LETTIE
Eu voava lado a lado com Piccolo sobre o vasto oceano.
Eram cerca de nove da manhã, e estávamos a caminho do local de encontro com os outros guerreiros na ilha a nove quilômetros da Capital do Sul, conforme o Trunks do futuro havia nos orientado. Adiante, Goku também voava, em silêncio. Já Gohan, estava tão ansioso que voava a metros de distância de nós.
Olhei de soslaio para Piccolo e meu coração afundou no peito. Profundas manchas escuras contornavam seus olhos, numa expressão de abatimento, tristeza e exaustão. Aposto que ele não conseguiu dormir nada depois da nossa conversa no dia anterior.
Quando ele foi buscar eu e Naíma mais cedo, não trocamos nem meia dúzia de palavras. Ainda bem que minha conversa com minha filha surtiu efeito e ela compreendeu que Piccolo não estava nada bem e ainda não era seguro chamá-lo de papai. Entretanto, ao deixarmos ela com Chi-chi minutos atrás, Naíma chorou baixinho quando Piccolo silenciosamente se despediu dela ao afagar seus cabelos negros. Assim como eu, ela estava preocupada com seu querido pai, mesmo sendo tão pequena.
Naquele momento, tudo o que desejei foi abraçá-lo e dizer que nós duas estávamos ali para acolhê-lo, mas achei melhor permanecer quieta. Piccolo ainda não estava pronto.
Para afastar meus pensamentos, perguntei ao meu irmão:
— Acha que podemos vencer nossos adversários?
— Não posso garantir nada antes de vê-los — respondeu Goku com um sorriso confiante. — Só lutando pra saber. E você, Piccolo, o que acha? — Ele então franziu o cenho. — Hã? Piccolo, você está bem?
Piccolo esboçava uma careta de desconforto.
— Ah… N-Não é nada. É só uma dor de cabeça. Já vai passar. — Ele tirou um pequeno odre do cinto e tomou um gole generoso do que quer que tinha ali.
— Piccolo — disse Goku —, se você achar a luta difícil, não se esforce. Se você morrer, as Esferas do Dragão já eram.
Piccolo apenas assentiu e ficou em silêncio. Tentei ao máximo ocultar minha aflição ao vê-lo naquele estado. Aposto que o seu Inimigo atormentava-o. Só de imaginar o que se passava na cabeça dele, um grande nó se formou na minha garganta.
Ainda bem que algo aconteceu para distrair aquela inconveniência: encontramos Kuririn no meio do caminho.
— Que surpresa, pessoal! — exclamou ele após nos cumprimentar. — Uau, Gohan! Como você cresceu!
Kuririn apenas externalizou o que todos nós pensávamos. Nosso pequeno Gohan já não era mais tão pequeno. Agora com nove anos, havia crescido muito durante nosso Treinamento e ficado bem mais forte. Mas uma coisa não mudou: seus longos cabelos negros, e, para complementar o visual, ele vestia um macacão de luta roxo com cinto vermelho, igualzinho ao do seu Mestre, Sr. Piccolo.
Logo, chegamos na ilha. Na verdade, era bem grande, rodeada por árvores e grama verde. Possuía um formato arredondado, com uma cidade moderna preenchendo toda sua extensão e, num canto, uma elevada formação rochosa com platôs em degraus subia até entrecortar as nuvens.
— Não gosto nem um pouco de toda essa gente morando aqui. — Observei o movimento populoso da cidade ao lado dos meus companheiros nos céus. — É muito perigoso.
— Se não levarmos os Androides assassinos para outro lugar, essas pessoas podem morrer na nossa luta — acrescentou Gohan.
Os outros concordaram, e então, sentimos a presença de dois Kis benignos na formação rochosa e fomos até lá. Quando pousamos num dos platôs, encontramos Yamcha, Tenshinhan e… Bulma segurando um bebê.
Como pelo visto apenas eu, Piccolo e Goku sabíamos que Trunks já estaria nascido naquela época, os outros membros do nosso grupo se mostraram muito surpresos com a presença daquele pequeno ser.
— Oh! — exclamou Gohan após cumprimentar Bulma. — Então você se casou com Yamcha e tiveram um filhinho?
Yamcha fechou a cara e cruzou os braços.
— Esse menino não é meu filho — alegou ele, sisudo, o que causou grande espanto aos outros. — Já faz tempo que eu e Bulma rompemos. Mas, ficarão bem surpresos quando descobrirem quem é o pai! — E Yamcha nos deu as costas, talvez ainda remoendo as mágoas do seu antigo relacionamento.
Antes que alguém tentasse adivinhar qualquer coisa, Goku foi até Bulma e, abrindo um sorrisão para o bebê, disse:
— Ah, eu já sei! Seu pai é o Vegeta, não é, Trunks?!
Uma sequência de arquejos seguiu-se à sua declaração, exceto de Piccolo e eu. Nós dois trocamos olhares nervosos, pois Goku outra vez não segurou sua língua e falou o que não deveria.
— Como você soube disso, Goku? — indagou Bulma. — Eu não contei a ninguém para que, quando vissem o bebê, tivessem uma surpresa. E você ainda acertou o nome dele!
— HAHAHAHAHAHAHA!!! — esganiçou Goku, rindo escandalosamente e olhando para mim e Piccolo de um jeito nervoso como se pedisse socorro. — F-F-Foi só uma suposição! Ora essa, acho que também adquiri a técnica de ler mentes, não acham?? HAHAHAHAHA!!!
Piccolo bufou do meu lado e bebeu mais um gole do seu odre. Decerto ele não estava com cabeça para as maluquices de Goku, por isso, achei por bem eu mesma ajudar meu irmão.
— Hahaha… — Fingi um riso ao me aproximar de Bulma. — Sabe por que Goku disse isso? É… É porque… — Fritei meu cérebro ao imaginar uma desculpa convincente. — É porque seu bebê é a cara do Vegeta!
No segundo seguinte que pronunciei aquelas palavras, aconteceu. O bebê Trunks olhou para mim e, nitidamente, enxerguei Vegeta nele.
Sim… A semelhança era inegável.
O tempo parou ao meu redor e, como um filme grotesco de terror, imagens da nossa luta contra os Saiyajins passaram pelos meus olhos, e vi nelas todas as atrocidades que Vegeta me fez passar e sofrer. Minhas incontáveis noites sozinhas com meus pesadelos e meu transtorno de estresse pós-traumático também me lembraram o quanto o "Príncipe dos Saiyajins" me afetou.
E agora, seu filho olhava direto para mim, com grandes olhos azuis repletos de curiosidade.
