Eu andava pelos corredores da escola sem uma direção específica. Minha cabeça estava tão cheia de pensamentos que não importava muito para onde meus pés me levavam. As vozes ao redor soavam como ruídos distantes, e, embora eu estivesse cercado por gente, me sentia incrivelmente isolado.
As conversas giravam em torno da viagem escolar que estava se aproximando, mas, para mim, essa era a última coisa com que me importava. O que mais martelava na minha cabeça eram os rumores e o concurso. Essas ideias me deixavam tonto, e cada vez que eu tentava afastá-las, elas voltavam ainda mais forte.
Enquanto andava, sem prestar atenção em nada, ouvi algumas risadinhas e cochichos no corredor à frente "Será que eles estão juntos?" dizia uma garota.
Minha cabeça começou a girar ainda mais forte. Tentei focar em outra coisa, qualquer coisa. Meus pés aceleraram, como se quisessem me afastar do que eu estava ouvindo, mas as palavras seguiam comigo. E então, mais risadas surgiram. Era como se tudo ao meu redor estivesse falando sobre isso, sobre eles.
Quando levantei a cabeça, vi Kazuki e Yuki caminhando juntos. Kazuki estava falando algo, provavelmente sobre a viagem escolar, enquanto Yuki parecia apenas ouvir, os olhos fixos no chão, completamente alheia ao ambiente.
— Ah, Shin! — A voz dele cortou meus pensamentos, enquanto ele acenava, sempre com aquele sorriso descontraído que parecia dizer que ele tinha tudo sob controle. Ele era irritantemente confiante.
— Oi, Kazuki, precisa de algo? — Forcei um sorriso, mas minhas palavras saíram automáticas, sem vida.
Yuki estava ali ao lado, mas seus olhos não se encontraram com os meus. De novo. O mesmo olhar distante de sempre. Algo estava errado, e eu sentia isso como uma pedra no estômago.
— Estamos cuidando das autorizações para a viagem escolar — Ele não parecia notar meu desconforto enquanto continuava. — Não se esqueça de pegar a sua amanhã e levar assinada, hein? Além disso, lembra de levar as coisas que pediram na lista. Vai ser uma viagem incrível!
Ele falava com tanta tranquilidade e facilidade, como se estivesse imune aos rumores que corriam pelos corredores. Como ele conseguia estar tão tranquilo? E por que Yuki ainda estava agindo de forma tão estranha? Era como se ela estivesse se afastando de tudo... e de mim, mesmo que não fôssemos tão próximos assim
Olhei em volta. Estudantes passavam por nós, alguns trocando olhares curiosos para Kazuki e Yuki. Eu podia ouvir cochichos ao fundo, provavelmente sobre eles. Aquilo me atingia como um soco no estômago. Mesmo assim, ele continuava com o seu jeito despreocupado, como se não houvesse qualquer problema.
Eu precisava saber a verdade. Precisava perguntar. Os rumores estavam me consumindo, e cada segundo em que não tinha respostas me deixava mais ansioso. Eu não aguentava mais ficar nesse limbo.
O pensamento deles juntos era como uma agulha me perfurando lentamente. Eu não conseguia afastar a imagem dos dois juntos, rindo, talvez até... não, eu precisava saber. Eu tinha que perguntar.
Minha garganta estava seca, o coração disparado, mas tentei reunir o mínimo de coragem que restava.
— Ei, Kazuki, eu... — chamei, hesitante.
Ele parou, virando-se para mim. Mas antes que eu pudesse continuar, duas garotas se aproximaram, chamando por ele.
— Kazuki! — uma delas disse, puxando-o pelo braço com insistência. — Vem comigo, preciso de você agora!
Meu coração afundou no mesmo instante. Elas o arrastavam, roubando sua atenção, enquanto eu ficava ali, sem reação. Eu estava tão perto de perguntar, mas agora... Kazuki olhou para elas por um segundo, depois virou o rosto de volta para mim, os olhos me encarando diretamente.
— O que foi, Shin? — ele perguntou, com um tom casual, mas com um toque de curiosidade. As garotas continuavam tentando puxá-lo, mas ele ficou ali, me encarando, esperando. — Você disse alguma coisa?
