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71.21% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 92: XCI. LÂMPADA

Chapitre 92: XCI. LÂMPADA

No dia seguinte decidi fazer uma viagem a Torrente. Assim, já que por acaso estava na vizinhança, dei uma passada pela Toco de Carvalho.

O proprietário não conhecia os nomes "Alys" nem "Alice", mas uma encantadora jovem de cabelos escuros, chamada "Alysson", havia alugado um quarto lá. Não estava na hospedaria naquele momento, porém, se eu quisesse deixar um bilhete...

Declinei da oferta, consolando-me com o fato de que, já que agora sabia onde Alys se hospedava, encontrá-la seria relativamente fácil. 

No entanto, não tive a sorte de achá-la na Toco de Carvalho nos dois dias seguintes. No terceiro, o proprietário me informou que ela partira no meio da noite, levando tudo o que era seu e deixando a conta por pagar. Depois de rodar ao acaso por algumas tabernas e não encontrá-la, voltei para a Academia, sem saber se devia ficar preocupado ou irritado.

Mais três dias e outras cinco idas infrutíferas a Torrente. Nem Droch nem Augus haviam tido qualquer notícia dela. Droch me contou que era da natureza de Alys desaparecer desse jeito e que procurá-la seria mais ou menos tão útil quanto assobiar para um gato. Eu sabia que era um bom conselho, e o ignorei.

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Sentei-me no gabinete de Kelvin, tentando parecer calmo, enquanto o professor grandalhão e peludo girava minha lamparina de simpatia nas mãos.

Era meu primeiro projeto solo como artífice. Eu havia moldado as chapas e polido as lentes. Tinha aplicado o dopante no emissor sem me envenenar com arsênico. E, o que era mais importante, eram minha Vileza e a complexa siglística que haviam transformado as diferentes peças numa lamparina portátil de simpatia que funcionava. 

Se Kelvin aprovasse o produto final, ele o venderia e eu receberia parte do dinheiro, a título de comissão. Mais importante ainda, eu me tornaria um artífice independente, apesar de iniciante. Seria digno de confiança para desenvolver meus próprios projetos com mais liberdade. Era um grande passo à frente nas fileiras da Ficiaria, um passo para chegar à categoria de A'scor e, o que era importantíssimo, à minha autonomia financeira.

Kelvin finalmente ergueu os olhos.

— Está muito bem-feito, A'lun Vanitas, mas o formato não é típico.

Assenti com a cabeça.

— Fiz algumas mudanças, Mestre. Se acendê-la, o senhor verá...

Kelvin emitiu um som grave, que tanto poderia ser um risinho divertido quanto um grunhido de irritação. Pôs a lamparina na mesa e andou pelo aposento, apagando todas as outras, com exceção de uma.

— Sabe quantas lâmpadas de simpatia tive que explodir nas mãos ao longo dos anos, A'lun Vanitas?

Engoli em seco e balancei a cabeça.

— Quantas?

— Nenhuma — respondeu ele em tom grave. — Porque sempre sou cuidadoso. Sempre tenho absoluta certeza do que seguro nas mãos. Você precisa aprender a ter paciência, A'lun Vanitas. Um instante na mente vale dez no fogo.

Baixei os olhos e procurei fazer um ar apropriadamente entendido.

Kelvin estendeu a mão e apagou a única lâmpada que restava, deixando o aposento em quase completa escuridão. Houve uma pausa e, em seguida, uma nítida luz avermelhada brotou da lamparina portátil e brilhou contra a parede. A luz era muito tênue, inferior à de uma simples vela.

— O funcionamento do interruptor é graduado — apressei-me a esclarecer. — Na verdade, ele mais é um reostato que um interruptor.

Kelvin meneou a cabeça.

— Habilidoso. Isso não é algo com que a maioria se importe numa lâmpada pequena como essa — comentou.

A luz ficou mais forte, depois mais fraca, depois novamente mais intensa:

— A siglística em si parece bastante boa — disse Kelvin devagar, pondo a lamparina na mesa. — Mas o foco da sua lente está imperfeito. Há muito pouca difusão.

