitou os olhos, lutando para focar no único ponto de luz no céu sombrio. Por um momento, ele ficou ali, imóvel, como se estivesse buscando algum tipo de orientação na luz fraca e distante.
"Essa tempestade... é quase como se a própria ilha estivesse contra nós." Pallas murmurou, mais para si mesmo do que para qualquer outra pessoa. Finalmente, ele desviou o olhar da lua e se virou para Don, que estava logo atrás, seus olhos cheios de determinação.
"Precisamos encontrar esse monstro logo. Não podemos deixar que continue à solta."
Don, molhado até os ossos, assentiu firmemente. Sua voz era grave, mas carregava um tom de urgência. "Concordo. Essa tempestade está apenas piorando as coisas. Se não agirmos rápido, perderemos qualquer chance de rastreá-lo."
Os dois começaram a caminhar, seus passos pesados fazendo barulho na lama espessa. Ao redor deles, os guardas lutavam para manter suas tochas acesas, mas as chamas vacilavam contra o vento e a chuva incessante. Alguns dos homens da marquesa, igualmente encharcados, seguiam em silêncio, seus rostos sombrios enquanto avançavam pela floresta densa ao lado da muralha.
A chuva transformava o terreno em um pântano traiçoeiro. Cada passo parecia um desafio, com o solo afundando sob seus pés e a vegetação rasteira tentando agarrar suas botas. O som da água batendo nas folhas, misturado com o farfalhar das capas de chuva e o resmungo ocasional de um dos homens, criava uma atmosfera tensa e opressiva.
"Onde está essa abertura que você mencionou, Pallas?" perguntou um dos guardas, sua voz quase engolida pela tempestade. Ele estava visivelmente nervoso, seus olhos buscando entre as sombras por algum sinal de perigo iminente.
"Não sei, Estamos aqui para procurar ela." respondeu Pallas, sua voz firme, mas não sem uma ponta de preocupação. Ele sabia que o grupo estava cansado e tenso, mas não podiam se dar ao luxo de desacelerar.
"Fiquem alertas. Se essa abertura existe, não sabemos o que mais pode estar à espreita por aqui."
Eles continuaram avançando, a muralha colossal se erguendo à sua direita, como uma presença imponente e silenciosa que parecia observar cada movimento. A chuva escorria pelas pedras antigas, criando pequenos rios que desciam pela estrutura e se misturavam com a lama abaixo.
Finalmente, após uma caminhada que pareceu durar uma eternidade, Pallas levantou a mão, sinalizando para o grupo parar. Ele olhou fixamente para uma seção da muralha, onde a luz trêmula das tochas revelou algo incomum. A chuva ainda caía pesadamente, mas a fenda na muralha estava claramente visível.
"Ali." disse Pallas, apontando para a abertura que se destacava entre as pedras, agora parcialmente obscurecida pela água que caía em cascata sobre ela. A fenda era larga, com bordas irregulares e partes da muralha desmoronadas ao redor. Parecia uma cicatriz no tecido da própria estrutura, algo que não deveria existir.
Don foi o primeiro a se aproximar, sua expressão séria enquanto examinava a fenda de perto. "Isso é... muito maior do que eu imaginava. Não parece natural. Como algo pôde fazer isso?"
Pallas se aproximou, a chuva escorrendo de seu capuz enquanto ele se inclinava para observar melhor. "Não foi algo comum, isso é certo. Seja lá o que passou por aqui, fez isso com uma magia tremenda... e de propósito."
Um dos homens da marquesa, com o rosto contorcido de espanto, balançou a cabeça, incrédulo. "A muralha foi construída para ser indestrutível. Como isso é possível?"
Don passou a mão pela borda irregular da fenda, onde as pedras pareciam ter sido rasgadas para fora. "Isso não foi feito de dentro para fora... foi feito para escapar."
As palavras de Don deixaram o grupo ainda mais em silêncio, enquanto todos ponderavam sobre o que poderia estar à solta agora. A tempestade ao redor parecia ganhar intensidade, como se o próprio céu estivesse respondendo à descoberta que haviam feito.
Pallas se afastou da fenda e olhou para seus homens, suas palavras saindo com um tom de comando. "Precisamos rastrear essa coisa antes que ela encontre um novo abrigo. Não podemos deixá-la escapar. E temos que ser rápidos, a chuva pode apagar quaisquer vestígios que ela deixou."
Os guardas e os homens da marquesa se alinharam, prontos para seguir em frente, mas a tensão no ar parecia quase palpável. A chuva batia implacável contra suas armaduras, e o vento uivava entre as árvores.
De repente, um dos guardas avançou com um movimento rápido e violento, golpeando um dos homens da marquesa com a lateral de sua espada. O impacto foi brutal, lançando o homem para trás, onde ele caiu pesadamente no chão, cortado ao meio. O guarda olhou ao redor, os olhos cheios de desconfiança e malícia.