Minhas mãos começaram a tremer, e as palavras se recusavam a sair. Era um simples rumor. Era só uma pergunta. Mas... e se fosse verdade? O que eu faria? A verdade parecia tão próxima, mas, ao mesmo tempo, inalcançável.
Meus olhos foram de Kazuki para Yuki, que continuava ao lado, olhando para o chão como se nada daquilo estivesse acontecendo. Ela estava sempre tão distante. Por que ela não negava os rumores? Por que não dizia nada? Esse silêncio só tornava tudo mais real na minha cabeça, mais sufocante.
As palavras morreram na minha garganta.
— N-nada. Não é nada de mais.
Kazuki me observou por mais um momento, como se esperasse que eu dissesse algo importante. Mas eu simplesmente... não consegui. Ele deu de ombros, talvez frustrado, talvez aliviado. Não sabia dizer.
— Ah, tudo bem então. Não se esqueça da autorização e da lista! — Ele acenou com a cabeça, e, em segundos, ele e Yuki estavam andando novamente, desaparecendo pelo corredor, com as duas garotas ao lado dele.
Eu queria perguntar, queria saber a verdade... mas mesmo com a oportunidade bem na minha frente, falhei. Era algo tão simples. Apenas uma pergunta. Só isso. Mas... não consegui. O vazio no meu peito crescia enquanto eu ficava ali, imóvel, olhando para onde eles haviam desaparecido. A oportunidade passou, e, mais uma vez, eu me deixei afundar na dúvida.
Soltei um longo suspiro, sentindo o peso da frustração se arrastar sobre mim. Era como se uma parte de mim tivesse desistido antes mesmo de tentar.
Meus pés seguiram automaticamente pelos corredores da escola, mas minha mente continuava presa naquela cena, naquele "e se".
O som abafado das risadas e conversas dos alunos ao meu redor parecia distante, como um ruído de fundo que não conseguia quebrar o redemoinho de pensamentos que rodava dentro de mim. A sensação de isolamento crescia, como se eu estivesse sozinho no meio da multidão.
Quando finalmente chegou a hora de ir até ao clube, o contraste era quase sufocante. O ambiente ali era o de sempre: leve e descontraído, em completa oposição ao que eu sentia naquele momento.
Takumi falava com entusiasmo sobre um novo livro que estava lendo para Kaori, que comia doces enquanto ouvia ele falar. Mai e Rintarou discutiam juntos teorias sobre o final de uma série, e Taro... bem, Taro dormia, como sempre.
Em um dado momento, Takumi parou de conversar e virou-se para mim.
— Falando nisso, Shin, como vai a escrita? Tá dando tudo certo? — perguntou Takumi, inclinando-se na cadeira, com um leve interesse no olhar.
Eu travei por um segundo. Minha escrita estava um desastre. Cada vez que tentava colocar alguma ideia no papel, era como se as palavras escorressem pelos meus dedos como areia. Estava tudo uma bagunça. Mas eu não queria que eles soubessem disso. Não queria que ninguém soubesse.
Eu não podia dizer para eles que o motivo de eu não conseguir mais escrever, era por conta de apenas rumores. Então decidi contar uma mentira.
— Ah, tá indo bem, muito bem mesmo! — Forcei um sorriso, tentando soar convincente.
Eles assentiram, sem suspeitar. Mas, quando olhei para Kaori, ela estava me observando de maneira diferente. Seus olhos não diziam nada, mas ao mesmo tempo, diziam tudo. Ela sabia. Sabia que eu estava mentindo. Mas, em vez de me pressionar, apenas sorriu de leve e desviou o olhar.
Ela sabia quando falar e quando deixar o silêncio falar por si.
Por um segundo, senti um pequeno alívio. Pelo menos ela não forçaria nada agora. Talvez eu ainda tivesse tempo de colocar meus pensamentos em ordem.
Mais tarde, no trabalho da biblioteca, Arata estava em seu estado habitual: animado e fazendo piadas. Era bom vê-lo assim, especialmente depois dos últimos acontecimentos envolvendo Ryuuji. Ele parecia mais leve agora, como se aquele peso tivesse sido completamente afastado dele.
