Tornei a afinar meu alaúde. Foi uma distração razoável enquanto Radagon colhia opiniões na plateia. Minhas mãos executaram os movimentos rotineiros de retirar a corda arrebentada, à medida que minha aflição crescia.
Agora que os aplausos tinham cessado, minhas dúvidas haviam recomeçado a me atormentar. Seria uma única canção o bastante para provar meu talento? E se a reação do público se houvesse devido à força da canção, e não à minha execução? E quanto a meu final improvisado? Talvez a música só tivesse parecido inteira para mim...
Ao terminar de retirar a corda partida, olhei-a casualmente e todos os meus pensamentos se embaralharam.
Ela não estava gasta nem defeituosa como eu havia suposto que estaria. A extremidade partida estava perfeita, como se tivesse sido cortada com uma faca ou uma tesoura.
Passei algum tempo simplesmente a contemplá-la com o olhar fixo, perplexo. Alguém teria mexido em meu alaúde? Impossível. Eu nunca o perdia de vista. Além disso, tinha verificado as cordas antes de sair da Academia e novamente antes de subir ao palco. Então como?
Eu estava revolvendo essa ideia na cabeça, em círculos, quando notei que o público se aquietava. Levantei a cabeça a tempo de ver Radagon subir o último degrau do palco.
Apressei-me a ficar de pé para enfrentá-lo.
Sua expressão era amistosa, mas, afora isso, indecifrável. Meu estômago deu um nó quando o vi caminhar na minha direção; depois pareceu despencar quando Radagon me estendeu a mão do mesmo jeito que a estendera para os outros dois músicos julgados aquém do desejado.
Forcei-me a exibir meu melhor sorriso e estendi a mão para apertar a dele. Eu era filho de meu pai e integrante de uma trupe. Acolheria minha rejeição com toda a dignidade dos Therion. Mais fácil seria a terra se abrir e tragar aquele lugar reluzente e presunçoso do que eu manifestar o menor indício de desespero.
E em algum lugar da plateia de espectadores estava Drazno. A terra teria que tragar a Foles, Torrente e todo o Mar de Cinthia para que eu lhe desse um pingo de satisfação por causa disso.
Assim, exibi um sorriso luminoso e segurei a mão de Radagon. Ao apertá-la, senti uma coisa dura na palma da mão. Olhei para baixo e vi um lampejo de prata.
Minha gaita-de-foles.
Deve ter sido um prazer observar minha expressão. Tornei a encarar Radagon. Seus olhos dançavam e ele me deu uma piscadela.
Virei-me e levantei bem alto a gaita-de-foles, para que todos a vissem.
A Foles tornou a fazer um grande estrondo.
Dessa vez entoou boas-vindas.
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— Você tem que me prometer — disse Leif em tom sério, com os olhos vermelhos — que nunca mais vai tocar essa música sem primeiro me avisar. Nunca!
— Foi tão ruim assim? — indaguei, dando-lhe um sorriso aturdido.
— Não! — veio a resposta quase gritada. — Ela é... Eu nunca... — Leif esforçou-se para falar, momentaneamente sem palavras, depois baixou a cabeça e desatou num choro desamparado sobre as mãos.
Alastor passou um braço protetor em volta dele, que apoiou a cabeça em seu ombro sem a menor cerimônia.
— O nosso Leif tem o coração delicado — comentou gentilmente. — Imagino que tenha querido dizer que gostou muito da música.
Notei que os olhos de Alastor também estavam com as bordas vermelhas. Coloquei a mão em suas costas.
— Ela também me pegou em cheio na primeira vez que a ouvi — contei-lhe com sinceridade. — Meus pais a tocaram no Festival do Solstício de Inverno, quando eu tinha nove anos, e passei duas horas arrasado. Tiveram de cortar meu papel em A princesa e o rouxinol porque eu não tinha condições de apresentar.
Leif balançou a cabeça e fez um gesto que pareceu significar que estava tudo bem com ele, mas que não tinha a expectativa de conseguir falar nem tão cedo, e era melhor eu continuar a fazer o que quer que estivesse fazendo.
Tornei a olhar para Alastor.
— Eu tinha esquecido que ela afetava as pessoas desse jeito — comentei, sem graça.
— Eu recomendo um smutten — disse Wilem bruscamente. — Ou corta-tesão, se vocês insistirem na vulgaridade. Mas creio lembrar-me de você ter dito que hoje nos levaria de colo para casa se ganhasse sua gaita pelo talento; o que talvez seja lamentável, já que me ocorre que estou usando meus sapatos de chumbo para bebedeiras.
