O clube de literatura tinha aquela atmosfera familiar de fim de tarde: livros espalhados pelas mesas, papéis esquecidos e discussões animadas sobre tudo que envolvesse literatura e histórias. Era o último dia da semana, e, mesmo com o peso do concurso estar ali, de certo modo, trazia um alívio.
Depois de algum tempo escrevendo, eu sentia como se finalmente estivesse andando em frente.
Todos estavam reunidos, Takumi com seu olhar sempre atento, Mai empolgada em qualquer oportunidade de discutir livros e ideias, e Rintarou, sentado em silêncio ao meu lado, mas claramente atento ao que estava acontecendo. Kaori, como sempre, ocupava o centro da sala, contando piadas enquanto arrumava as pilhas de papéis.
A única exceção, claro, era Taro, que dormia no fundo da sala, deitado sobre os livros de sempre.
Assim que a reunião começou, Takumi sugeriu que cada um falasse um pouco sobre o que tinha lido ou escrito recentemente, e Mai já se adiantava, toda empolgada, falando de um novo romance que havia descoberto. Eu ouvia com atenção, mas estava um pouco distraído, refletindo sobre novas ideias que poderia escrever.
De repente, Kaori olhou diretamente para mim, o rosto iluminado por uma ideia repentina.
— Ah, Shin! — ela chamou, interrompendo a conversa. — O tema do concurso já foi revelado, né? Afinal, falta pouco tempo. Qual é o tema? — Os outros, curiosos, viraram os olhares para mim.
Soltei um suspiro leve e tentei responder da forma mais casual possível.
— Ah, sim. O tema é… livre — falei, meio despretensioso, mas o choque nos rostos deles me fez perceber que não seria uma informação recebida de forma tão tranquila.
O silêncio durou um segundo, mas foi rapidamente quebrado por um coro de vozes surpresas e até um pouco incrédulas.
— Livre? — Kaori repetiu, arregalando os olhos. — Tipo, qualquer coisa?!
— Sério? Que tema complicado — Takumi comentou, franzindo as sobrancelhas. — E você tá mesmo tranquilo com isso?
Os olhares de todos se voltaram para mim, como se esperassem que eu revelasse um grande segredo. Rintarou, que até então tinha apenas escutado, observava em silêncio, mas com um ar levemente curioso.
Dei um sorriso pequeno e dei de ombros.
— Bom… na verdade, eu meio que já comecei. Graças à Hana, consegui pensar em algo — confessei.
Kaori e Mai arregalaram os olhos, e uma expressão engraçada de surpresa iluminou o rosto de ambas.
— Hana! Que fofa! Ela é praticamente uma mentora criativa agora, não? — Kaori exclamou, colocando as mãos juntas como se estivesse agradecendo à minha irmãzinha.
— Hana, a salvadora do Shin! — Mai completou, fazendo o mesmo gesto reverente, o que arrancou de mim uma risada.
— Espera aí… quem é essa Hana? — perguntou Takumi, genuinamente confuso.
Kaori riu e se virou para ele, com um brilho travesso nos olhos.
— É a irmãzinha do Shin! Pequena, muito fofa, e aparentemente a nova mentora dele!
O grupo continuou me observando, esperando que eu dissesse algo mais sobre o que eu havia planejado. Senti o peso das expectativas, mas também um conforto em saber que eles estavam torcendo por mim.
— Então, já escreveu algo ou apenas pensou no que escrever? — Kaori perguntou, os olhos brilhando de curiosidade.
Assenti, sentindo um pouco mais de confiança crescer dentro de mim.
— Sim. Na verdade, já tenho um esboço — disse, puxando da mochila algumas folhas com anotações e rascunhos. — Nada de muito complexo, só uma ideia inicial.
Entreguei as folhas para que eles lessem, e um silêncio tomou conta da sala enquanto eles analisavam o rascunho. Eu observava suas reações com uma mistura de ansiedade e expectativa.