Mas era como se o próprio Vegeta também olhasse para mim.
Por um instante, por apenas um breve instante, uma onda de repulsa e aversão tomou conta de mim ao contemplar aquele bebê, filho de um dos homens que mais me causou mal na vida.
Contudo, outra coisa aconteceu: Trunks sorriu para mim. Um sorriso grande e banguela, com um gritinho esganiçado.
— Oh! — Bulma riu para o filho. — Acho que ele gostou de você, Lettie. Considere-se com sorte, porque esse aqui é rabugento com todo mundo.
Pela segunda vez, o tempo parou ao meu redor, mas não foi um filme de terror que vi, mas sim, o sorriso de Trunks.
Meu coração dilatou, e o mais puro sentimento me preencheu. Toda e qualquer repulsa e aversão que senti por ele se dissipou na hora.
— E-Eu posso? — Estendi as mãos na direção dele.
— Claro — respondeu Bulma. — Mas já vou avisando que ele é bem chatinho pra ficar no colo dos outros e–OH! Não acredito!
Trunks mal havia chegado em meus braços e já deitara a cabecinha em meu ombro, chupando o polegar numa postura relaxada e tranquila.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Como pude cogitar desprezá-lo?
Com delicadeza, trouxe sua cabeça até meus lábios e beijei o topo do chapeuzinho azul que usava, e sussurrei o mais disfarçadamente que pude:
— Me perdoe, Trunks.
Bulma ficou feliz da vida.
— Ora, mas vejam só! Lettie, se você não tivesse sua Escola, eu te ofereceria um emprego como babá dele. Aposto que Trunks adoraria!
Aquilo arrancou uma boa risada de todos, especialmente de Goku, que com certeza ficou aliviadíssimo por ser salvo de sua gafe. Enquanto eu aninhava Trunks no meu colo, olhei para Piccolo.
Ele me observava a uma distância. Seu rosto era uma mistura de alegria e tristeza. Com pesar, assumi que sua alegria veio pelo fato de eu vencer qualquer aversão pelo filho de Vegeta. Piccolo deve ter ouvido meu pedido de desculpas. Porém, em contrapartida, sua tristeza talvez veio pela visão de eu segurar um bebê nos braços, o que, pela expressão que exibia e a conversa que tivemos, o fazia lembrar dos nossos gêmeos.
— Por falar em Vegeta, onde está ele? — perguntou Piccolo ao desviar o olhar do meu, decerto tentando disfarçar seus sentimentos.
— Eu não faço a menor ideia — respondeu Bulma. — Ele não está o tempo todo comigo, mas acho que não deve demorar. Ele treinou muito para este dia.
— Ele vem! — alegou meu irmão, convicto. — Tenho certeza!
Um frio na barriga me acometeu com a ideia do aparecimento de Vegeta. Eu poderia ter me apegado ao seu filho, mas isso não significava que eu ainda me sentia confortável na sua presença. De qualquer modo, meus pensamentos foram interrompidos quando Tenshinhan informou que deixou Chaos nas montanhas, pois seu melhor amigo não estava preparado para aquela batalha, por isso ele não veio.
— Bulma, que horas são? — perguntou Gohan.
— Hmm, são nove e meia. — Ela consultou seu relógio de pulso. — Os Androides devem chegar em trinta minutos.
— É melhor você voltar para casa agora! — Meu irmão se aproximou dela. — Digo isso principalmente por causa do seu filho.
— Goku tem razão. — Me coloquei ao lado dele, ainda segurando Trunks, que brincava com meu uniforme. — Com todo respeito, Bulma, mas o que deu na sua cabeça de trazer um bebê para um possível campo de batalha?! É muito perigoso!
Os outros murmuraram em concordância. No entanto, Bulma abanou a mão em desdém e respondeu:
— Calma, eu só quero dar uma olhadinha nos Androides e logo vou embora!
Eu e Goku trocamos feições preocupadas, mas o que poderíamos fazer? Ela era a mãe. A decisão era sua. Porém, algo me dizia que ela infelizmente era o tipo de mulher que colocaria a vida do bebê em risco apenas para satisfazer suas curiosidades.
Após isso, não nos restava mais nada a não ser aguardar a chegada dos nossos adversários. Piccolo se isolou do grupo e foi observar a cidade movimentada na beirada do platô, o que me deixou angustiada, mas logo fiquei feliz ao ver Tenshinhan se aproximar dele e puxar assunto.
Quando Tenshinhan terminou de conversar e se afastou, fui até Piccolo.
— Olha só pra ele… — Sorri ao ajeitar Trunks no meu colo. — Não é a coisinha mais linda?
— O-O que disse? — Piccolo sacudiu a cabeça e me olhou com uma feição muito abatida. Com certeza nem me ouviu chegar.
— Estou falando do Trunks. — Sorri de novo, mostrando o bebê para ele, o qual agora mexia nos meus cabelos. — Não é fofo?
— É… — Piccolo assentiu de um modo cansado. — É, sim, muito fofo.
— Nem acredito que ele pode se tornar aquele poderoso guerreiro Saiyajin que matou Freeza.
— Pois é… — Piccolo evitava meu olhar.
— Hã… — Limpei a garganta. — Quer segurá-lo?
— Não. Na verdade, ele nem deveria estar aqui. Bulma é uma irresponsável.
— É… Serei obrigada a concordar. — Dei um meio sorriso sem graça e ficamos em silêncio. Trunks então chorou baixinho e deitei-o em meu peito. Deveria estar com sono. Ao balançá-lo devagar em meus braços, dando-lhe leves tapinhas, vi que Piccolo me observava e ousei perguntar: — No que está pensando?
Ele soltou um longo suspiro e, com um olhar de profunda melancolia, respondeu:
— Em como você é linda sendo mãe.
Dito isso, ele me deu as costas e caminhou até a outra ponta do platô para se isolar de novo, tomando mais um gole do seu odre no meio do caminho. Quanto a mim, restou assisti-lo se afastar cada vez mais, com meus olhos ardendo em lágrimas.
Passaram-se quarenta e cinco minutos, e os Androides não chegaram.
Trunks havia cochilado um pouco e o devolvi a Bulma. Agora, brincávamos de fazer caretas para ele. Gohan era o que mais se divertia e o bebê ria alto de suas caras e bocas. Pelo menos, nos distraímos um pouco do iminente perigo.
Piccolo, o qual continuava isolado, repentinamente alertou:
— Algo se aproxima! Mas, não é uma presença maligna.
Todos correram até ele.
