A escuridão envolvia Misheru enquanto ele abria os olhos devagar. Sua mente estava mergulhada em névoa, mas uma pergunta pairava nela.
- Onde... estou?
O ambiente era aconchegante, porém estranho. Como ele havia ido parar ali? Aos poucos, as memórias começaram a voltar, trazendo clareza.
- Ah sim, agora lembro. Estava ajudando o Issei com um encontro, mas as coisas ficaram fora de controle...
A cena mudar para uma segunda-feira de manhã. Eram 7 horas quando o despertador tocou, incomodando um dos garotos no quarto.
- Porra, Issei! Desliga essa merda! -A voz rouca de Misheru cortou o ar.
Sonolento, Issei estendeu o braço e desligou o alarme infernal. Do outro lado, Misheru se sentou na cama, espreguiçando-se.
- Vamos lá, Issei, levanta. Temos que nos arrumar para a escola.
- Ahh não, Misheru-nii... -, Issei resmungou, cobrindo-se com o lençol. - Mais cinco minutinhos...
Misheru bufou, passando a mão pelo rosto. - Eu entendo, mas precisamos ir. Além disso, a mamãe deve estar fazendo o café da manhã.
Sem respostas além de um embrulho imóvel, Misheru suspirou. Um sorriso travesso formou-se em seus lábios. - Tudo bem, se quer ficar aí dormindo...
Num átimo, ele saltou sobre Issei, imobilizando-o com uma chave de jiu-jitsu. Issei se debateu, mas não conseguiu se soltar.
- Tudo bem, tudo bem, eu levanto! Me solta!
- Nah, você que pediu, irmãozinho. -, Misheru apertou mais. - Só solto se pedir 'pinico'.
- Pinico...? -, Issei engasgou, confuso.
- O quê? Fala mais alto!
- Eu disse pinico, porra! -. Com um último esforço, Issei mordeu o braço de Misheru, que urrou e afrouxou a chave. Livre, Issei empurrou o irmão para fora da cama. Misheru caiu de cara no chão com um baque surdo.
Issei segurou o riso, mas não aguentou e começou a gargalhar do irmão mais velho. Misheru se levantou do chão, passando a mão pelo rosto. Um sorriso formou-se em seus lábios.
- Ah seu moleque.
Ele tentou agarrar Issei, mas o mais novo jogou o lençol sobre Misheru e saiu correndo do quarto. Rapidamente, Misheru se livrou do lençol e seguiu atrás do irmão caçula.
Enquanto perseguia Issei pelos corredores, Misheru recordou dos eventos nebulosos que o trouxeram até aquela família. Ele tinha poucas lembranças de antes. Na infância, viu os pais mortos no chão. Não soube como reagir, ficou paralisado fitando os corpos, até que ouviu passos se aproximando. Depois disso, sua memória era um borrão até chegar àquela casa.
Misheru sacudiu a cabeça, afastando os pensamentos sombrios. Estava em casa agora com Issei e os pais adotivos. Essa era sua família e ele a protegeria não importa o que. Um sorriso nasceu em seus lábios novamente quando avistou Issei virando o corredor à frente.
- Volte aqui, seu pestinha! - Misheru gritou, acelerando o passo.
Misheru finalmente alcançou Issei, agarrando-o pelo colarinho da camiseta. Porém, quando os dois olharam para baixo, perceberam que estavam na ponta da escadaria. Desequilibrados, rolaram escada abaixo, caindo aos pés de sua mãe adotiva.
Doloridos, ergueram os olhos para a figura imponente da matriarca, mãos firmes na cintura. Seu olhar era penetrante.
- Sério? Nessa hora da manhã já estão fazendo bagunça? - Sua voz era dura, mas havia um brilho divertido em seus olhos.
Da cozinha, uma voz masculina soou, mais branda:
- Calma amor, eles são meninos.
Issei e Misheru trocaram um olhar cúmplice. O pai adotivo sempre foi o mais compreensivo com suas traquinagens. A mãe, por outro lado, mesmo com seu semblante sério, tinha um coração macio por dentro.
- Desculpe, mãe - Misheru disse, fazendo sua melhor cara de cachorro que caiu da mudança.
- É, desculpa - Issei ecoou com um sorriso sem graça.
A mãe revirou os olhos, mas não conseguiu conter um sorriso carinhoso.
- Ah, vocês dois...Vão tomar um banho e descer para o café. Hoje é segunda-feira e vocês tem que estar prontos para a escola.
Concordando, os irmãos se levantaram e subiram de volta para se arrumarem.
Depois de alguns minutos, os dois irmãos desceram as escadas já devidamente arrumados e se juntaram aos pais na cozinha para o café da manhã. A mãe e o pai tomavam seus cafés tranquilamente quando Misheru e Issei se sentaram à mesa.