Kaori foi a primeira a quebrar o silêncio, olhando para mim com uma expressão um tanto pensativa.
— Nossa… essa história é tão… simples? — Ela disse com um sorriso, mas com um olhar de surpresa. — Isso é o que você quer levar para o concurso?
Eu sorri, antecipando a reação dela, e balancei a cabeça.
— É, eu sei que parece simples. Mas, de alguma forma, foi a única coisa que me fez sentir vontade de continuar. Toda vez que eu tentava algo mais complexo, acabava me perdendo… e as palavras simplesmente não fluíam.
Takumi assentiu, embora parecesse um pouco intrigado.
— E o que fez você escolher isso, então? Não acha que precisa de algo mais… ambicioso? Afinal, estamos falando de Ryuuji...
Antes que eu pudesse responder, Kaori e Mai começaram a debater sobre a escolha do tema, quase como se eu não estivesse ali.
— Acho que um toque de mistério cairia bem — sugeriu Mai, cheia de empolgação, virando-se para Takumi. — Talvez algo meio sombrio, uma pista sutil que o leitor só entende no final.
Takumi balançou a cabeça levemente, ponderando.
— Talvez… mas Shin sempre se destacou com temas que têm mais emoção — ele argumentou. — Ele é mais focado no que as pessoas sentem. O mistério precisa complementar isso, não ser o foco. Se o mistério for o centro, o impacto emocional se perde.
Kaori, com um brilho competitivo no olhar, se intrometeu, balançando as mãos em desacordo.
— Isso pode acabar ficando previsível, você não acha? — Kaori insistiu. — E se ele criasse uma reviravolta lá pelo meio? Algo que ninguém esperaria e que mudasse completamente a percepção do leitor?
— Tipo um segredo revelado? — Takumi perguntou, interessado. — Ou talvez algo que o protagonista só descubra no final e que mude completamente a visão dele sobre o que passou?
— Uau, isso tá ficando um pouco intenso demais, vocês não acham? — comentou Rintarou. — E se ele optar por uma história mais leve, algo mais realista e que toque as pessoas justamente por ser algo simples, mas bem escrito?
— Boa ideia, Rin! — Kaori concordou. — Às vezes, uma história simples tem um impacto muito mais direto, e isso combina com o estilo do Shin. Quem sabe uma cena do cotidiano que seja... memorável, sabe?
Mai olhou para Kaori, pensativa.
— Mas não é meio arriscado? Talvez ele perca a atenção do leitor rápido demais se não houver algo que prenda logo no começo.
Takumi cruzou os braços, ainda refletindo.
— Bom, eu acho que o Shin deve escolher o que faz mais sentido pra ele. Ele já tá com uma base boa, então por que não continuar nessa linha, mas talvez intensificar algumas cenas?
— Sim, como por exemplo...
Eles continuaram discutindo entre si, cada um sugerindo um tipo de história diferente, enquanto eu observava a conversa com um sorriso divertido. Mesmo em meio àquelas sugestões divergentes, uma coisa era certa: eles estavam tão comprometidos quanto eu em tornar a história algo especial.
— Ei, pessoal… Eu tô adorando o entusiasmo de vocês, mas tô começando a me sentir um pouco de fora aqui — interrompi, com uma risada.
Eles riram, e Rintarou ergueu a cabeça e me olhou com um semblante mais sério.
— No fim, Shin, você precisa decidir o que quer realmente dizer. Então… de que jeito você quer contar essa história?
A pergunta de Rintarou me pegou de surpresa. Fiquei em silêncio por um segundo, mas depois respirei fundo e deixei as palavras saírem naturalmente.
— Na verdade… percebi que o que eu quero não é complicar, mas fazer algo que seja meu. Algo simples, sim, mas verdadeiro. Não preciso impressionar pela complexidade, preciso que as pessoas sintam a história.
Eles pareciam absorver minhas palavras em silêncio, mas Kaori logo deu um sorriso e acenou com a cabeça.