— Acha que é Vegeta? — Gohan perguntou ao Kuririn.
— Bom, Vegeta É uma presença maligna, então, não — respondeu ele.
Uma parte de mim sentiu um grande alívio. Logo, avistamos um pontinho no céu aumentar de tamanho e revelar ser um modelo de carro voador ultra-moderno. Em pouco segundos, o carro pousou em nosso platô e, de dentro dele, um rapaz baixinho, muito gordo e com fartíssimos cabelos negros saiu dele.
— Ah! Vocês estão aqui! — exclamou ele. — Ainda bem que cheguei a tempo.
— Yajirobe! — alegrou-se Goku. — Você também veio lutar conosco?!
Pelas roupas daquele tal de Yajirobe, de fato parecia que lutaria conosco. Ele usava uma espécie de kimono laranja com munhequeiras e tornozeleiras pretas, acompanhado por uma bela katana amarrada no cinto preto. Entretanto, a expressão de seu rosto com traços asiáticos revelaram uma profunda aversão às palavras de Goku, e ele ignorou a pergunta do meu irmão, entregando-lhe um pequeno saco marrom e dizendo:
— Aqui. São Sementes dos Deuses, enviadas pelo Mestre Karin.
Mestre-quem?
Acho que eu era a única que não conhecia aquele tal de Mestre Karin (o qual depois descobri que era um GATO Mestre em Artes Marciais! Tipo???), mas, tudo bem, seguimos.
— Ah, muito obrigado, Yajirobe! — Sorriu Goku. — Como esperado do Mestre Karin e–hã?! Ué, aonde você vai?
Yajirobe voltava para o seu carro com uma cara fechada.
— Boa sorte a todos! — disse ele ao ligar o veículo.
— Epa! Yajirobe! Você não vai lutar, mesmo???
— Eu não sou idiota como vocês — respondeu ele, sisudo. — Não estou a fim de morrer. E depois, não tenho tempo para essa bobagem. Tchau. — E saiu com seu carro-voador pelos céus, deixando todos boquiabertos.
Nem tivemos tempo de comentar sobre o assunto, pois Tenshinhan falou:
— Pessoal, vocês não acham estranho? Já passou das dez da manhã e até agora, não sentimos a presença dos nossos inimigos.
Todos se reuniram na beirada do platô para observar a cidade.
— Será que esta é a ilha certa? — pensei alto e virei-me para Piccolo ao meu lado. — O que você acha?
Ele abriu a boca para responder, mas Yamcha disse em alto e bom tom:
— Acho que aquele cara estava mentindo! Esses Androides não existem!
— Mas ele falou por volta das dez da manhã — contra-argumentou Bulma.
— Mesmo assim, não sentimos nenhum Ki forte — replicou Yamcha. — Se fossem seres tão poderosos, perceberíamos a presença deles em qualquer parte da Terra e–
BOOOOOOMMMM!!!!!!!!!!!!!!!! — Uma explosão ecoou pelos céus.
Todos arquejaram em horror. O carro-voador de Yajirobe caía por entre as nuvens, pegando fogo, até que caiu no mar.
— Olhem!!! — Piccolo apontou para o alto. — Tem dois sujeitos voando lá em cima! Foram eles que atacaram!
Diversas exclamações de espanto vieram do nosso grupo. Estreitei meus olhos e os avistei. Sim! De fato, haviam duas pessoas pairando nos céus!
Então, como dois raios, aquelas duas figuras voaram para baixo.
— Essa não! — alertei. — Eles desceram para a cidade!
— O que será que vão fazer?! — indagou Tenshinhan.
Eu percorria meu olhar freneticamente pelos prédios e casas daquela grande cidade abaixo da nossa formação rochosa. Mas era impossível localizá-los!
— Está vendo eles, Goku??? — perguntou Kuririn.
— Não! Não deu pra ver sua aparência! — Meu irmão estava bem nervoso ao meu lado. — Mas o que significa isso?! Por que não sentimos o Ki deles?!
Nossas respirações trêmulas preencheram o ar ao nosso redor. Então, quebrando o silêncio aterrorizante, Gohan declarou de um modo sombrio demais para uma criança de nove anos:
— É porque são justamente isso: Androides. Eles não têm Ki porque não estão vivos.
Um calafrio arrepiou os pelos da minha nuca. Meu sobrinho tinha razão. Lutaríamos contra seres que tecnicamente não estavam vivos. Olhei de relance para Piccolo. Ele suava frio, com o semblante mais aflito do que nunca, contudo, ele disse mesmo assim:
— Como não podemos sentir seu Ki, só nos resta procurá-los pessoalmente.
— Tem razão — concordou Goku. — Vamos nos separar e procurar! Bulma, fique com as Sementes dos Deuses, por precaução. Não quero que os Androides as roubem. Gohan, quero que vá resgatar Yajirobe. Ele deve estar vivo. Quanto aos outros — sua voz se agravou —, não tomem nenhuma atitude precipitada. Se encontrarem os Androides, avisem os outros imediatamente!
Fez-se silêncio enquanto cada um absorvia as instruções dadas pelo meu irmão. A hora pela qual treinamos por três anos enfim chegou.
— Lettie… — chamou Piccolo, baixinho, sua voz trêmula. — Venha comigo. Não saia de perto de mim.
— Eu nem sequer cogitei te deixar. — Dei-lhe um pequeno sorriso e fiquei aliviada ao vê-lo retribuir. Pelo menos, pareceu tê-lo acalmado um pouco. Eu faria de tudo para não lhe trazer mais preocupações.
— VAMOS!!! — ordenou ele, e saímos. Enquanto eu o seguia, olhei para trás e temi muito pela vida do bebê Trunks, o qual se tornou apenas um pontinho distante com sua mãe no platô.
— Como você acha que é a aparência desses Androides? — perguntei enquanto sobrevoávamos alguns prédios comerciais.
— Não faço ideia — Piccolo se mantinha taciturno. — Mas algo me diz que eles não são convencionais como nos filmes de ficção científica.
— Quer dizer que você acha que podem parecer… humanos?
— Temo que sim.
Aquilo não era nada bom.
Pousamos numa rua movimentada, o que assustou muitas pessoas, causando um burburinho. Nós nem ligamos, estávamos ocupados demais procurando por um perigo mortal.
— Com licença — perguntei a um skatista que me encarava com olhos vidrados. — Você viu duas pessoas estranhas por aqui?
— V-V-Vi, sim!!! — respondeu ele.
— Onde???
— Vocês dois! — O skatista apontou para mim e Piccolo.
