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45.45% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 38: XXXVII. CARONA

Capítulo 38: XXXVII. CARONA

— Quatro dias. Talvez seis, se a chuva nos pegar pelo caminho.

Rumi foi o terceiro carroceiro a quem perguntei sobre o trajeto rumo ao norte, em direção a Torrente, a cidade mais próxima da Academia. Ele era um homem robusto, cealdamo, com uma barba negra e desgrenhada que quase lhe ocultava o rosto por completo. Ele se afastou para xingar rudemente em kiaru um homem que empilhava rolos de tecido numa carroça. O som da sua voz, ao falar em sua língua natal, era como um rugido de pedras rolando.

Quando se voltou para mim, sua voz baixou para um tom grave e áspero.

— Dois cobres. Iyanes de cobre, nada de lumens. Pode viajar numa carroça, se houver espaço. Dormir embaixo dela à noite, se preferir. Pode jantar conosco. Mas o almoço é só pão. E se uma carroça ficar atolada, você ajuda a empurrar.

Ele fez uma pausa para gritar novamente com os homens. Três carroças estavam sendo carregadas com mercadorias, e a quarta era dolorosamente familiar: uma casa sobre rodas, como aquelas em que viajei durante quase toda a minha infância.

A mulher de Rumi, Layla, estava sentada na frente dela. Sua expressão oscilava da severidade ao observar os homens carregando as carroças para um sorriso gentil quando conversava com uma jovem que estava por perto.

Presumi que a garota fosse uma passageira, assim como eu. Devia ter a minha idade, talvez um ano a mais; e um ano faz uma enorme diferença nessa fase da vida. Os Tohl têm um provérbio sobre crianças da nossa idade: "Os meninos espicham, as meninas florescem."

Ela vestia roupas práticas para viajar, calças e blusa, com a dose exata de meninice que fazia com que aquilo não parecesse fora do lugar. Tinha uma postura que, se fosse um pouco mais velha, a faria ser vista como uma dama. Naquele momento, enquanto falava com Layla, ela oscilava entre uma graça refinada e uma vivacidade juvenil. Seus longos cabelos negros brilhavam ao sol e... em termos simples, era linda. Fazia muito tempo que eu não via algo tão belo.

Rumi notou meu olhar e continuou:

— Todos ajudam a montar o acampamento à noite. Todos se revezam como sentinelas. Se dormir no seu turno, fica para trás. Pode comer conosco, qualquer coisa que minha mulher cozinhar. Mas se reclamar, fica para trás. Se andar devagar, fica para trás. E se incomodar a menina... — ele passou a mão pela barba espessa — ...coisas ruins podem acontecer.

Na esperança de mudar o rumo da conversa, perguntei:

— Em quanto tempo as carroças estarão prontas?

— Em duas horas — respondeu ele, com uma firmeza que parecia desafiar os trabalhadores a prová-lo errado.

Um dos homens, que estava em pé sobre uma carroça, protegeu os olhos do sol com a mão e gritou, elevando a voz acima do barulho de cavalos, carroças e pessoas que enchiam a praça:

— Não o deixe assustá-lo, garoto. Ele é um bom sujeito quando para de rosnar.

Rumi apontou um dedo austero para o homem, que prontamente voltou ao trabalho.

Eu não precisava de mais convencimento. Geralmente, um homem que viaja com sua esposa é digno de confiança. Além disso, o preço era justo, e ele partiria no mesmo dia. Tirei dois iyanes da bolsa e os entreguei a Rumi.

Ele se virou para mim e repetiu:

— Duas horas. — E levantou dois dedos grossos para enfatizar.

— Se você se atrasar, fica para trás — respondi, com um aceno solene. — Riuesa, ti kialas U'isha tua. Agradeço por me acolher em sua família.

As espessas sobrancelhas de Rumi se ergueram em surpresa. Ele se recuperou rapidamente e fez um leve aceno com a cabeça, quase uma reverência. Olhei ao redor da praça, tentando me situar.

— Alguém aí tem surpresas — ouvi uma voz familiar. Virei-me e vi o trabalhador que havia gritado para mim da carroça. Ele estendeu a mão. — Derick.

Apertei sua mão, um pouco desajeitado. Fazia tanto tempo que não mantinha uma simples conversa que me senti estranho e hesitante.

— Vanitas.

Derick colocou as mãos atrás das costas e esticou as costas, fazendo uma careta. Ele tinha uns 20 anos, era esguio, loiro, e uma cabeça mais alto do que eu.

— Você deu um susto no Rumi agora há pouco. Onde aprendeu a falar kiaru?

— Uma arcanista me ensinou um pouco — expliquei, enquanto observava Rumi se dirigindo à sua mulher. A garota de cabelos negros se virou na minha direção e sorriu. Desviei o olhar, sem saber como interpretar aquilo.

Derick deu de ombros.

— Bem, vou deixá-lo pegar suas coisas. Rumi só ladra, mas não morde. No entanto, ele não espera quando as carroças estão prontas.

