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67.04% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 57: LVI. TAXA

Capítulo 57: LVI. TAXA

Depois que a porta se fechou às costas de Faela, o aposento pareceu ficar um pouco mais escuro. Não falo em linguagem poética; a luz pareceu mesmo diminuir. Olhei para os candeeiros de simpatia pendurados na antecâmara e me perguntei qual seria o problema.

No instante seguinte, porém, experimentei uma lenta sensação de ardência começando a se espalhar por minhas costas e me dei conta da verdade. O efeito da balruta estava passando.

A maioria dos analgésicos potentes tem graves efeitos colaterais. Vez por outra, a zenatina provoca delírios ou desmaios. O lasilo é venenoso. O ophalo vicia terrivelmente. A renka talvez seja a mais potente de todas, mas há razões para ser chamada de "raiz-do-diabo".

A balruta era menos potente do que esses, porém muito mais segura. Era um anestésico leve, além de estimulante e vasoconstritor, e era por isso que eu não havia sangrado como um porco abatido ao ser açoitado. E o melhor era que o medicamento não tinha grandes efeitos colaterais. Mesmo assim, há sempre um preço a ser pago. Quando o efeito da balruta passa, ela deixa a pessoa física e mentalmente exausta.

A despeito disso, eu estava ali para ver o Acervo. Agora era membro do Arcano e não pretendia ir embora antes de entrar no Arquivo. Virei-me para a escrivaninha com expressão resoluta.

Drazno me dirigiu um olhar demorado e calculista antes de soltar um suspiro.

— Está bem — disse. — Que tal um acordo? Você fica quieto sobre o que viu aqui hoje e eu esqueço o regulamento e o deixo entrar, mesmo não constando oficialmente do livro. Que tal? — indagou meio nervoso. 

Enquanto ele falava, senti diminuir o efeito estimulante da balruta. Meu corpo foi ficando pesado e cansado, minhas ideias lentas e amolecidas. Levantei as mãos para esfregar o rosto e estremeci ao sentir o movimento repuxar com força os pontos em minhas costas.

— Está ótimo — respondi, com a voz pastosa.

Drazno abriu um dos registros e deu um suspiro, enquanto virava as páginas.

— Já que é a sua primeira vez no Arquivo propriamente dito, você terá que pagar a taxa do Acervo.

Minha boca tinha um estranho gosto de limão. Era um efeito colateral que Marcy nunca havia mencionado. Era perturbador e, passado um momento, vi Drazno me olhando em expectativa.

— O que disse?

Ele me encarou com um ar estranho.

— A taxa do Acervo.

— Não houve nenhuma taxa antes, quando estive na seção dos Tomos.

O rapaz me fitou como se eu fosse um idiota.

— É porque essa é a taxa do Acervo — explicou, tornando a baixar os olhos para o registro. — Normalmente ela é paga junto com a taxa escolar do primeiro período no Arcano. Mas, como você entrou pela janela, passando à frente de todos, terá que pagá-la agora.

— Quanto é? — perguntei, procurando a bolsinha de moedas.

— Um crimo. E você tem que pagar para poder entrar. Regra é regra.

Depois de pagar pelo beliche no Cercado, um crimo era quase todo o dinheiro que me restava. Eu tinha aguda consciência de que precisava economizar meus recursos e guardá-los para custear o período letivo seguinte. No instante em que não pudesse pagar, teria que deixar a Academia.

Ainda assim, era um preço pequeno por algo com que eu havia sonhado quase a vida inteira. Tirei um crimo da bolsa e o entreguei.

— Preciso assinar o registro?

— Não há tantas formalidades — disse Drazno, abrindo uma gaveta e tirando um disco de metal.

Atordoado pelos efeitos colaterais da balruta, levei alguns instantes para reconhecer do que se tratava: um candeeiro portátil de simpatia.

— Não há iluminação no Acervo — esclareceu Drazno, com ar displicente. — O espaço lá dentro é muito grande e ela prejudicaria os livros a longo prazo. As lamparinas portáteis custam um crimo e meio.

Hesitei.

Drazno meneou a cabeça, com ar pensativo.

— Muita gente acaba ficando apertada no primeiro período — comentou, vasculhando uma gaveta inferior por um bom tempo. — As lamparinas portáteis custam um crimo e meio, e não há nada que eu possa fazer. Mas as velas custam só meio lumen — acrescentou, apanhando uma vela de cera de 10 centímetros. 

Meio lumen por uma vela era um negócio excelente. Peguei um lumen.

— Vou levar duas.

— Esta é a última — apressou-se ele a dizer. Deu uma olhadela nervosa ao redor, antes de enfiá-la na minha mão. — Vamos combinar o seguinte. Pode ficar com ela de graça. — Sorriu. — Só não conte a ninguém. Será o nosso segredinho.

Peguei a vela, bastante surpreso. Aparentemente eu o havia assustado com minha vã ameaça. Ou isso, ou aquele filho pomposo e grosseiro da nobreza não era nem de longe o canalha que eu havia suposto.

Drazno me empurrou para o Acervo o mais depressa que pôde, sem me dar tempo para acender a vela. Quando as portas se fecharam atrás de mim, tudo ficou negro como o interior de um saco, apenas com uma vaga réstia da luz avermelhada de simpatia que passava pelas frestas da porta.

Como não tinha fósforos, precisei recorrer à simpatia. Em condições normais, eu o faria num piscar de olhos, mas minha cabeça, esgotada pela balruta, mal conseguia reunir a concentração necessária.

Trinquei os dentes, fixei mentalmente a Vileza e, segundos depois, senti uma friagem insinuar-se em meus músculos ao tirar do corpo calor suficiente para fazer o pavio estalar e ganhar vida.


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