Piccolo bufou, revirando os olhos, e me guiou pelo ombro:
— Vamos, Lettie. O jeito é procurarmos sozinhos.
Caminhamos por cerca de quarenta minutos pelas ruas, mas nada parecia fora do normal. As pessoas iam e vinham, crianças brincavam, casais andavam de mãos dadas, comerciantes vendiam e consumidores compravam.
— Estou começando a pensar que estamos sendo feitos de trouxas! — Bati as mãos nas laterais do corpo em irritação. — E se esses Androides podem sentir o nosso Ki e ficarem fugindo só para nos cansar? Será uma perseguição eterna!
Piccolo apenas concordou em silêncio, pesaroso. À nossa frente, havia um banco de concreto e nos sentamos para descansar um pouco. Ele tomou mais um gole do seu odre.
— O que tem aí dentro? — Ousei perguntar, cautelosa.
Ele soltou um longo suspiro cansado.
— Água Sagrada.
Me empertiguei, preocupada.
— Por quê? Está se sentindo mal? Está doente? — Toquei seu braço com afeto. — Precisa de alguma coisa?
— Não… — Piccolo me deu um pequeno sorriso tranquilizador. — É só uma dor de cabeça que sinto às vezes por causa do… — Ele desviou o olhar, cabisbaixo. — Do meu Inimigo. A Água Sagrada ajuda a passar a dor.
Meu coração afundou e minha garganta se fechou com o nó que se formou nela. Desde quando o meu amado sofria com aquelas dores de cabeça e eu nem fazia ideia? Quando menos percebi, corri meus dedos pela palma de sua mão e entrelacei nossos dedos com força.
Ah, quanto tempo desejei fazer aquilo! Desde quando? Desde nosso Treinamento contra os Saiyajins? Puxa…
A diferença de tamanho das nossas mãos era nítida. A minha, pequena, feminina e mais delicada, se contrastavam com a dele, masculina e robusta. As cores das nossas peles, mesmo tão diferentes, pareciam se completar, como a pintura do artista mais talentoso do Universo.
Por uns dez segundos, ficamos ali, olhando para nossas mãos entrelaçadas, um acariciando o outro com o polegar, até que Piccolo fez uma expressão de dor e se desvencilhou.
— Por favor, Lettie! — suplicou ele, virando-se no banco para ocultar-se de mim. — Não faça isso comigo!
O choro quis emergir da minha garganta ao vê-lo encolhido sob sua capa, e uma lágrima silenciosa escapou dos meus olhos. Ergui meu braço para tocá-lo de novo e pedir desculpas quando…
BOOOOOOMMMM!!!!!!!!!!!!!!!! — Outra explosão ecoou a algumas quadras de distância.
Eu ainda engolia um soluço quando me ergui do banco de cimento com Piccolo num pulo assustado.
— M-Mas o que foi isso??? — Corri para o lado dele.
— Pelo cheiro, parece que um posto de gasolina explodiu — respondeu ele, entredentes e com gotas de suor escorrendo pela sua têmpora. — Droga!!! Aposto que foram eles! Foram os Androides!
— Então, não há tempo a perder, vamos! — E levantamos voo em direção a grande fumaça preta que erguia-se por entre os prédios.
— Sinto um Ki diminuindo — disse Piccolo, aflito. — De quem será?!
— Não consigo identificar — repliquei no mesmo tom. — Tem muitas pessoas aqui.
De fato, diversas pessoas corriam para lá e para cá, fugindo do incêndio e temerosas que mais explosões ocorressem, gritando por socorro. Chegamos em frente ao posto de gasolina em chamas na mesma hora que Goku, Kuririn e Tenshinhan e, no instante em que pisamos no chão lado a lado, arquejamos em pavor.
À nossa frente, dois sujeitos estavam parados. Ambos usavam a mesma roupa: brincos dourados nas orelhas, calções laranja, camisa preta com mangas bufantes, e um colete amarelo preso com um cinto e laço vermelho-vivo. Só que um era muito gordo, com bochechas grandes e todo azul, já o outro, era branco, magro, mais alto e muito velho, com longos e volumosos cabelos brancos e um bigode na face raquítica. No topo de sua cabeça, usava um chapéu preto comprido com as insígnias RR em vermelho.
Este último segurava Yamcha pelo rosto, o qual tinha um gigantesco arrombo no meio do peito. Uma grossa poça de sangue formava-se embaixo do seu corpo pendurado.
— YAMCHA!!! — gritou meu irmão.
Fiquei tão em choque que perdi o ar. O que estava acontecendo?!?!
Passei tantos anos vivendo segura na minha casa na companhia da minha família e dos meus alunos, que… acho que me esqueci da crueldade e brutalidade do que é enfrentar um verdadeiro adversário maligno.
A visão das vísceras expostas de Yamcha só fizeram uma pergunta percorrer minha cabeça: a luta contra os Androides seria pior que a luta contra os Saiyajins?
Não tive tempo de pensar numa resposta, pois o sujeito magro simplesmente tacou o corpo de Yamcha no chão como se fosse um saco de lixo e nos encarou com um olhar vazio.
— Ouça, Kuririn! — disse Goku. — Yamcha ainda está vivo! Pegue-o e leve-o até o local onde deixamos as Sementes dos Deuses e dê uma para ele antes que seja tarde demais.
Meu irmão poderia ter muitos defeitos, mas era um líder nato e pensou muito rápido diante visão tão macabra. Kuririn obedeceu de prontidão e, receoso, mas com raiva daqueles dois sujeitos, pegou Yamcha.
— Cuide bem dele, Kuririn — eu disse antes de ele levantar voo, e o assistimos sumir por trás de um prédio.
Fez-se silêncio. O único som era o das chamas se consumindo no posto de gasolina atrás do nosso grupo. Droga! Agora que percebi que havia outros corpos de pessoas mortas atrás dos dois sujeitos! Quanto estrago eles já tinham feito??
— Então, vocês são os Androides? — Piccolo tomou a palavra, com um semblante fechado. — Já era hora de aparecerem.
Por alguma razão, o sujeito magro franziu o cenho, mostrando-se confuso. Foi só então que percebi que ele tinha olhos azuis-claros.
— Hmm, que estranho — alegou ele, percorrendo o olhar sobre cada um de nós (sua voz parecia de um fumante). — Como vocês sabiam que somos os Androides? Além disso, parece que vocês também sabiam que apareceríamos nesta ilha. COMO SOUBERAM?! QUERO QUE ME RESPONDAM!!!
Para a minha surpresa, Piccolo replicou:
— Por que não tentam obter a resposta à força, seu velho asqueroso?!?!