Era verdade. Em vez de iluminar o aposento inteiro, como era típico, minha lamparina revelava uma faixa estreita dele: o canto da bancada de trabalho e metade da grande lousa preta encostada na parede. O resto do gabinete continuava escuro.

— É intencional — disse eu. — Existem lanternas assim, lanternas olho-de-boi.

Kelvin era pouco mais que uma forma escura do outro lado da mesa.

— Essas coisas me são conhecidas, A'lun Vanitas — disse, com um toque de censura na voz. — São muito usadas em atividades condenáveis. Atividades com que os arcanistas não devem ter nada a ver.

— Pensei que fossem usadas por marinheiros.

— São usadas por ladrões — retrucou Kelvin, em tom sério. — E por espiões e outras pessoas que não querem revelar seus atos nas horas tenebrosas da noite.

De repente, minha vaga ansiedade acentuou-se. Eu havia considerado esse encontro basicamente uma formalidade. Sabia ser um artífice habilidoso, melhor do que muitos dos que haviam trabalhado por muito mais tempo na oficina de Kelvin.

E agora sentia-me subitamente apreensivo com a ideia de haver cometido um erro e desperdiçado quase 30 horas de trabalho na lamparina, sem falar em um crimo inteiro do meu dinheiro investido no material.

Kelvin deu um grunhido evasivo e resmungou alguma coisa entre dentes. A meia dúzia de lamparinas espalhada pelo aposento tornou a crepitar e ganhar vida, inundando-o de luz. Fiquei deslumbrado com a execução relaxada de uma conexão sêxtupla pelo professor. Nem pude imaginar de onde ele havia retirado a energia.

— É que todo mundo faz uma lamparina de simpatia como seu primeiro projeto — falei, para preencher o silêncio. — Todos sempre seguem o mesmo antigo esquema. Eu quis fazer uma coisa diferente. Quis ver se conseguia criar algo novo.

— Imagino que o que desejava era demonstrar sua extrema inteligência — disse Kelvin, sem fazer rodeios. — Queria não apenas concluir seu estágio de aprendiz em metade do tempo habitual, mas também trazer-me uma lamparina da sua própria criação aprimorada. Sejamos francos, A'lun Vanitas. Sua produção dessa lâmpada foi uma tentativa de mostrar que você é melhor do que o aprendiz comum, não foi?

Ao dizer isso, Kelvin fitou-me diretamente e por um momento não houve nada de sua distração característica por trás dos olhos.

Fiquei com a boca seca. Por trás da barba desgrenhada e do aturiano falado com um forte sotaque, a mente de Kelvin era um diamante. O que me levara a achar que poderia mentir e sair impune?

— É claro que eu queria impressioná-lo, Mestre Kelvin — respondi, baixando os olhos. — Creio que é desnecessário dizer isso.

— Não seja servil. A falsa modéstia não me impressiona.

Ergui a cabeça e empertiguei os ombros.

— Nesse caso, Mestre Kelvin, eu sou melhor. Aprendo mais depressa. Trabalho com mais afinco. Minhas mãos são mais ágeis. Minha mente é mais curiosa. Mas também espero que o senhor mesmo saiba disso sem que eu o precise dizer.

Kelvin assentiu com a cabeça.

— Assim é melhor. E você tem razão, eu sei dessas coisas — disse.

Manuseou a lamparina, acendendo-a e apagando-a enquanto a apontava para coisas diferentes no gabinete:

— E, para ser justo, estou devidamente impressionado com a sua habilidade. A lamparina foi muito bem-feita. A siglística é muito engenhosa. A gravação é precisa. Trata-se de um trabalho inteligente.

Enrubesci de prazer com os elogios.