Enquanto organizávamos os livros, houve uma pequena pausa, e eu me afastei para procurar alguns exemplares nas estantes mais distantes. Eu precisava de um pouco de tempo para pensar.
Enquanto andava entre as prateleiras, meus olhos caíram sobre um título um tanto quanto peculiar: "Como Entender as Mulheres" .
Peguei o livro, meio incrédulo, mas não pude evitar. Yuki estava me deixando completamente confuso. Eu não conseguia entender suas reações, sua distância... nada fazia sentido.
Se ela estivesse realmente com Kazuki, que motivo ela teria em se comportar daquele jeito? Não fazia sentido nenhum.
Estava tão imerso em meus pensamentos que nem percebi Arata chegando por trás de mim.
— O que tá aprontando aí? — Sua voz me assustou, e eu quase deixei o livro cair.
— N-nada! — Respondi rapidamente, tentando esconder o livro.
Ele espiou por cima do meu ombro, olhou para a capa do livro e começou a rir.
— Ah, já entendi...
— Hm? Entendeu o quê?
— Então você já tá nessa fase, hein? — Ele me deu uma leve cotovelada. — Mas, cara, eu vou te dizer... esse livro aí não vai ajudar. Eu já li e não serviu de nada, só serviu para me deixar mais confuso ainda.
Eu o encarei, confuso.
— Você leu mesmo?
— Claro que li! — Ele riu. — Tinha uma garota que eu gostava quando estava na escola. Mas ela era muito complicada, eu até tentei entender o que passava na cabeça dela lendo esse livro. Mas, cara... mulheres são um mistério. Esse livro só serviu pra me deixar ainda mais perdido.
Ele deu um suspiro, como se ainda carregasse um pouco do peso daquela lembrança.
— E o que você fez, então? — Perguntei, curioso.
— Nada.
— Hã? Como assim nada?
Ele deu de ombros. — Deixei as coisas seguirem seu curso. No final, tudo se resolveu sozinho. — Ele falou com aquele tom de quem já passou por muita coisa e estava compartilhando o segredo da vida.
Eu franzi a testa. Não fazer nada? Isso não parecia um grande conselho.
— Mas... se eu não fizer nada, como vou descobrir o que tá acontecendo? — Perguntei.
Arata suspirou e cruzou os braços.
— Olha, Shin. Tem coisas que não dá pra forçar. Se você ficar tentando entender tudo o que se passa na cabeça de uma garota, vai acabar ficando louco. Ah, mas eu não tô dizendo pra você ficar parado pra sempre! Mas, por enquanto, é melhor não forçar nada. Só... deixe o tempo passar.
Eu não estava totalmente convencido, mas não dava para ignorar que ele tinha experiência. Talvez ele estivesse certo. Talvez fosse melhor deixar as coisas acontecerem no seu tempo e naturalmente.
— Só não fica preso demais nisso — ele continuou, sério agora. — Senão você vai acabar se perdendo.
Eu acenei, pensativo, mas não sabia se conseguiria seguir esse conselho. Minha mente ainda estava cheia de dúvidas, mas talvez ele estivesse certo. Talvez o melhor fosse deixar tudo como está... pelo menos por agora.
— Agora, vamos voltar ao trabalho! — Ele disse com uma risada.
Com isso em mente, voltei às minhas tarefas, tentando afastar os pensamentos sobre os rumores. A viagem escolar estava se aproximando, e, com ela, novas oportunidades de entender melhor o que estava acontecendo.
Mas, por agora, eu deixaria o silêncio falar.
O som leve da minha mãe batendo na porta do quarto me tirou de um sono agitado. Não era exatamente o tipo de sono que descansava, mais como um estado em que minha mente rodava, remoendo os mesmos pensamentos de sempre. Eu me sentei na cama, esfregando os olhos enquanto ouvia a voz dela.
— Shin, já está quase na hora de você ir. Não se esqueça de levar tudo! — Ela me lembrou, sempre atenta aos detalhes, como as mães costumam ser.
Suspirei, olhando para a mochila no canto do quarto. Estava aberta, e metade das coisas ainda estava espalhada pelo chão. Eu não tinha terminado de arrumar.