— É o que faremos! — afirmou o Androide.
De imediato, nosso grupo se colocou em posição de combate. Outra explosão emergiu do posto de gasolina, mas não movemos um músculo. Nosso foco eram unicamente os Androides.
No entanto, algo me ocorreu.
— Esperem! — Olhei para os meus companheiros. — Se lutarmos aqui, vamos colocar as pessoas em perigo! Tem crianças pelas redondezas. Vamos para algum lugar onde não tenha ninguém!
— Concordo — disse meu irmão. Piccolo e Tenshinhan também anuíram. Goku então se dirigiu aos Androides: — Vocês também concordam em trocarmos de lugar?
— Oh, querem ir para um lugar onde não tenha ninguém? — repetiu o Androide velho. — Pode ser, mas não precisamos sair daqui.
O quê?
No segundo seguinte, seus olhos azuis-claros se tornaram vermelhos e dois raios amarelos saíram deles, por pouco não atingindo eu e meu irmão. Precisamos nos atirar no asfalto, pois o Androide começou a lançar raios pelos seus olhos por toda aquela região, destruindo absolutamente tudo ao seu redor.
— Lettie! — Piccolo rastejou até mim e me trouxe para junto de si, nos cobrindo com sua capa. Encolhida contra o seu peito, o estrondo de incontáveis explosões ensurdecedores atingiam meus ouvidos sem misericórdia.
— CHEGA!!!!!!!!!!!!! — Ouvi a voz de Goku em meio a tanto barulho e, quando Piccolo nos descobriu, vimos que ele havia metido um soco no Androide magro, pausando seu ataque.
Porém, após Piccolo me ajudar a levantar, finalmente vi o estrago daquele Androide.
Era a visão do inferno.
Pelo menos metade daquela grande cidade fora dizimada. Fumaça preta, casas, edifícios e árvores em chamas cobriam toda a paisagem até onde nossos olhos pudessem alcançar. Gritos e lamentos de desesperos das pessoas subiam pelos escombros das ruínas e, o pior de tudo para mim, choros de crianças clamavam pelas suas mães e pais, muitas delas provavelmente órfãs agora.
Pensei em Naíma, na minha pequena filha de apenas quatro anos, segura na casa de Chi-chi; pensei em Gohan, em algum lugar do mar, resgatando Yajirobe e alheio a tudo o que acontecia a nós; e também pensei no bebê Trunks, correndo perigo com Bulma no platô da formação rochosa não muito longe dali.
Se estes Androides de fato dominassem o mundo, o que seriam dessas crianças? Que tipo de futuro os aguardava?
Só sei que meu sangue ferveu ao imaginar tal futuro e quase, QUASE me impeli para eu mesma desferir um golpe naquele desgraçado de Androide, mas algo chamou minha atenção.
O soco de Goku havia derrubado o chapéu preto do Androide e revelado que, por baixo do acessório, seu cérebro estava exposto, protegido apenas por uma cúpula de vidro.
Juro que quase vomitei.
O Androide, de um jeito robótico até demais (considerando sua aparência humana), abaixou-se, pegou seu chapéu e o colocou no lugar.
— Vocês queriam um lugar inabitado — disse ele. — Então criei um, mas pela sua cara, parece que não gostaram. Que pena.
Fiquei sem palavras diante tamanha petulância. Goku estava furiosíssimo.
— JÁ CHEGA!!! — bradou ele. — SIGAM-ME, QUE DESTRUIREI VOCÊS DOIS!
Pela primeira vez, o Androide gordo sorriu e falou, numa voz suave, mas cheia de malícia:
— Vocês jamais conseguirão nos derrotar.
Suas palavras só deixaram nosso grupo ainda mais irritado.
— Acalmem-se — pediu o Androide velho. — Iremos segui-los. Escolha o lugar onde você prefere morrer, Son Goku.
Opa. Espere aí.
Son Goku?
— Ei! Sua lata raquítica! — Dei um passo a frente, escapando das mãos preocupadas de Piccolo. — Como sabe o nome dele?!
— Ora, ora, Lettie, eu também sei o seu. — Ele me fitou com seus olhos sinistros. — Sei o nome de todos vocês. Este Namekuseijin atrás de você é Piccolo e aquele humano logo ali é Tenshinhan.
Troquei olhares perplexos com Piccolo e Tenshinhan; nós três confusos diante aquela revelação estranha. Meu irmão, por outro lado, não se mostrou abalado e continuou em posição de combate, pronto para arregaçar a cara daqueles Androides a qualquer momento.
Entretanto, precisávamos sair dali. O apito alto das sirenes dos carros de bombeiros se aproximavam da nossa localização e eu não estava a fim de ver mais pessoas machucadas. Eu ainda conseguia ouvir o choro das crianças pelos escombros.
— Vamos logo! — ordenou Goku, liderando o caminho, e todos levantaram voo, incluindo os Androides.
Sobrevoamos o oceano por longos e angustiantes minutos, passando por diversas ilhotas aqui e ali. Minha pulsação estava tão acelerada quanto nossa alta velocidade entrecortando os céus. Olhei de relance para Piccolo e meu estômago embrulhou. Seu rosto estava pálido, com um semblante de extrema preocupação e os olhos grudados nos Androides à nossa frente.
Precisei respirar fundo para acalmar meu coração.
— É melhor que não esteja brincando conosco, Son Goku! — alertou o Androide de cabelos brancos. — Onde está nos levando?
Meu irmão ignorou-o.
— JÁ CHEGA! — exclamou o Androide. — Aqui está bom! Pousaremos naquela ilha! Você não tem o direito de escolher onde vamos lutar!
Todos pararam de súbito no ar, um encarando o outro.
Contudo, além de todo o clima tenso que nos rodeava, um detalhe chamou minha atenção: Goku. Ele não estava bem. Meu irmão segurava o uniforme na região do peito, e gotas de suor cobriam sua testa.
Estranho, muito estranho…
Mesmo assim, pousamos. Ao lado de Piccolo, analisamos o local. A paisagem era plana onde estávamos, mas em todo o restante da ilha, centenas de rochas pontudas e escuras a circundavam, de inúmeros formatos e tamanhos.
Um lugar perfeito para os Androides se esconderem.
Pela expressão de Piccolo, ele parecia chegar na mesma conclusão que eu. Confirmando meus pensamentos, ele disse:
— Tomem cuidado. Eles planejaram isso.
— Antes de… Antes de começarmos a luta… nos digam. — Goku ofegava sem parar. — Como… Como sabem tanto sobre… nós?