Ouvi Radagon dar uma risadinha atrás de mim.
— Esses devem ser os dois amigos não-castrato, não é?
Leif ficou tão surpreso ao ser chamado de não-castrato que se recompôs um pouco, esfregando o nariz com a manga da camisa.
— Alastor, Leif, este é o Radagon.
Leif balançou a cabeça. Alastor fez uma pequena mesura rígida.
— Radagon, pode nos ajudar a chegar ao bar? Prometi comprar uma bebida para eles.
— Bebidas — corrigiu Alas. — No plural.
— Desculpe, bebidas — repeti, frisando o plural. — Eu não estaria aqui se não fossem eles.
— Ah! — disse Radagon, com um sorriso. — Patronos! Compreendo perfeitamente!
O caneco de vitória se revelou idêntico ao de consolação. Estava pronto para mim quando Radagon finalmente conseguiu fazer-nos atravessar a multidão até nossos novos assentos no bar. Chegou até a insistir em oferecer um smutten a Leif e Alastor, dizendo que os patronos também tinham certo direito a reivindicar o butim da vitória. Agradeci-lhe sinceramente, do fundo de minha bolsa.
Enquanto esperávamos a chegada das bebidas de meus amigos, tentei dar uma espiada curiosa no interior de meu caneco e constatei que, para fazer isso enquanto ele estivesse no bar, eu precisaria ficar em pé no banco.
— Metheglin — informou-me Radagon. — Experimente e pode me agradecer depois. No lugar de onde venho, dizem que um homem é capaz de ressuscitar dos mortos para bebê-lo.
Tirei-lhe um chapéu imaginário.
— Às suas ordens — saudei-o.
— Às suas e às de sua família — respondeu ele polidamente.
Bebi um gole do caneco alto para me dar uma oportunidade de me recompor, e em minha boca aconteceu algo maravilhoso: mel fresco da primavera, cravo, cardamomo, canela, uvas prensadas, maçã assada, pera doce e água cristalina da fonte. É só o que tenho a dizer sobre o metheglin. Se você não o experimentou, lamento não poder descrevê-lo da forma apropriada. Se experimentou, não precisa de mim para lhe recordar como é.
Fiquei aliviado ao ver que o corta-tesão fora servido em copos de tamanho moderado, havendo um também para Radagon. Se meus amigos tivessem recebido canecos do vinho negro, eu precisaria de um carrinho de mão para levá-los de volta à outra margem do rio.
— À Silver! — brindou Alastor.
— À Silver! — disse Radagon, erguendo seu copo.
— Silver... — conseguiu repetir Leif, com o que parecia ser um soluço abafado na voz.
— E a Aloise — acrescentei, manobrando para fazer meu enorme caneco tocar nos copos deles.
Radagon bebeu seu smutten com uma displicência que me deixou de olhos marejados.
— E então — disse-me —, antes que eu o deixe entregue à adulação de seus pares, tenho que fazer uma pergunta. Onde você aprendeu a fazer isso? Refiro-me a tocar com uma corda a menos.
Pensei por um momento.
— Quer a versão comprida ou a curta?
— Fico coma curta, por enquanto.
Sorri.
— Bem, nesse caso, é só uma coisa que aprendi — retruquei com um gesto indiferente, como quem jogasse algo no lixo. — Um remanescente da minha juventude desperdiçada.
Radagon me encarou com uma expressão divertida.
— Suponho que eu mereço. Da próxima vez fico com a versão comprida — disse. Respirou fundo e correu os olhos pelo salão; seu brinco de ouro balançou e captou a luz. — Vou organizar o público. Impedirei que venham todos para cima de você de uma só vez.
Sorri de alívio.
— Obrigado, senhor.
Ele abanou a cabeça e fez um gesto para alguém atrás do bar, que pegou prontamente seu caneco.
— Mais cedo, esta noite, "senhor" era muito bom e apropriado. Mas agora é Radagon — disse. Tornou a olhar na minha direção, sorriu e meneou a cabeça. — E como devo chamá-lo?
— Vanitas, apenas Vanitas.
— Apenas Vanitas! — brindou Alastor atrás de mim.
— E a Aloise! — acrescentou Leif, e começou a chorar baixinho sobre o braço dobrado.