— Porém há mais na artificiaria do que a simples habilidade — prosseguiu, pondo a lamparina na mesa e espalmando as manzorras dos dois lados dela. — Não posso vender essa lâmpada. Ela gravitaria para as pessoas erradas. Se um ladrão fosse apanhado com uma ferramenta dessas, isso repercutiria mal em todos os arcanistas. Você concluiu seu estágio como aprendiz e se distinguiu em termos de habilidade — disse, e eu relaxei um pouco. — Porém sua capacidade de avaliação, em termos mais amplos, ainda é um tanto questionável. Quanto à lamparina, nós a derreteremos para recuperar os metais, presumo.

— O senhor vai derreter minha lâmpada?

Eu havia trabalhado nela durante uma onzena inteira e investira quase todo o dinheiro que tinha na compra da matéria-prima. Contava com um bom lucro quando Kelvin a vendesse, e agora...

A expressão dele foi firme.

— Todos somos responsáveis por manter a reputação da Academia, A'lun Vanitas. Uma peça como esta, nas mãos erradas, refletiria mal em todos nós.

Eu estava pensando num modo de persuadi-lo quando ele fez um aceno, enxotando-me porta afora:

— Vá dar a boa notícia ao Monet.

Desanimado, saí da oficina e fui saudado pelo som de centenas de mãos atarefadas em talhar madeira, cortar pedras e martelar metais. No ar havia um cheiro forte de ácidos cáusticos, ferro quente e suor.

Avistei Monet num canto pondo tijolos num forno. Esperei-o fechar a porta e recuar, enxugando o suor da testa na manga da camisa.

— Como foi? — perguntou-me. — Passou, ou vou ficar empacado segurando a sua mão por mais um período?

— Passei — respondi com indiferença. — Você estava certo sobre as modificações. Ele não se impressionou.

— Eu lhe disse — retrucou ele, sem qualquer presunção. — Você precisa lembrar que estou aqui há mais tempo do que 10 estudantes juntos. Quando lhe digo que no fundo os Mestres são conservadores, não estou apenas fazendo barulho. Eu sei.

Passou a mão na barba grisalha e revolta com ar distraído enquanto observava as ondas de calor que saíam do forno de tijolos, e perguntou:

— Alguma ideia sobre o que vai fazer consigo mesmo, agora que é um agente livre?

— Andei pensando em fazer um lote daqueles emissores de lamparinas azuis.

— O dinheiro é bom — disse Monet devagar. — Mas é arriscado.

— Você sabe que sou cuidadoso — assegurei-lhe.

— Risco é risco. Treinei um garoto, há mais ou menos uns 10 anos, como era mesmo o nome dele...? — tentou recordar.

Tamborilou o dedo na cabeça por um instante e então deu de ombros:

— Ele cometeu um pequeno lapso — prosseguiu, estalando os dedos ruidosamente. — Mas é o quanto basta. Queimou-se um bocado e perdeu uns dois dedos. Não foi lá um grande artífice depois disso.

Olhei para Gammar, que estava do outro lado da oficina, com o olho faltante e a cabeça calva e cheia de cicatrizes.

— Entendido — comentei.

Flexionei as mãos, ansioso, olhando para o recipiente de metal polido. As pessoas tinham passado um ou dois dias nervosas perto dele após a demonstração feita por Kelvin, mas ele logo se transformara em apenas mais um equipamento. A verdade era que havia 10 mil maneiras diferentes de morrer na Ficiaria se o sujeito fosse descuidado. O alcatrão-de-osso era apenas a mais nova e mais empolgante para ele se matar.

Resolvi mudar de assunto.

— Posso lhe fazer uma pergunta?

— Mande fogo — disse ele, olhando de relance para o forno próximo. — Entendeu? Mande fogo?

Revirei os olhos.

— Você diria que conhece a Academia tão bem quanto qualquer um?

Ele fez que sim e acrescentou:

— Tão bem quanto qualquer um que esteja vivo. Todos os segredinhos sórdidos.

Baixei um pouco a voz:

— Quer dizer que, se quisesse, poderia entrar no Arquivo sem o conhecimento de ninguém?

Monet espremeu os olhos.

— Poderia — disse —, mas não o faria.