Concordei com um aceno de cabeça, embora "minhas coisas" fossem praticamente inexistentes. Precisava fazer umas compras. Dizem que se pode encontrar qualquer coisa em Notrean quando se tem dinheiro.

E, na maioria das vezes, estão certos.

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Desci as escadas que levavam ao subsolo onde Sven vivia. O som dos meus passos ecoava de maneira estranha; eu estava acostumado à fria umidade da pedra sob os pés, e não ao toque suave dos sapatos.

Ao passar pelo pequeno vestíbulo, um garoto maltrapilho surgiu dos cômodos interiores, segurando uma pequena maçã de inverno. Ele parou ao me ver, seus olhos estreitos se enchendo de desconfiança. Com uma expressão desconfiada, baixou os olhos e passou por mim, esbarrando de forma brusca.

Instintivamente, bati em sua mão para afastá-la da minha bolsa e me virei para ele, atônito demais para encontrar palavras. O garoto disparou porta afora, deixando-me confuso e perturbado. Nunca roubávamos uns dos outros ali. Na rua, era cada um por si, mas o porão de Sven era o que mais se aproximava de um santuário, um refúgio sagrado. Estragar aquilo seria impensável.

Dei os últimos passos em direção à sala principal e me senti aliviado ao ver que o restante parecia normal. Sven havia saído, provavelmente em busca de doações para cuidar das crianças. Havia seis camas, todas ocupadas, e outras crianças deitadas no chão. Vários meninos sujos estavam reunidos ao redor de uma grande cesta sobre a mesa, pegando maçãs. Ao me verem, viraram-se com expressões duras e ressentidas.

Foi então que percebi: nenhum deles me reconheceu. Limpo e bem vestido, eu parecia um estranho, um menino qualquer que havia entrado ali por acaso. Eu não pertencia mais àquele grupo.

Logo depois, Sven chegou, carregando vários pães achatados sob um braço e uma criança chorona no outro.

— Ari — chamou, dirigindo-se a um dos meninos próximos da cesta. — Venha ajudar. Temos uma nova visitante e ela precisa trocar a fralda.

O menino se apressou em atender e pegou a menina dos braços de Sven. Ele colocou os pães na mesa, ao lado da cesta de maçãs, e os olhos de todas as crianças se fixaram nele, atentos e ansiosos.

Um aperto se formou no meu peito; Sven nem havia olhado para mim. E se ele não me reconhecesse? E se me mandasse embora? A ideia me apavorava, e comecei a me esgueirar em direção à porta.

Ele, então, começou a apontar para as crianças, uma de cada vez.

— Vejamos. David, você esvazia e limpa o tonel de água. Ela está começando a ficar salobra. Quando terminar, Nathan pode enchê-lo com a bomba.

— Posso pegar dois pedaços de pão? — perguntou Nathan. — Preciso de um para o meu irmão.

— Seu irmão pode vir buscar o pão dele — respondeu Sven com gentileza, depois o observou mais atentamente, como se intuindo algo. — Ele está doente?

Nathan assentiu, abaixando os olhos.

Sven colocou a mão no ombro do menino.

— Traga-o para cá. Vamos cuidar dele.

— É a perna dele! — exclamou Nathan, com os olhos marejados. — Está quente, e ele não consegue andar!

Sven acenou com a cabeça e apontou para o próximo menino.

— Jen, ajude o Nathan a trazer o irmão dele. — Os dois meninos saíram apressados. — Timothy, já que o Nathan saiu, você cuida da água.

— Vanitas, corra para buscar sabão. — Ele me estendeu uma moeda de meio lumen. — Vá até a loja da Mama, no Lavadouro. Ela lhe dará algo melhor se souber para quem é.

Senti um nó na garganta de repente. Ele me reconhecera. Não consigo descrever o alívio que isso trouxe. Sven era o mais próximo que eu tinha de uma família. A ideia de que ele não me reconhecesse era aterrorizante.

— Não posso fazer isso, Sven — respondi, hesitante. — Estou de partida. Vou para o interior, para Torrente.

— Ah, vai? — perguntou ele, me observando com mais atenção. — Bem, nesse caso, parece que sim.

É claro. Sven nunca via as roupas, apenas a criança que as vestia.

— Vim para lhe dizer onde estão as minhas coisas. Em cima da fábrica de velas, há um lugar onde três telhados se encontram. Há algumas coisas lá: um cobertor, uma garrafa. Não preciso mais delas. É um bom lugar para dormir, seco e seguro. Ninguém vai lá... — Minha voz falhou.

— É muita gentileza sua. Vou mandar um dos meninos passar por lá — disse Sven. — Venha cá. — Ele se aproximou e me envolveu num abraço desajeitado, sua barba áspera fazendo cócegas no meu rosto. — Fico sempre feliz ao ver um de vocês escapando — sussurrou ele. — Sei que você se sairá bem, mas pode voltar quando quiser, se precisar.

Uma das meninas em um colchão próximo começou a se debater e gemer. Sven se afastou de mim e se virou para olhar.

— O que foi, o que foi... — disse ele, apressando-se a ajudá-la, seus pés descalços batendo no chão. — Quietinha, quietinha...


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