Charlotte
Sentia-me desconcertada com as bobagens da Mika, mas agora uma angústia profunda se apoderava de mim devido às palavras da Maria.
"Embora você seja um zumbi, sua essência humana persiste, e mesmo ela sendo humana, te ama do jeito que você é. E se você se assemelhar ao alfa, em breve uma nova vida poderá surgir neste mundo."
Isso não pode ser real.
Não consigo compreender como o corpo do Dylan ainda funciona, e a ideia de engravidar dele jamais passou pela minha mente. Preciso manter a serenidade; mesmo que ele seja racional e seu corpo opere, isso não significa que estou grávida.
Deixei-me levar por essa atração estranha, sem considerar as consequências, e agora sou consumida por essa incerteza que arde em meu peito. Que confusão.
Fechei os olhos, tentando acalmar meu coração, e ao abri-los, deparei-me com o olhar de Dylan. Levantei meu braço e toquei seu rosto.
"Estou bem," - murmurei com suavidade, e ele segurou minha mão.
"Estou percebendo que vou acabar sozinha," - disse Mika, e voltei meu olhar para ela. - "Falei em voz alta?"
"Não se preocupe. Ninguém te ouviu," - respondeu Maria, sorrindo.
"É melhor descansarmos, pois amanhã temos que sair bem cedo," - disse, virando-me e fechando os olhos. Dylan começou a acariciar meus cabelos.
(...)
Dylan
Charlotte estava visivelmente perturbada pelas palavras da mulher, mas manteve a compostura. Como um zumbi com audição aguçada, percebi seu coração batendo acelerado.
Ela não gostou da possibilidade de estar grávida de mim?
Contudo, ao perceber que estou morto, ela entrou em pânico. Talvez eu não seja como o zumbi que engravidou a mulher, um super soldado, o primeiro a se infectar.
Ainda assim, a ideia de que ela possa estar gestando uma vida em seu interior me traz alegria.
Seria errado nutrir esperanças?
Ela adormeceu rapidamente, enquanto eu fechei os olhos, permitindo que a escuridão me envolvesse. Ser um zumbi que pode sonhar é uma novidade, e os cientistas acham fascinante que eu consiga ter sonhos.
Embora a ciência não compreenda por que sou diferente dos outros zumbis, sem batimentos cardíacos, sinto-me mais vivo do que morto.
Dormir não é fácil para mim, pois os pesadelos costumam me assombrar, então prefiro permanecer acordado.
De repente, uma luz intensa atingiu meu rosto, abri os olhos e senti uma estranha ardência, mesmo sem dor.
"Até quando você vai ficar dormindo, seu preguiçoso?" - Uma voz feminina falou, e senti uma mão tocar meu rosto, fazendo-me abrir os olhos.
"Charlotte," - pronunciei seu nome, paralisado, surpreso ao perceber que minha voz saiu, e ela sorriu antes de me dar um selinho.
"Bom dia," - uma voz infantil exclamou, e alguns segundos depois, uma garotinha pulou na cama. - "Acorda, papai."
"O quê?" - perguntei, sentando-me na cama. - "Estou sonhando?"
"Está tudo bem, amor?" - Charlotte perguntou, olhando para mim.
"Papai não levantou ainda? Vamos nos atrasar," - disse um garoto ao entrar, vestido com uniforme de beisebol. - "Preciso estar no jogo em trinta minutos."
"Papai teve pesadelos?" - a garotinha questionou, segurando meu rosto. - "Está tudo bem, papai?"
"Estou bem," - respondi, sorrindo, enquanto ela me abraça. Levantei-me da cama, olhei meu reflexo no espelho da penteadeira e notei meus olhos castanho-escuros. Aproximando-me do espelho, toquei meu rosto.
"Por que papai sempre olha no espelho?" - A garotinha perguntou. - "Papai é bonito, então não precisa se preocupar," - disse, enquanto Charlotte ria.
"Vamos deixar o papai se arrumar," - Charlotte falou, colocando a criança no chão. Ficamos sozinhos por alguns segundos. - "Isso é incrível?" - Ela questionou, me abraçando.