Comecei a dizer alguma coisa, porém ele me interrompeu com mais do que uma pitada de exasperação:

— Escute, meu filhote, já falamos disso. Apenas seja paciente. Você precisa dar mais tempo ao Loran para esfriar a cabeça. Faz apenas um período, mais ou menos...

— Faz meio ano!

Ele abanou a cabeça.

— Só lhe parece ser muito tempo porque você é jovem. Acredite, é uma coisa recente na cabeça do Loran. É só você passar mais um ou dois períodos impressionando o Kelvin e depois pedir que ele interceda a seu favor. Confie em mim. Vai funcionar.

Assumi minha melhor expressão de cachorro escorraçado.

— Você bem que poderia só...

Monet abanou a cabeça com firmeza.

— Não. Não. Não. Não vou lhe mostrar. Não lhe direi. Não lhe desenharei um mapa — disse.

Depois abrandou a expressão e pôs uma das mãos em meu ombro, obviamente procurando tirar um pouco da contundência de sua recusa categórica:

— Ora, por Ardonai, por que toda essa pressa? Você é jovem, tem todo o tempo do mundo — e me apontou um dedo —, mas, se for expulso, será para sempre. E é o que vai acontecer, se for apanhado entrando às escondidas no Arquivo.

Deixei os ombros arriarem, arrasado.

— Acho que você tem razão.

— Isso mesmo, tenho razão — ratificou Monet, virando-se para examinar o forno. — Agora vá cuidar da vida. Você está me dando uma úlcera.

Afastei-me pensando furiosamente no conselho de Monet e no que ele deixara escapar em nossa conversa. Em geral, eu sabia que seu conselho era bom. Se eu me comportasse bem por um ou dois períodos letivos, ganharia acesso ao Arquivo. Esse era o caminho simples e seguro para o que eu desejava.

Infelizmente eu não podia bancar essa paciência. Estava dolorosamente consciente de que aquele período seria o último, a menos que eu conseguisse descobrir um modo de ganhar muito dinheiro em pouquíssimo tempo.

Não. A paciência não era uma alternativa a meu dispor.

Na saída, dei uma espiada no gabinete de Kelvin e o vi sentado diante de sua bancada acendendo e apagando displicentemente minha lamparina. Voltara a assumir aquela expressão distraída, e não tive dúvida de que a vasta máquina que era seu cérebro estava ocupada em pensar em meia dúzia de coisas ao mesmo tempo.

Bati na ombreira da porta para chamar sua atenção.

— Mestre Kelvin?

Ele não se virou para mim.

— Sim?

— Posso comprar a lamparina? Eu poderia usá-la para ler à noite. Neste momento continuo a gastar dinheiro com velas.

Considerei por um instante a ideia de retorcer as mãos, mas decidi não fazê-lo. Melodramático demais.

Kelvin passou um bom momento pensando. A lamparina em sua mão clicou baixinho quando ele tornou a acendê-la.

— Você não pode comprar o que suas mãos construíram. O tempo e o material que o fizeram foram seus — disse, e me estendeu a lâmpada.

Entrei no gabinete para pegá-la, mas Kelvin puxou a mão e me encarou com ar sério.

— Devo deixar uma coisa clara. Você não pode vender nem emprestar isso. Nem mesmo a alguém da sua confiança. Se ela se perdesse, acabaria nas mãos erradas e seria usada em andanças furtivas no escuro fazendo coisas desonestas.

— Eu lhe dou minha palavra, Mestre Kelvin. Ninguém a usará senão eu.

Quando deixei a oficina, tomei o cuidado de ostentar uma expressão neutra, mas, por dentro, exibia um largo sorriso satisfeito. Monet me dissera exatamente o que eu precisava saber. Havia outro caminho para o Arquivo. Um caminho oculto. Se ele existia, eu saberia encontrá-lo.

Desculpe, Mestre, mas quem acabará usando a lamparina em andanças furtivas no escuro fazendo coisas desonestas serei eu mesmo.


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