Sem delongas, devoraram as refeições preparadas com carinho pela matriarca. Ao terminarem, ambos os irmãos beijaram a bochecha rosada da mãe e acenaram um "tchau" para o pai antes de saírem apressados rumo à escola.
No caminho, Issei quebrou o silêncio:
- Ei, Misheru, que horas são mesmo?
Misheru tirou o celular da bolsa e olhou a tela iluminada.
- São 7:30 - respondeu, soltando um suspiro - Caramba, estamos indo muito cedo para a escola.
Issei acenou afirmativamente.
- Sim, além do mais, vamos acordar nesse horário? Talvez cheguemos lá às 8, já que as aulas só começam 8:30.
Um sorriso maroto curvou os lábios de Misheru.
- Você está certo, irmãozinho. Que tal fazermos uma paradinha antes de ir para a escola? Conheço um bom lugar para tomar um milk-shake.
Os olhos de Issei brilharam com a perspectiva.
- Milk-shake essa hora da manhã? Você é o máximo, Misheru-nii!
Faltavam 20 minutos para as 8 horas quando Misheru e Issei chegaram em frente à Academia Kuoh, duas taças de milk-shake nas mãos. Tomaram alguns goles finais antes de se juntarem ao fluxo de estudantes entrando nos portões.
Academia Kuoh era uma instituição originalmente destinada apenas ao público feminino. Porém, por alguma razão, acabou abrindo suas portas para estudantes do sexo masculino também, tornando-se uma escola mista.
Foi Issei quem insistiu para que a mãe e pai nos matriculassem ali. Não que fosse um ambiente propriamente incrível para estudar, na verdade. Issei tinha outros... motivos por trás de sua escolha.
- Nossa, olha só para todas essas garotas lindas! -, Issei suspirou extasiado, observando as estudantes do sexo oposto passarem.
Misheru revirou os olhos.
- É sempre assim com você, não é? Um verdadeiro tarado.
- Ah qual é, Misheru-nii! Você também não pode negar que as meninas daqui são muito gatas.
- Pode até ser, mas pelo menos eu não fico babando em cima delas igual um cachorro no cio.
Issei deu de ombros, nada abalado. Seu foco já havia se voltado para um novo grupo de garotas se aproximando. Misheru sacudiu a cabeça, exasperado, porém se permitiu um sorriso discreto. Afinal, seu irmãozinho estava apenas exercendo seu dom natural de adolescente.
Ao entrarem no prédio principal, dois rostos familiares os recepcionaram com sorrisos largos.
Os dois rostos familiares que os recepcionaram pertenciam aos amigos de Issei - Matsuda, o de cabeça raspada, e Motohama, o rapaz de óculos grossos. Issei os conheceu no oitavo ano e, desde então, pareciam compartilhar o mesmo... interesse pelas colegas do sexo oposto.
- E aí, Issei! Preparado para mais um dia de observação de peitorais e pernas? -, Matsuda cumprimentou com um sorriso maroto.
- Você sabe que sim! -, Issei retribuiu o sorriso.
Motohama ajeitou os óculos no rosto.
- Não vejo a hora de avaliar as novas calouras esse ano. Deve ter algumas beldades escondidas.
Misheru soltou um suspiro exasperado. Não conseguia impedir que seu irmãozinho seguisse os mesmos passos pervertidos desses dois amigos. Por causa deles, o trio já havia ganhado a infame alcunha de "Trio dos Pervertidos" pelos demais alunos. E Misheru? Ele era apenas o "irmão do pervertido".
Dirigindo-se a Issei, Misheru deu um tapinha em suas costas.
- Bem, irmão, já vou indo para minha sala. E não faça besteira, ouviu bem?
Issei acenou, mal conseguindo conter o entusiasmo.
- Sim, irmão!
Misheru lançou um último olhar de aviso antes de se afastar, deixando o trio de pervertidos para trás.
Alguns segundos depois, Misheru alcançou sua sala de aula, a 3B. Atravessou a porta e se dirigiu a sua carteira habitual, deixando a mochila no chão antes de se sentar. Ainda faltava um tempo até o sinal tocar, anunciando o início das aulas.
Seu olhar vagou pelo ambiente familiar e parou em um grupo de garotas conversando animadamente perto da janela. Entre elas estava Emi, a autoproclamada líder daquela turma. Era uma menina de longos cabelos castanhos e olhos penetrantes que nunca perdiam uma oportunidade de provocar Misheru. Porém, ele sempre a ignorava.