"Tão incrível que parece um sonho," - respondi, envolvendo-a em um abraço, e ela riu.
"Mas é real," - ela afirmou, me levantando e me dando um beijo.
"PAPAI!" - Exclamou, soltando-me enquanto corria. Fui atrás dela, e ao entrarmos na sala, vi um zumbi em cima do garoto. Agarrei o zumbi e o empurrei.
"Dylan," - Charlotte chamou meu nome, olhando para trás, arregalando os olhos ao ver muito sangue escorrendo de sua garganta. - "Por quê?"
"O quê?" - Levantei-me, vendo as crianças mortas no chão, minhas mãos cobertas de sangue. No espelho, vi meus olhos brancos e a boca cheia de sangue. - "Eu os matei," - disse, olhando para Charlotte caída no chão. Aproximei-me dela, a peguei no colo e comecei a chorar. - "Abra os olhos, amor," - falei entre lágrimas, e ouvi um clique. Olhei para trás e vejo o meu irmão apontando uma arma na minha direção. - "Me mate."
"Sinto muito," - ele falou, atirando, e então abri os olhos, percebendo que estou no metrô.
"Pesadelos?" - Charlotte perguntou, segurando meu rosto. - "Está tudo bem. Foi apenas um sonho ruim," - disse, me abraçando, enquanto meu corpo ainda treme.
"Eu os matei," - falei pelo aparelho. - "Você e as crianças."
"Foi só um sonho, Dylan."
"Foi muito real."
"Desejo e medo às vezes se entrelaçam," - ela disse, segurando meu rosto. - "Seu desejo de ter uma família se misturou com o medo. Mas isso não significa que irá acontecer," - falou, e eu a observei. - "Portanto, não se preocupe, porque foi apenas um pesadelo, amor," - ela concluiu, me abraçando.
"Estou com medo."
"Vai ficar tudo bem," - ela respondeu, encostando a testa na minha. Fechei os olhos, tentando me acalmar, e depois a abracei. - "Então, teremos filhos?" - Perguntou, e eu apenas balancei a cabeça afirmativamente. Ela se soltou, virou-se e sentou em meu colo. - "Como eram?"
"O menino devia ter cerca de onze anos e se parecia muito comigo. A menina tinha uns seis anos e era idêntica a você."
"Um menino e uma menina. Que lindo," - ela disse, me abraçando. - "Sonhar é bom, mesmo que sejam pesadelos," - comentou, olhando para trás. - "Isso é o que te faz humano."
"Mas não quero que esse sonho se torne realidade assim. Eu os matei."
"Já imaginei nós dois com filhos," - ela afirmou, segurando minhas mãos e colocando-as em sua barriga. - "Estávamos sentados numa varanda, observando as crianças brincando. O mais incrível é que imaginei ter esse futuro ao seu lado, mesmo quando não estávamos juntos. Você apenas disse que eu poderia recomeçar e ter uma família, e foi você quem veio à minha mente."
"Você não tem medo de que eu possa ser como os outros?"
"Não tenho medo. Porque você nunca será como os outros," - ela respondeu, virando-se para mim. -"Você é especial, Dylan," - disse, segurando meu rosto. - "Nunca conheci alguém mais humano do que meu zumbi," -
Completou com um sorriso. - "Ter medo do desconhecido é normal. Eu também estou com medo," - disse, afastando-se um pouco e tocando sua barriga. - "Medo de ter falsas esperanças. E se eu realmente estiver grávida, temo que meu filho possa nascer infectado. Fora isso, daremos um jeito."
"Então, estar grávida não te assusta?"
"Fiquei em choque com as palavras da Maria. Mas, depois, senti uma mistura de felicidade e tristeza. Feliz por estar carregando um bebê e triste por talvez estar apenas me iludindo," - respondeu, tocando sua barriga. - "Sentir medo é natural, Dylan."
"Não deixarei que meus medos se tornem realidade," - afirmou meu aparelho. - "Tornarei-me mais forte para protegê-los," - acrescentou, abraçando-a.
"Esse é meu zumbi," - disse, envolvendo-me em um abraço apertado.