Tá. Agora eu estava muito preocupada com meu irmão.
— Ei, psiu! Lettie! — chamou Tenshinhan, baixinho.
— O que foi?
— Por que Goku está assim? A única coisa que fizemos foi voar.
Só consegui balançar a cabeça negativamente, aflita e sem saber o que responder enquanto observava meu irmão. Ele puxava o ar com dificuldades, ainda agarrando a roupa na região do peito.
— Muito bem! — disse o Androide magro. — Responderemos o porquê sabemos tanto sobre vocês. Mas já digo que irão se arrepender de terem feito esta pergunta. — Ele pausou e então, revelou: — Son Goku, temos te observado faz tempo, usando pequenos robôs em forma de inseto. Desde quando você era uma criança e lutou no Torneio de Artes Marciais contra Tenshinhan, depois quando lutou contra Piccolo, Raditz e, por fim, Nappa e Vegeta. Em outras palavras, mesmo após você destruir nosso exército da Red Ribbon, continuamos fazendo nossas pesquisas. Tudo isso com o objetivo de construirmos os Androides mais perfeitos para derrotarmos você, Son Goku!
Abri minha boca em completa indignação.
— Então, fizeram tudo isso para se vingar de mim? — perguntou Goku.
— Sim! — rebateu o Androide. — Por sua culpa, o sonho que a Red Ribbon tinha de conquistar o mundo foi despedaçado!
De novo aquela bobagem de conquistar o mundo???
Em uníssono, tanto eu, quanto Goku, Piccolo e Tenshinhan exclamamos:
— MAS ISSO É TÃO CLICHÊ!
— Clichê ou não, era o nosso sonho — replicou o Androide. — O único sobrevivente foi o Dr. Gero.
— Do jeito que está falando — disse Piccolo —, parece até que você mesmo é o Dr. Gero.
— Não diga bobagens! Fui construído pelo próprio Dr. Gero… SOU O ANDROIDE 20! E este ao meu lado é o Androide 19! Nosso criador não está mais neste mundo, posso te garantir isso.
— Entendi — disse Goku. — Mas quero saber se também me espionaram na batalha no planeta Namekusei.
— Não foi necessário, porque durante a luta contra Nappa e Vegeta, vimos como você usou o seu poder no ponto máximo. O resto, descobrimos com a ajuda dos nossos cálculos científicos e chegamos à conclusão de que seria impossível você aumentar o seu nível. — O Androide 20 de repente me fitou. — Além disso, as habilidades de sua irmã Lettie também nos ajudaram muito em nossas pesquisas, afinal, vocês compartilham do mesmo sangue.
Uma sensação apavorante tomou conta de mim, no entanto, para a minha surpresa, Piccolo deu um passo à frente e vociferou:
— Espere aí! Vocês andaram espionando a Lettie?!?! QUANDO???
— Desde que ela descobriu ser irmã de Goku, na ilha do Mestre Kame, anos atrás — respondeu o Androide 20. — Já que nosso robô-inseto seguia Goku por todo lado, também o acompanhamos quando ele levou Gohan ainda pequeno para conhecer seus amigos, e Raditz se manifestou para todos após tê-la raptado. Depois que Piccolo matou Goku e Raditz, e levou Lettie e Gohan para treiná-los, achamos interessante acompanhar todo aquele Treinamento. — O Androide 20 abriu um sorriso sinistro para mim e Piccolo. — Admito que os resultados das nossas pesquisas foram promissores. Os poderes Saiyajin de Lettie são admiráveis, contudo, o que mais nos surpreendeu foi como ela foi capaz de quebrar a casca dura do solitário e incompreendido Namekuseijin, não é, Piccolo? Me admira que ainda não estejam casados. Você sabe mesmo como enrolar uma mulher. — E riu com desdém.
O clima em nosso grupo só piorou após aquela revelação, a ponto de me fazer sentir zonza. Olhei para Piccolo, e ele parecia tão transtornado quanto eu.
Quer dizer que… fomos espionados por todos estes anos? Que aquelas pessoas da Red Ribbon testemunharam todo o nosso vínculo e relacionamento e agora jogavam isso em nossa cara como se fosse uma piada??
— Continuamos observando Lettie mesmo depois que Piccolo morreu na batalha contra Nappa e Vegeta — prosseguiu o Androide 20. — E devo dizer que foi uma grande decepção assistir uma guerreira Saiyajin desperdiçar seu potencial ao decidir adotar uma bebê humana, ensinar gente medíocre a lutar e ainda ter a audácia de chamar aquilo de Escola de Artes Marciais! Vegeta estava certo. Lettie, você é mesmo uma Saiyajin de classe baixa. E quanto a você, Piccolo, a única coisa que consigo te dizer é que é um FRACO! Como pode, um guerreiro Namekuseijin do seu nível, se rebaixar a passar seus dias preferindo uma vida calma e tranquila numa casinha de campo, rodeado por alunos inúteis, na companhia daquela tal de Naíma e, sobretudo, com a mulher que você nem tem a coragem de dizer que a ama?!?! — Sua voz denotava nojo. — Vocês se merecem, mesmo! São dois INCOMPETENTES!
Juro que eu não sentia mais o chão sob os meus pés. Minha mente estava coberta por uma névoa após ouvir tanta injúria contra mim, contra Piccolo, contra nossa filha e contra os nossos alunos.
Ao meu lado, Piccolo não parecia só abalado com tudo o que também ouviu. Ele estava furioso. As veias em seu pescoço saltavam com a ira que exalava dele, deixando-o vermelho. Seus olhos se escureceram ainda mais, com uma sombra cobrindo-os.
Piccolo estava prestes a explodir.
Uma grande preocupação me atingiu. Apesar de ele estar bravo, e com razão, se ele permitisse que seus sentimentos o dominassem naquele momento, poderia ser um grande problema para nós. Se tratando dos Androides, precisaríamos usar mais a cabeça do que o coração.
E até onde eu sabia, o coração de Piccolo estava muito, muito machucado.
Eu ainda digeria as palavras amargas do Androide 20 quando Piccolo avançou de súbito contra ele, gritando:
— DESGRAÇADO!!!!!!!!!! EU VOU ACABAR COM VOCÊ, SUA SUCATA!!!!!!!!!!!!
Mal tive tempo de reagir quando Goku e Tenshinhan o seguraram, cada um agarrando seus braços, pedindo-o para se acalmar. Os Androides deram um passo para trás, mas mantiveram uma feição sisuda. Foi só quando me dei conta do tumulto que se formava à minha frente entre meus três companheiros que acordei e me pus a agir.
