Então, Eno procurou por ferimentos em Tessala e algo que pudesse estancar o sangue que escorria continuamente próximo ao seu pescoço. Não encontrando nada, decidiu rasgar um pedaço da sua camisa e fez uma amarração que mal poderia ser chamada de curativo, mas ao menos conseguia estancar o sangue de Tessala.
Enquanto isso, Tessala sentia que poderia estar vivendo seu fim, pois sabia que estava longe da civilização e que o ponto mais próximo para encontrar socorro seria a vários dias de caminhada, algo que provavelmente ela não aguentaria fazer.
— Jovem teimoso, eu tenho uma proposta para te fazer.
— É sério que você quer casar comigo numa hora dessas? — brincou Eno.
Tessala não gostou, mas decidiu guardar energias para sobreviver o máximo que pudesse.
— Não seja estúpido, garoto. Quem é que gostaria de casar com você? A proposta que eu tenho é para a sua sobrevivência. Peço que me abandone aqui e tente sobreviver sozinho.
— Uma gata como você? Eu não vou te largar sozinha nessa floresta. Aqui pode haver um montão de bichos desconhecidos. Negativo, eu vou ficar com você até o fim.
— Garoto, eu acho melhor você tentar sobreviver sozinho. Eu só serei um empecilho para você. A mordida desse bicho me enfraqueceu bastante, estou perdendo cada vez mais sangue.
— Não se preocupa, garota boba. Isso não é um bicho que tem toxinas ou veneno como uma cobra ou escorpião. É somente um lobo, e quanto ao sangue que você acha que está perdendo, eu fiz um curativo. Garanto que não é o melhor, mas é o único que eu consegui fazer. Logo, você não vai morrer por essas coisinhas à toa.
— Obrigado, mas agora saia daqui e me deixe sozinha.
— Nossa, garota, como você é teimosa. Mas tá bom, se é isso o que quer, fique aí sozinha então. Espere. Parece que eu escutei alguns lobos vindo.
De repente, Tessala mudou de ideia e, demonstrando medo, pediu:
— Pensando bem, jovem, é melhor que você não se vá. A sua chance de sobreviver sozinho pode não ser muito maior do que se você ficar comigo. Afinal, você não tem nenhum superpoder mesmo.
— Puxa! Muito obrigado, garota, pela gentileza de me lembrar disso. Mas, de toda forma, eu iria ficar mesmo. Afinal, quem vai cuidar de você, lhe dar comidinha e te proteger desses lobos maus?
Tessala sabia que aquilo era pura balela, mas ainda assim sorriu fingindo acreditar e desmaiou logo em seguida.
Repentinamente, Eno sentiu algo dentro do bolso de sua calça vibrar. Instintivamente, colocou a mão e encontrou os óculos visor. Achando que tinha encontrado um sinal para se localizar melhor naquela floresta, colocou-os imediatamente no rosto. E, para sua surpresa, assim que os colocou, letras, números e instruções eram passadas de forma rápida.
— Meu caro, boa sorte. Vamos devagar. Desse jeito, como é que eu vou ler? Já está até me dando dor de cabeça, está muito rápido.
— Não se preocupe, eu irei passar instruções para você.
— Você fala? — assustou-se Eno.
— Pegue sua lança e finque-a no chão a exatos 3 metros de distância de Tessala.
Eno ficou sem entender o que significava aquela instrução, e a voz repetiu novamente:
— Pegue sua lança e finque-a no chão a exatos 3 metros de Tessala.
Mesmo sem entender o motivo, ele decidiu obedecer.
— Como vou saber os três metros exatos?
Antes mesmo de terminar sua pergunta, os óculos Boa Sorte começaram a mostrar as medidas conforme Eno dava os passos.
— Use toda a força possível para cravar essa lança no chão.
A lança tinha um comprimento de aproximadamente 2,10 metros, dos quais ficaram para fora do chão 1 metro e 80.
— Agora, afaste-se, Eno! É o suficiente. Mas antes, encoste Tessala com as costas nas rochas atrás dela.
— Mais alguma coisa ou isso é tudo, Boa Sorte?
— Preciso que você segure a lança por pelo menos dois minutos.
Ainda sem entender nada, Eno apenas obedecia. E quando segurava a lança, via pequenas faíscas subindo e descendo por toda a sua circunferência.
— Pronto! Agora saia daí e de maneira alguma retorne a esse local.
— Mas o que é que você está fazendo exatamente, Boa Sorte?
— Você só precisa seguir minhas instruções exatamente da maneira que eu lhe falar. Só assim eu poderei manter você vivo nessa floresta selvagem.
— Mas eu não posso abandonar Tessala.
— Não se preocupe, Eno, você não vai abandoná-la. Todas as instruções que eu lhe dei são para a sua sobrevivência e a sobrevivência dela.
— E como eu posso protegê-la se eu sair daqui?
— Não se preocupe, aquilo que você acabou de fazer será o suficiente por enquanto. Mas você precisa caçar e fazer uma comida com ingredientes que eu irei lhe mostrar. Então, você vai dar para a jovem Tessala, e ela recuperará seu vigor e, juntos, vocês poderão continuar a viagem.
Eno decidiu acreditar no Boa Sorte e, agora, diante dos seus olhos, ele via toda a informação que precisava. Só precisava olhar para as pedras, gravetos, folhas; tudo em que ele olhava tinha informações.
— Eu estou ficando tonto com tanta letra passando na frente dos meus olhos conforme eu ando.
— Não se preocupe, logo você vai se acostumar com isso. Estou apenas identificando o material necessário para que você possa recuperar a saúde de Tessala.
Enquanto andava, Eno pensava em muitas coisas.
— Como você conhece Tessala?
— Eu estava no seu bolso, mas não estava desativado. Logo, escutei toda a conversa de vocês.
A resposta era plausível o suficiente para não levantar suspeitas.
— E como você sabe os ingredientes para fazer algo que irá recuperar a saúde dela?
— Fui programado para isso. Identificar todas as coisas com as quais tenho contato ou que estejam nas proximidades.
— E qual é o alcance dessas proximidades? — perguntou Eno, cada vez mais curioso.
— Por enquanto, apenas a 5 metros de distância ao meu redor. Mas quanto mais você me utilizar, maior será o meu alcance para detecção.
— Que legal! Isso me faz parecer que eu tenho algum superpoder, ainda que seja um óculos que funciona com todo mundo.
— Você está completamente enganado, Eno. Eu funciono somente com você, pois estou ligado ao seu sistema nervoso e apenas você me ouve e apenas você pode me operar.
— Uau! Desse jeito é muito mais incrível do que eu pensei.
— Infelizmente, no momento você não tem motivos para ficar feliz, Eno, porque há uma fera a menos de cinco metros do seu lado esquerdo, atrás da árvore, no chão.