Levantei devagar, me arrastando até a mochila e começando a jogar as roupas lá dentro sem muito cuidado. Minha mente continuava longe, presa nos pensamentos sobre a viagem e... outras coisas.
Enquanto eu terminava de colocar as últimas roupas na mochila, Hana abriu a porta do meu quarto. Ela entrou no quarto com um sorriso curioso, pulando para a beira da cama como costumava fazer
— Shin, você vai trazer algo legal de Kyoto pra mim? — Ela perguntou, com os olhos brilhando de expectativa.
Eu sorri, mesmo com o peso dos pensamentos me apertando o peito.
— Claro que vou, Hana. O que você quer? — perguntei, tentando parecer animado.
— Algo doce! Ou... ou um boneco bem fofo! Ou então um... — Ela continuou, empolgada, balançando as pernas enquanto me olhava.
Afaguei o topo da cabeça dela, bagunçando seus cabelos.
— Pode deixar, vou trazer o melhor presente, tá bom?
Enquanto ajustava a alça da mochila, ouvi passos leves se aproximando. Minha mãe apareceu na porta do quarto com um sorriso suave, aquele típico sorriso de mãe que misturava cuidado e orgulho.
— Já está pronto? — perguntou ela, seus olhos analisando o quarto e certificando-se de que eu não tinha esquecido nada importante.
— Sim, acho que sim. — Respondi, jogando a mochila sobre os ombros.
Ela se aproximou e ajeitou o casaco que eu estava vestindo, seus olhos, normalmente tranquilos, refletiam uma leve preocupação, embora ela tentasse esconder.
— Vai se cuidar, tá? E se divirta bastante. — Sua voz era suave, mas cheia de carinho. — E não se esqueça de ligar quando chegar. Quero saber como foi a viagem.
Eu sorri, tentando tranquilizá-la.
— Pode deixar, mãe. Vou ligar assim que chegar.
Ela deu um leve suspiro, como se ainda quisesse me dizer algo, mas apenas sorriu de novo, dessa vez com mais ternura. Antes de eu sair, me puxou para um abraço rápido, daqueles que transmitem mais do que qualquer palavra poderia dizer.
— Aproveite a viagem, Shin. — Ela disse baixinho enquanto me soltava.
Com um último olhar de despedida, saí de casa logo depois.
Quando fechei a porta atrás de mim, senti o ar fresco da manhã me envolver, e, como esperado, Kaori já estava do lado de fora, me esperando com o sorriso animado de sempre.
— Até que enfim, hein? Eu tava achando que você ia perder o ônibus! — Ela disse, cruzando os braços de brincadeira.
Eu dei um sorriso cansado, me aproximando.
— Demorei um pouco pra terminar de arrumar as coisas. — Respondi, sem muita empolgação.
Ela me olhou com atenção por um segundo, como se soubesse que havia algo mais por trás da minha demora. Mas, em vez de pressionar, apenas deu um leve tapa nas minhas costas.
— Relaxa, Shin! Essa viagem vai ser incrível. A gente vai esquecer todos os problemas por alguns dias. — Ela piscou para mim. — Bem, se o Kazuki não aparecer, claro!
Ri com a piada, mas ela sabia que, mesmo com aquela brincadeira, meus pensamentos estavam longe de serem leves.
— Falando nisso, onde estão Seiji e o Rintarou? Achei que eles iam esperar aqui...
— Ah, eles tiveram que ir ajudar Akira com a mala dele, aparentemente, ele vai levar uma mala gigante!
— Entendi, típico dele... — respondi dando uma leve risada.
Nós dois seguimos em direção à escola, e durante o caminho, Kaori tentou puxar conversa sobre as coisas que ela estava animada para fazer em Kyoto. Eu a ouvia, mas minha mente ainda estava em outro lugar.
Chegando à escola, a atmosfera já era outra. Os alunos estavam agitados, carregando mochilas e malas enquanto conversavam animadamente. Havia uma energia no ar que era difícil ignorar, mesmo com tudo o que passava pela minha cabeça.
Logo encontramos Seiji, Rintarou, outros estudantes e o restante do clube, todos com expressões animadas, prontos para a viagem. A expectativa no ar era quase palpável, especialmente para Seiji, que já estava fazendo piadas sobre o que pretendia fazer assim que chegássemos a Kyoto.