As vozes femininas formavam um murmúrio indistinto, impossível de distinguir as palavras específicas. Não que Misheru se importasse muito. Baixou a cabeça sobre os braços cruzados na carteira, decidindo cochilar até a chegada do professor.
Seus olhos mal haviam se fechado quando uma voz estridente cortou o ar:
- Ei, Mushiba! Está de soneca de novo?
Misheru ergueu a cabeça para encarar Emi, que tinha os braços cruzados e um olhar zombeteiro no rosto. Suas amigas riram para a provocação.
- É Misheru -, ele corrigiu calmamente. - E não estou de soneca, apenas descansando os olhos.
- Sei... -, Emi torceu o nariz. - Tomara que pelo menos um dia você acorde para as aulas ao invés de dormir feito um velho preguiçoso.
Misheru deu de ombros, indiferente. Provocações desse tipo não mais o afetavam. Antes que pudesse revidar, o sinal tocou, anunciando o início da primeira aula do dia.
O sinal do intervalo do almoço soou às 12h30. Misheru observou os colegas de turma se levantarem apressados de suas carteiras e deixarem a sala. Entre eles estavam Rias e Akeno, consideradas as duas garotas mais bonitas da classe.
Misheru se ergueu preguiçosamente e se juntou ao fluxo de estudantes saindo. Depois de consumir sua refeição, decidiu caminhar pelos arredores do prédio principal para esticar as pernas.
Ao passar pelos fundos do clube de kendo, notou um aglomerado de alunas uniformizadas cercando alguém. Misheru aproximou-se, seus olhos se apertaram quando reconheceu o indivíduo no centro - seu irmão caçula Issei.
- Mas o que temos aqui? -, Uma das garotas do kendo comentou em tom zombeteiro. - Se não é o pervertido número um da Academia Kuoh!
- Eu não sou um pervertido! -, Issei protestou, apesar do rubor em suas bochechas.
- Ah não? Então por que quando estávamos praticando e você ficou ai nos observando feito um tarado? -, Outra menina se manifestou.
Misheru soltou um suspiro cansado, colocando a mão na testa. Só podia ser mais uma das peripécias pervertidas de seu irmão idiota.
- O que está acontecendo aqui? -, Ele se aproximou, sua voz grave chamando a atenção das garotas.
- Misheru-nii! -, Issei exclamou, aliviado por ter reforços.
As alunas do kendo se viraram para o rapaz mais velho, corando levemente diante de sua presença intimidadora.
- Seu irmão é um tarado que ficou nos espiando durante o treino! -, Uma delas acusou.
Misheru lançou um olhar de decepção para Issei, que desviou os olhos, sem graça. Com um suspiro, virou-se para as garotas novamente.
- Me desculpem por qualquer inconveniência. Prometo que vou ter uma conversinha com meu irmãozinho sobre isso.
As meninas assentiram, ainda emburradas, antes de se dispersarem. Issei observou Misheru se aproximar com cautela.
Misheru esfregou os olhos, cansado, antes de agarrar Issei pelo braço e erguê-lo do chão.
- Sério isso? O que foi que eu te disse mais cedo ein?
Issei abaixou a cabeça, envergonhado.
- Desculpa, Misheru. É que eu e os meus amigos decidimos espiar as garotas, só que uma delas nos viu.
- E onde estão aqueles dois? -, Misheru olhou em volta, procurando pelos comparsas de Issei.
- Eles fugiram antes de serem pegos. Eu, como sempre, fui o lerdo e acabei sendo cercado.
Misheru balançou a cabeça e bateu de leve na cabeça do irmão caçula, que gemeu.
- Por que você fez isso, irmão?
- Para largar de ser idiota! -, Misheru cruzou os braços. - Bem, eu não posso mudar você, mas posso tentar controlar esse seu jeitinho. Aliás, você sabe onde seus amigos foram parar?
Issei suspirou.
- Sim, acho que eles estão naquele prédio antigo, o do Clube de Pesquisas Ocultas.
Entendendo, os dois irmãos se encaminharam para o local mencionado. Ao chegarem, Misheru repreendeu Issei, Matsuda e Motohama por mais uma de suas aventuras pervertidas.
Depois de deixar os três constrangidos, Misheru sentiu estar sendo observado. Olhou para todos os cantos até avistar uma silhueta vermelha na janela do velho prédio - era Rias, a beldade da Academia Kuoh, os fitando com olhos inescrutáveis. Segundos depois, ela desapareceu novamente para dentro.
- Aquela é Rias Gremory, a garota mais linda da escola! -, Motohama ajeitou os óculos, comentando com entusiasmo.
Misheru franziu o cenho. Alguma coisa lhe dizia que aquela ruiva não era uma simples estudante comum...