— PICCOLO!!! PARE!!! — Corri na frente dele, também tentando impedi-lo de fazer uma besteira, colocando minhas mãos em seu peito, como eu sempre fazia.
Olhando-o de baixo, meu coração sangrou ao ver como seu semblante estava transfigurado. Seu rosto e pescoço agora estavam arroxeados, com os olhos inchados e inundados pelas pesadas e grossas lágrimas que ele tentava conter e a respiração ofegante. Ele tremia muito.
Nossos olhares se encontraram e, dando o meu máximo para eu conter os meus próprios sentimentos e lágrimas ao vê-lo naquele estado devastador, supliquei num sussurro:
— P-Piccolo, p-por favor…
— Acalme-se, amigo — acrescentou Goku.
— Não podemos nos precipitar agora — reforçou Tenshinhan.
Piccolo continuou ofegante, mas apenas encarou os Androides à frente com um olhar insano e, por fim, se desvencilhou dos meninos e deu as costas para nós, caminhando até uma distância e tomando mais um gole do seu odre.
Fiquei sem saber o que fazer. Eu deveria ir até ele ou ficar com Goku e Tenshinhan? Minha mente estava uma bagunça. Troquei olhares preocupados com meu irmão e ele sinalizou para que eu ficasse com ele e deixasse Piccolo esfriar a cabeça, e acabei concordando.
Goku então voltou-se para os Androides e tomou a palavra:
— Vou ignorar todas essas baboseiras que vocês disseram, porque são vocês os incompetentes nessa história. — Sua expressão era grave. — Acho que deixaram de lado a coisa mais importante da sua pesquisa, por isso, já perderam essa luta.
— O quê? — replicou o Androide 20.
— Vocês cometeram um grande erro — continuou Goku, agora sorrindo com astúcia —, ao não pesquisarem adequadamente sobre o Super Saiyajin.
Suas palavras tiveram um efeito instantâneo em nossos adversários.
— Super Saiyajin?! — indagou o Androide 20, confuso. — O que é isso??
Meu irmão se transformou ao meu lado. Apesar de ainda estar muito atribulada pelo que aconteceu com Piccolo, confesso que devo ter parecido uma idiota ao contemplar sua forma de Super Saiyajin pela primeira vez tão de perto.
Não, Goku nunca se transformou durante os últimos três anos que treinamos juntos. Por isso que os Androides desconheciam tal habilidade sua. Meu irmão alegava que a transformação utilizava muito do seu Ki e dizia que só faria aquilo num momento estritamente necessário.
Bom, acredito que ali era, de fato, um momento estritamente necessário.
Tenshinhan estava tão embasbacado quanto eu ao contemplar Goku transformado, com uma aura amarelada emanando dele. Seu Ki era tão poderoso que um redemoinho de areia o circundava. Pelo menos, a transformação do meu irmão fez Piccolo voltar sua atenção para nós e retornar ao meu lado, mas ele evitava o meu olhar.
— Escutem — disse Goku para o nosso grupo —, não tentem lutar contra esses Androides. Eles estão procurando a maneira mais adequada de se vingar de mim.
Apesar de ainda estar suando e não parecer muito bem de saúde, meu irmão aumentou mais o seu Ki, e sua aura se iluminou com mais intensidade. Os dois Androides começaram a conversar entre si sobre o nível de poder de Goku e de como sua transformação ultrapassava os seus cálculos, entretanto, mesmo assim, eles ainda tinham confiança o bastante para derrotá-lo.
Achei muita prepotência de sua parte e, pelo visto, o meu irmão, também.
— É sério isso?! — Riu ele. — Já que duvidam tanto, me mostrem logo o tamanho dessa sua força, Androides! — E Goku lançou-se pra cima deles.
O alvo do meu irmão foi o outro Androide, o 19. Eles lutaram por um bom tempo; dois vultos rápidos chocando-se contra as rochas ao redor e voando acima de nossas cabeças como flechas desgovernadas.
Foi impressionante. Pela primeira vez, eu testemunhava as habilidades de Goku na forma de um Super Saiyajin. Utilizando as palavras do próprio Tenshinhan, era como se ele fosse de uma dimensão diferente da nossa, tamanho era o seu poder e nível de força.
Mas, assistir à luta do meu irmão não me deixou alheia a Piccolo. A atmosfera de tensão que nos rodeava aumentava cada vez mais. Eu não conseguia olhar para ele e vice-versa. As palavras do Androide 20 não saíam da minha cabeça, assim como nossa conversa que tivemos no dia anterior na varanda da minha casa.
Seria possível que as coisas pudessem voltar a ser como antes entre nós, depois de tudo o que sentimos, falamos e ouvimos? Ou nosso relacionamento já havia sofrido um baque forte demais para se recuperar?
Meu coração se apertou dolorosamente com este pensamento tão angustiante e desesperançoso. Quando eu estava a ponto de fechar meus olhos para conter as lágrimas enquanto ouvia as investidas do meu irmão contra o Androide metros adiante, aquela mesma Voz suave e meiga falou em meu coração:
"Não perca a esperança."
Apesar da tristeza, uma leveza adentrou meu coração e olhei de relance para Piccolo. Seu semblante era dez vezes mais desesperançoso do que o meu.
Ah! Como desejei que ele também pudesse ouvir aquela Voz tão suave e meiga! Até quando eu veria o meu amado sofrer tanto nas mãos do seu Inimigo?
Levei um susto quando, de repente, Gohan, Kuririn e Yamcha pousaram ao nosso lado. Eles finalmente nos alcançaram após terem salvo Yajirobe da explosão do carro-voador e dado uma Semente dos Deuses para Yamcha.
Juntos, continuamos a assistir à luta entre Goku e o Androide 19. Nesse meio tempo, Yamcha revelou que os Androides tinham a capacidade de sugar a energia do oponente, o que nos deixou bem preocupados. Se eles fizessem isso com meu irmão, seria um grande revés para o nosso grupo.
Goku então rodopiou nos céus e deu uma bicuda no Androide 19, lançando-o contra o chão como o disparo de um míssil. Todos comemoraram a destreza do seu golpe, exceto Piccolo e eu. Suponho que, primeiro, pelos nossos estados conturbados de espírito e, segundo, porque algo no meu irmão nos incomodava.
Apesar de o Androide 19 ter sobrevivido ao ataque (pois não sofria dor nem cansaço), Goku ofegada pairando no ar. Seu comportamento estava cada vez mais esquisito. Por que ele parecia assustadoramente exausto?! Não era para ele estar no auge da sua força e poder?