— Eu já tô sonhando com o ramen! — Seiji disse, esfregando as mãos com um brilho de empolgação no olhar. — Kyoto é famoso por isso, né? Vou comer uns três de uma vez!
— Três? — Akira riu, colocando a mão no ombro de Seiji. — Cara, com a sua fome, isso aí é só o lanche.
Takeshi suspirou.
— Você só pensa em comida, Seiji. Será que vai conseguir aproveitar a viagem além de comer?
— Claro que sim! — Seiji retrucou, rindo como se isso fosse óbvio. — Mas, cara, a comida vem primeiro! Prioridades, entendeu?
— É, você só não vai conseguir fazer as atividades se estiver tão pesado depois de comer tudo isso! — Akira provocou, cruzando os braços com um sorriso malicioso. — Imagina só você no meio de um templo, sem conseguir andar porque comeu demais.
— Ah, não exagera! Eu vou caminhar tranquilo... entre uma tigela e outra, claro. — Seiji deu uma risada, sem perder o bom humor.
Enquanto eles continuavam a discutir sobre a quantidade de comida que Seiji poderia consumir em Kyoto, Sora se aproximou, com seu jeito tímido, mas sempre curioso.
— Vocês acham que lá tem alguma sobremesa famosa? — Ela perguntou, os olhos brilhando. — Eu ouvi dizer que o matcha de Kyoto é o melhor do Japão... talvez eles tenham doces com isso. Adoro matcha!
— Matcha, hein? — Akira balançou a cabeça com uma expressão pensativa. — Tá aí uma coisa que eu gostaria de provar. Mas, Sora, você pensa em mais alguma coisa além de sobremesa? — Ele perguntou, rindo.
Sora ficou vermelha, mas respondeu com firmeza.
— Não é só sobremesa! É cultura também! A culinária diz muito sobre a história de um lugar, sabia? — Ela explicou, com as mãos gesticulando para enfatizar suas palavras.
— Viu só? — Seiji entrou na conversa, com um sorriso presunçoso. — A Sora me entende. A comida é parte da experiência cultural, Akira. Então, basicamente, comer três tigelas de ramen é o mesmo que... fazer um tour histórico. — Ele disse, balançando a cabeça como se tivesse acabado de fazer uma grande revelação.
Todos riram, mas Kaori bateu de leve nas costas de Seiji.
— Tá vendo? Pelo menos alguém pensa como você! — Ela riu junto. — Mas, pessoal, Kyoto não é só comida, né? A gente tem que explorar os templos, as ruas antigas... ah, eu mal posso esperar pra tirar várias fotos! Vai ser lindo!
— Isso se o Seiji não comer tudo antes de a gente conseguir ver os templos... — Akira murmurou, arrancando mais risadas do grupo.
Eu ri junto com eles, mesmo que por dentro ainda estivesse distante.
Logo o ônibus chegou, e os professores começaram a organizar os alunos para a partida. Kaori, que estava perto de mim, se virou para mim com um sorriso travesso.
— Quem será que vai sentar do seu lado, hein? Vai que... é a Yuki? — Ela deu uma risadinha e cutucava meu braço.
Dei de ombros, tentando não demonstrar a tensão que aquilo me causava.
— Tanto faz... — Respondi, mas ela percebeu.
Enquanto subíamos no ônibus, vi que acabamos nos separando. Kaori sentou-se na minha frente com Seiji, e eu acabei ao lado de Rintarou. A viagem começou, e, aos poucos, o ambiente dentro do ônibus foi ficando mais leve. Seiji e Kaori, Akira e outros da turma, já estavam falando alto sobre o que pretendiam fazer na viagem, e suas vozes, junto com as risadas dos outros alunos, preenchiam o ar.
Mas eu estava quieto, olhando pela janela, observando a paisagem que passava rápido. Era como se o movimento das árvores e dos prédios lá fora combinasse com a agitação que eu sentia por dentro.
De repente, Rintarou interrompeu meu silêncio.
— Você parece inquieto, Shin — ele disse, olhando para mim. — Está tudo bem?
Eu me virei para ele, tentando pensar em algo para dizer que não fosse a verdade.