— Faz sentido. Às vezes, a simplicidade pode ser o que dá o impacto. Uma boa história não precisa ser complicada, precisa tocar a gente. E sua ideia parece estar no caminho certo!
Mai assentiu, um pouco pensativa.
— Mas, Shin, talvez você possa considerar uma cena mais forte? Ou um momento que surpreenda? Algo que seja diferente, mesmo que a história seja simples.
O conselho dela me fez refletir. E, ao ver o quanto cada um ali se dedicava para me ajudar, a pressão inicial que eu sentia começou a se dissipar.
— Eu acho que vale tentar — concordei, pegando um lápis e anotando as ideias deles ao lado dos esboços. — Talvez um ponto de virada no meio… como um contraste. Algo que não complique, mas dê força...
Eles assentiram, satisfeitos, e Takumi deu um sorriso.
— Você sabe, Shin, eu sempre gostei de histórias que têm uma ambientação envolvente. Seria legal ver isso no seu texto. Algo que transportasse o leitor pra lá.
Mai se animou.
— Isso! Uma narrativa assim fica rica com detalhes. Uma história simples ganha força quando o leitor se sente dentro dela.
Rintarou, por sua vez, olhou para mim com um sorriso leve e deu seu conselho mais simples:
— E, acima de tudo, não se esqueça de que o que você quer contar é o que importa. O que vem depois disso é detalhe.
Os conselhos deles eram diretos, mas cada um parecia ecoar algo dentro de mim, como uma motivação renovada. Olhei para os papéis com o esboço e as anotações novas, e uma leve paz tomou conta de mim.
— Valeu, pessoal. De verdade. Saber que vocês estão aqui me ajudando… faz com que tudo isso pareça mais real — Sorri, com sinceridade, enquanto olhava para cada um deles.
— Que barulheira é essa? — Uma voz sonolenta soou de repente. Todos se viraram para Taro, que havia acabado de acordar e olhava ao redor, confuso.
A pergunta dele foi como o último fio para romper a tensão de ideias acumuladas na sala.
Primeiro, uma risada baixa escapou de Mai, seguida pela risada mais alta e contagiante de Kaori. Em poucos segundos, estávamos todos rindo.
— Parece que alguém perdeu o capítulo inteiro, hein? — brinquei, ainda rindo.
— Deixa ele, Shin — Kaori completou, dando um tapinha leve no ombro de Taro. — É um talento natural dele dormir nas melhores partes.
Ele deu de ombros, ainda meio zonzo.
— Não sei o que vocês acham tão engraçado... Mas espero que pelo menos alguém tenha trazido um lanche — dizia enquanto bocejava.
— Pra variar, só pensa em comida... — Mai revirou os olhos, mas com um sorriso genuíno.
Os papéis estavam ainda espalhados pela mesa, com rascunhos, anotações e rabiscos deixados por cada um deles enquanto discutiam, mas agora, todos pareciam menos rígidos, mais livres. Eu olhei para aqueles papéis com um sentimento de gratidão — eles representavam muito mais do que ideias. Representavam o apoio dos meus amigos, a confiança deles de que eu poderia criar algo significativo.
Enquanto o riso foi se dissipando, Takumi se aproximou de mim, com um olhar de quem passa uma responsabilidade importante.
— Vai fundo, Shin. Tá tudo bem, mesmo que seja complicado. Só... lembra da essência.
Assenti, sentindo uma onda de determinação surgir.
— Pode deixar, vou fazer isso dar certo. Eu não vou perder.
Kaori me lançou um último sorriso encorajador, e, ao sairmos juntos da sala, quando as atividades do clube acabaram, eu me sentia mais leve, mais confiante.
Talvez não soubesse exatamente como a história terminaria, mas agora eu sabia que tinha algo tão essencial quanto qualquer enredo: amigos que depositavam as suas confianças em mim e que estavam ao meu lado para tornar tudo isso possível.