"Matem todos!" Pallas gritou, sua voz cortando o barulho da tempestade. Mas antes que pudesse avançar, um som profundo e gutural preencheu o ar. Um dos homens da marquesa, ainda de pé, começou a tremer incontrolavelmente, seu corpo convulsionando de maneira antinatural.
Don, sempre atento, puxou sua espada e deu um passo para trás, se preparando. "Preparem-se… isso vai ser sangrento…"
Os gritos dos homens da marquesa ecoaram na escuridão, e os corpos deles começaram a se contorcer, os ossos estalando audivelmente. Em questão de segundos, suas formas humanas começaram a se desfazer, pele rasgando e músculos inchando de maneira grotesca. Em meio à metamorfose dolorosa, o pelo espesso começou a surgir, e os rostos humanos se alongaram em focinhos cheios de presas afiadas. Os olhos, antes humanos, agora brilhavam com uma fúria bestial.
"São monstros!" Um dos guardas gritou, recuando em pânico enquanto os monstros se levantavam, muito maiores e mais ameaçadores do que antes. A chuva parecia fazer pouco para deter a transformação, enquanto os lobisomens se erguiam, suas formas gigantescas e bestiais se destacando na penumbra.
Um dos lobisomens soltou um uivo feroz, e o grupo atacou quase que simultaneamente. Pallas, com reflexos rápidos, desviou de uma pata que rasgou o ar onde ele estava um segundo antes. O golpe deixou marcas profundas na árvore atrás dele, indicando a força destrutiva das criaturas.
"Formação!" Pallas ordenou, girando sua espada e se posicionando defensivamente. Os guardas se reagruparam rapidamente, levantando seus escudos em uníssono enquanto os lobisomens se aproximavam.
Don, sempre ao lado de Pallas, bloqueou um ataque com sua espada, o choque reverberando por seus braços. A criatura rosnou, tentando arrancar a lâmina da mão de Don, mas ele manteve sua postura firme e contra-atacou, cortando profundamente o flanco da criatura. O lobisomem soltou um rugido de dor, recuando brevemente, mas sua ferocidade não diminuiu.
Outro lobisomem avançou, saltando com uma agilidade assustadora. Um dos guardas tentou bloqueá-lo com seu escudo, mas a criatura foi rápida demais. Suas garras rasgaram o escudo como se fosse feito de papel, penetrando a carne do guarda que gritou de agonia antes de ser derrubado no chão.
Pallas, vendo a vulnerabilidade do lobisomem após o ataque, aproveitou a oportunidade. Com um movimento preciso, ele girou a espada em um arco mortal e a cravou profundamente no pescoço do monstro. Sangue escuro jorrou da ferida enquanto a criatura caía ao chão, tremendo antes de finalmente ficar imóvel.
"Mais um à esquerda!" Don gritou, esquivando-se de uma mordida que visava sua cabeça. Ele contra-atacou, mas a criatura desviou com uma velocidade inesperada, suas presas estalando perigosamente próximas.
Pallas rapidamente se juntou a Don, ambos agora lutando lado a lado contra o lobisomem. Don distraiu a criatura com uma série de golpes rápidos, forçando-a a recuar, enquanto Pallas se posicionava para o golpe final. Com um grito de esforço, Pallas cortou diagonalmente, acertando o lobisomem bem no peito. O monstro uivou, cambaleando antes de finalmente desabar, seu corpo se contorcendo em seus últimos momentos de vida.
Outro guarda, na extremidade do grupo, conseguiu desviar de um golpe de garras que mirava seu rosto, mas foi empurrado violentamente para trás por um lobisomem que se aproximava. O monstro avançou para matá-lo, mas Don reagiu rapidamente, cortando a cabeça do lobisomem com um golpe limpo, sua expressão sombria enquanto o corpo da criatura caía pesadamente no chão.
Um a um, os lobisomens foram sendo derrubados, mas a luta era feroz e implacável. O sangue se misturava à chuva e à lama, criando uma visão horrenda enquanto os corpos dos lobisomens caíam ao redor. A batalha se arrastou por longos minutos, mas os números e a habilidade dos guardas e de Pallas e Don prevaleceram.
Finalmente, apenas um lobisomem permaneceu de pé, seu peito arfando de exaustão e raiva. Ele olhou ao redor, vendo os corpos de seus companheiros caídos, e um brilho de medo passou por seus olhos bestiais. Com um último rugido, ele se virou e fugiu para a escuridão da floresta, desaparecendo na tempestade.
"Devemos ir atrás dele?" Um dos guardas perguntou, sua respiração pesada e os olhos cheios de adrenalina.
Pallas, ainda com a espada em punho, olhou para Don. "Não. Ele não vai se atrever a voltar tão cedo. E estamos todos exaustos. Temos que cuidar dos nossos feridos e nos reagrupar."
Don assentiu, limpando o sangue da lâmina. "Precisamos sair daqui. Não sabemos se há mais deles por perto, e este lugar já nos trouxe problemas suficientes por hoje."