— Só... tô pensando no que fazer em Kyoto. — Respondi, dando um leve sorriso.
Ele me olhou por alguns segundos, até se virar.
— Entendi... essa viagem é uma boa oportunidade para você descansar. Talvez isso ajude a clarear as ideias.
Eu sabia que ele estava certo, mas não conseguia me livrar da tensão que eu sentia ultimamente.
Então olhei para o fundo do ônibus, e lá estavam Kazuki e Yuki. Kazuki, como sempre, parecia à vontade, rindo e conversando com os amigos. Mas Yuki... ela continuava distante. O olhar dela estava preso em algum lugar fora da janela, como se estivesse em outro mundo.
Aquilo me incomodava profundamente. Ela não era assim.
Enquanto eu tentava lidar com a confusão na minha cabeça, Kaori, que estava à minha frente, surgiu por cima do banco com aquele sorriso travesso de sempre.
— Ei, vamos animar as coisas aqui! — ela disse, com um brilho de empolgação nos olhos. — Que tal cantarmos algo? Quem sabe uma música super brega de karaokê pra descontrair?
Seiji foi o primeiro a morder a isca, como sempre.
— Isso! — exclamou, com uma risada. — Uma música que ninguém conhece, só pra ver quem canta pior! Aposto que eu ganho fácil! — Ele piscou para nós, confiante como sempre.
Akira, que estava logo atrás, se inclinou para frente com um sorriso malicioso.
— Eu acho que vai ser difícil superar a voz do Seiji, mas posso tentar competir. Quem sabe não descubro meu talento escondido pra canto e me torno um ídolo do J-pop? — Ele piscou, arrancando risadas de todos ao redor.
Antes que alguém pudesse falar algo, Yumi, que estava duas fileiras à frente, se levantou com uma expressão exageradamente séria.
— Se é karaokê, então eu vou participar! — disse ela, dramaticamente, já se preparando para soltar a voz. — Eu desafio qualquer um a me vencer! Quem vai ser o corajoso?
O ônibus explodiu em risadas, mas antes que qualquer um pudesse se manifestar, Aiko, que estava no fundo, saltou de seu assento com os olhos brilhando de competitividade.
— Ah, agora sim! Isso não vai ser só uma competição de quem canta pior — ela anunciou, com o dedo em riste. — Vai ser uma verdadeira batalha de talento! Quem ganhar, escolhe o próximo desafio da viagem! — Ela estava totalmente dentro da brincadeira, como sempre.
Eu ri, tentando relaxar e me deixar levar pelo momento. A confusão na minha cabeça ainda estava lá, mas, pelo menos por alguns minutos, aquela energia leve e descontraída do grupo me fez esquecer um pouco dos meus problemas.
Seiji logo se virou para Kaori.
— E aí, Kaori? Qual vai ser a primeira música? Só não escolhe algo muito difícil, porque minha voz não tá no melhor momento — disse ele, já rindo de si mesmo.
Kaori, sempre animada, começou a navegar pelo seu celular em busca de uma música enquanto ria da situação.
— Que tal essa? — Ela mostrou a tela para Yumi, que arregalou os olhos.
— Ah, essa é clássica! Mas ninguém vai conseguir fazer melhor do que eu, desculpa, gente — disse Yumi, convencida, já se aquecendo como se estivesse prestes a se apresentar em um palco.
O desafio estava lançado. Yumi começou a cantar, com sua voz fina, mas surpreendentemente afinada. Ela claramente sabia o que estava fazendo, e todos ao redor começaram a aplaudir e rir, acompanhando o ritmo da música com palmas e gritos de incentivo.
Akira, que não se deixava intimidar por nada, começou a cantar também, mas de um jeito totalmente descompassado de propósito, só para arrancar mais risadas. Ele gesticulava exageradamente, como se estivesse em um palco de verdade, e todos no ônibus estavam se dobrando de rir.
— Minha vez agora! — gritou Aiko, empolgada, pegando o microfone improvisado de Seiji. Ela começou a cantar com toda a seriedade do mundo, mas sua voz estava completamente fora do tom, o que fez o ônibus inteiro explodir em gargalhadas.