Mesmo assim, ele articulou as mãos e preparou-se para lançar um Kamehameha no Androide 19. Quando ele jogou a bola de energia azulada em seu adversário, todos arquejaram em perplexidade.
O Androide 19 absorveu o Kamehameha.
Yamcha então estava certo. Os Androides tinham mesmo a capacidade de sugar a energia do oponente! Todos ficamos embasbacados com aquela repentina situação.
Aquilo, porém, pareceu ser o suficiente para acordar Piccolo e eu da nossa conturbação, e trocamos olhares aflitos. Meu irmão precisava ser avisado, e rápido!
— Goku! Cuidado! — exclamei. — Não gaste sua energia!
— Os Androides podem absorvê-la! — acrescentou Piccolo. — Não deixem eles te segurarem! Entendeu?
Goku ficou tão transtornado quanto os outros com aquela nova informação. Pior do que isso, foi que ele parecia cada vez mais ofegante e exausto, e agora, todos notavam aquilo.
Subitamente, o Androide 19 levantou voo e lançou-se contra o meu irmão, atingindo-o com sucesso. Goku foi jogado para baixo, mas conseguiu brecar antes de atingir o solo, e quis criar mais um Kamehameha para contra-atacar seu adversário.
— NÃO ATAQUE, GOKU!!! — gritaram eu e Piccolo ao mesmo tempo.
Meu irmão parou, furioso, e seu Kamehameha mingou em suas mãos. Então, ele flutuou até seus pés tocarem o chão e agarrou a roupa na região do peito; a boca escancarada numa respiração trêmula.
Espere aí… Goku ofegante, cansado, com um comportamento estranho, e agora massageando o peito?
Será que… poderia ser… poderia ser a…?
Essa não!
A DOENÇA DO CORAÇÃO DE GOKU!!!
Gohan pareceu ter a mesma linha de pensamento que eu, pois ele soltou uma exclamação ao ver o pai naquele estado e disse em voz alta o que pensei, para que todos ouvissem. Piccolo também se mostrou preocupadíssimo ao se dar conta de que a doença que o Trunks do futuro mencionou foi aparecer justo agora.
Mas era inegável. Os sintomas do meu irmão eram nítidos. Todos agora o fitavam com assombro. Até os Androides o encaravam em silêncio.
Então, para o nosso desespero, Goku caiu de joelhos no chão, ainda massageando seu peito. Eu e Piccolo nos entreolhamos, apavorados. De acordo com Trunks, aquela doença no coração dele seria… mortal.
Kuririn, no entanto, se dirigiu ao meu sobrinho:
— Não diga besteiras, Gohan. Vocês nos disseram que aquele garoto do futuro deu um remédio especial para o seu pai. A essa altura, ele já devia estar curado. Acredito que a energia de Goku foi sugada pelo Androide, só isso!
Kuririn tinha um ponto. Durante os três anos que treinamos juntos, meu irmão nunca mencionou nenhum tipo de problema de saúde relacionado ao seu coração ou qualquer outra parte do corpo. Ele sempre fora muito ativo e saudável. Chi-chi também nunca se mostrou preocupada sobre este assunto, então, assumi que eles estavam cuidando disso por conta própria.
Como Kuririn trouxe as Sementes dos Deuses consigo, ele jogou uma para Goku, que comeu. No próximo segundo, o Androide 19 voltou a atacá-lo com violência, e o derrubou com um nocaute certeiro.
Não! Não! Não!
A Semente dos Deuses não fez efeito!
— Agora tenho certeza que ele está doente do coração! — Gohan mirava seu pai com suor escorrendo pelo seu rosto.
— Por que diz isso?! — retrucou Kuririn, indignado. — Goku não tomou o remédio para se curar???
Gohan então confirmou o que pensei há pouco:
— Ele… Ele nunca ficou doente quando estava com a gente… — Meu sobrinho baixou a cabeça, envergonhado. — A saúde dele estava boa, por isso ele nunca tomou o remédio…
Gohan me olhou com seus olhos marejados e não consegui evitar sentir uma parcela de culpa. Como irmã de Goku, será que eu deveria tê-lo alertado a pelo menos procurar um médico e realizar alguns exames durante os últimos três anos? Minha vida era tão corrida… Querendo ou não, eu tinha minhas próprias preocupações e problemas; uma filha pequena para criar, uma Escola de Artes Marciais para administrar, treinos pesados para realizar diante a perspectiva da ameaça dos Androides e, além disso, meu relacionamento conturbado com Piccolo para lidar…
Percebi o olhar de Piccolo sobre mim. Pela primeira vez em um bom tempo, seu semblante não mostrava a aflição e angústia de sempre, mas sim, compaixão por mim. Era impressionante. Ele parecia saber cada sentimento meu.
Piccolo abriu a boca para falar algo, mas foi interrompido quando o Androide 19 de repente atacou Goku, ainda caído no chão. Não tivemos tempo nem de reagir, e meu irmão foi abatido de novo. Quando ele atingiu o solo com um baque, sua aura amarelada de Super Saiyajin se dissipou, e seus cabelos voltaram a se tornar negros como os meus.
Meu irmão perdeu a luta.
Aquilo foi um choque para todos do nosso grupo. Eu e Gohan chamamos por ele, perguntando se ele estava bem, mas Goku não respondia. O Androide 19 então subiu em cima dele e começou a estrangulá-lo. Lentamente, ele virou a cabeça robótica para nós e abriu um sorriso maligno.
Aquele olhar perverso foi o suficiente para nos acordar.
— Rápido! Precisamos agir! — exclamou Piccolo. — A energia de Goku está sendo sugada!
Todos levantaram voo, disparando em direção a Goku, mas fomos interrompidos. O Androide 20 se colocou na nossa frente, com os braços estendidos.
— NÃO VOU PERMITIR QUE AVANCEM UM SÓ MILÍMETRO! — alertou ele.
Meu sangue ferveu e quis esmurrar a cara daquela lata velha. Não só eu, mas todos os meus companheiros. Eu podia sentir a raiva e indignação emanando de cada um.
— OU QUEREM ME DESAFIAR?! — ameaçou o Androide 20.
— Com certeza. — Os olhos de Piccolo se tornaram sombrios outra vez, e ele avançou.
Tudo aconteceu muito rápido. Quando Piccolo atacou seu adversário, o Androide 20 lançou dois raios lasers pelos olhos e o perfurou em cheio no peito. E então, assisti, boquiaberta e estupefata, meu amado cair com um estrondo no chão.
Obrigada por ler mais um capítulo!
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