Akira, sempre com piadas na ponta da língua, balançou a cabeça.
— Aiko, eu odeio te dizer isso, mas... a música acabou de morrer, e foi sua culpa — brincou ele, fazendo mais pessoas rirem.
Kaori, vendo toda aquela bagunça, decidiu entrar na brincadeira também. Ela pegou o celular e começou a cantar uma música super animada e brega, com tanta energia que contagiou todo o ônibus.
— Todo mundo, agora! — gritou ela, e logo todos estavam cantando juntos, batendo palmas e rindo. Até quem estava relutante no início, como Mai, acabou se rendendo e cantou, mesmo que só murmurando as palavras.
O clima no ônibus estava leve e cheio de alegria. Olhei ao redor, e por um momento, a tensão que eu vinha carregando parecia mais distante. Ver todos tão animados, rindo e se divertindo, me fez perceber que talvez, só talvez, eu estivesse levando algumas coisas mais a sério do que deveria.
O trajeto continuou até que o professor se levantou e pegou o microfone do ônibus, pedindo a atenção de todos.
— Certo, pessoal, estamos chegando a Kyoto! — Ele disse, sorrindo. — Quando desembarcarmos, quero que todos fiquem juntos e sigam as instruções, ok? Nada de se perder por aí. Vamos deixar as malas no hotel e depois exploraremos um pouco a cidade.
Os alunos responderam com animação, e eu senti uma pontada de ansiedade se misturar à empolgação.
Assim que o ônibus parou e todos começaram a descer, os professores continuaram a passar as instruções enquanto nós seguíamos para o hotel.
A cidade de Kyoto, com suas ruas antigas e templos à distância, parecia vibrar com uma energia diferente, como se fosse um lugar entre o antigo e o moderno, o passado e o presente.
Chegando ao hotel, os alunos foram divididos em grupos para os quartos, e Kazuki, sendo o representante da turma, já estava organizando tudo.
Ele parecia no controle de tudo, como sempre.
Quando ele terminou de falar, vi minha oportunidade de ouro. Tentei me aproximar dele, pensando que, dessa vez, teria a coragem de perguntar sobre os rumores.
— Kazuki, eu preciso saber se... — chamei, reunindo a coragem.
Ele olhou para mim, curioso, mas antes que eu pudesse continuar, ele foi chamado por alguns garotos, e se afastou antes que eu pudesse terminar minha frase.
Fiquei parado ali, vendo-os desaparecer pelo corredor. A oportunidade havia escapado, mais uma vez. Da mesma forma.
Kaori, que estava passando pelo corredor, enquanto comia algo, se aproximou de mim.
— Hmm, você precisa resolver isso logo. Ficar preso nesses pensamentos vai te matar aos poucos. — Ela disse, séria, mas com aquele toque de gentileza que só ela tinha. — Se quiser, eu posso arranjar uma conversa tranquila com o Kazuki, sem interrupções. O que acha?
Eu hesitei, sem saber se queria mesmo ouvir as respostas. Mas agradeci.
— Eu vou... pensar nisso. — Respondi, sem muita certeza.
Mais tarde, depois de explorarmos um pouco da cidade e jantar, eu me vi incapaz de dormir. Seiji e Rintarou já estavam em suas camas, cansados pela viagem, mas eu não conseguia relaxar.
Saí do quarto, escondido, e encontrei uma pequena varanda no final do corredor. De lá, dava para ver as luzes de Kyoto brilhando ao longe. A vista era bonita, mas minha mente estava em outro lugar.
Eu sabia que precisava tomar uma decisão. Não podia continuar assim, com essas dúvidas me consumindo. Mas a ideia de enfrentar a verdade me deixava apavorado.
Enquanto eu pensava, senti uma presença familiar ao meu lado. Kaori, mais uma vez, apareceu do nada, silenciosa, mas com aquele brilho travesso nos olhos. Ela se encostou na grade da varanda ao meu lado, olhando para as luzes da cidade, mas seu olhar parecia distante por um breve momento.
— Então... você também... ficou com fome? — Ela começou, com um sorriso leve.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Não, o jantar foi o suficiente pra mim — respondi com um pequeno sorriso, mas logo minha voz foi ficando mais baixa. — Só vim aqui para pensar um pouco.
Kaori me olhou de lado, com aquele olhar que parecia saber mais do que ela deixava transparecer.
— Pensar, hein? — Ela suspirou, inclinando a cabeça. — Isso costuma dar dor de cabeça, sabia? Devia estar relaxando... Ou melhor, dormindo. Amanhã é um longo dia!
Eu sorri de leve, mas a tensão ainda estava lá, presa no fundo do peito. Kaori ficou em silêncio por um momento, deixando o vento frio da noite envolver o espaço entre nós.
— Mas sério, Shin... — Ela finalmente disse, agora mais suave, mas ainda mantendo o tom leve. — Eu já te disse isso, mas você sabe que vai ter que resolver isso logo, né? — A voz dela ainda era gentil, mas havia uma seriedade nova ali. — Não dá pra continuar assim, com esses olhares de cachorrinho perdido. Vai acabar ficando com olheiras enormes. Não vou deixar você virar um panda!
Eu ri de novo, dessa vez um pouco mais genuíno.
— Um panda? Tá exagerando.
— Não estou, não! — Ela brincou, erguendo as mãos em rendição, mas logo mudou o tom. — Mas seja o que for, estou aqui pra te ajudar, tá? Não precisa enfrentar tudo sozinho.
Fiquei em silêncio, absorvendo as palavras dela. Eu me senti grato, mesmo sem saber como expressar isso.
— Obrigado, Kaori. — Eu murmurei, olhando para as luzes de Kyoto novamente. — Eu só... não sei como começar, sabe?
Ela balançou a cabeça, rindo de leve.
— Começar é sempre a parte mais difícil, né? Mas você é bom nisso, Shin. Lembra daquela vez no clube quando achou que não ia conseguir escrever nada? E olha onde chegou. Você só precisa dar o primeiro passo. O resto... a gente dá um jeito juntos.
Ela tocou de leve no meu braço, um gesto rápido, mas que transmitia um conforto genuíno.
— Mas olha, se você não der jeito nisso, juro que vou te arrastar até o Kazuki e forçar você a perguntar tudo na frente de todo mundo! — Ela piscou, rindo.
Eu me virei para ela, fingindo estar horrorizado.
— Você não teria coragem...
Ela cruzou os braços e me olhou com aquele brilho travesso.
— Ah, quer apostar? Eu faço de tudo pra ver você resolver isso, Shin.
Ela estava brincando, mas eu sabia que havia verdade em suas palavras.
— Tá bom, eu prometo que vou resolver isso. — Respondi, suspirando. — Mas sem drama público, por favor.
Ela deu de ombros.
— Eu preferia o drama. Mas, tudo bem, vou pegar leve com você dessa vez.
O silêncio voltou por um instante, mas, dessa vez, não era desconfortável. Kaori se virou para as luzes da cidade, como se estivesse refletindo sobre algo, e eu me permiti um momento para simplesmente apreciar sua presença ao meu lado.
— Olha, não importa o que aconteça — ela começou, a voz suave, mas firme — você vai ficar bem. Mesmo se as respostas forem difíceis... ou confusas. — Ela me olhou novamente, séria por um instante, mas logo sorriu. — Mas, pra não deixar tudo muito sério... você ainda me deve um karaokê super brega. Não vou esquecer disso!
— Tá bom, eu pago o mico do karaokê, pode deixar. — Prometi, sentindo uma pequena onda de alívio.
Ela sorriu, satisfeita.
— Isso aí! Agora sim você tá pensando direito!
Com isso, ela se afastou da grade da varanda e se alongou.
— Agora, volta pro quarto, antes que eu tenha que te carregar. Sério, amanhã vai ser um dia cheio, e eu não quero ver sua cara de zumbi logo cedo.
— Vou, vou... e você também, não vai querer perder as primeiras aventuras.
Ela riu, se despedindo com uma piscadela antes de desaparecer pelo corredor.
Fiquei ali por mais alguns segundos, pensando nas palavras que ela tinha dito. Com isso em mente, voltei para o meu quarto, e então, decidi que, quando a oportunidade surgisse, eu finalmente iria confrontar Kazuki.
Era hora de encarar a verdade.
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