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38.63% A Crônica do Contador de Histórias / Chapter 32: XXXI. GUERRA PT.2

Capítulo 32: XXXI. GUERRA PT.2

E assim, a guerra continuou, mas com Lanis e Lyra lutando lado a lado, o futuro parecia menos sombrio. Não demorou para que todos soubessem da história de como Lanis havia encontrado a morte e de como o amor profundo e o poder de Lyra o trouxeram de volta à vida. Pela primeira vez, na memória dos vivos, as pessoas ousaram falar de paz sem medo de serem consideradas tolas ou insanas.

Os anos passaram, e os inimigos do império, enfraquecidos e desesperados, podiam sentir o fim da guerra se aproximando rapidamente, até mesmo o mais cético dos homens.

Mas então, rumores começaram a se espalhar: Lyra estava doente. Lyra fora sequestrada. Lyra havia morrido. Lanis havia fugido do império. Lanis havia enlouquecido. Houve até quem dissesse que Lanis havia tirado a própria vida para buscar a esposa nas terras dos mortos. Muitas histórias surgiram, mas ninguém conhecia a verdade.

Em meio a esses boatos, Lanis chegou a Tyr Matriel. Ele veio sozinho, carregando sua espada de prata e vestindo uma cota de malha coberta de negras escamas de ferro. Sua armadura, forjada a partir da carcaça da fera que ele havia abatido em Grossen Dor, moldava-se ao seu corpo como uma segunda pele de sombra.

Lanis convidou Felitos a caminhar com ele fora da cidade. Felitos aceitou, na esperança de descobrir a verdade sobre os problemas de seu amigo e oferecer-lhe o consolo que apenas um verdadeiro amigo poderia dar. Era comum os dois buscarem conselhos um do outro, pois ambos eram senhores de seus povos.

Felitos, conhecedor dos rumores, estava apreensivo. Temia pela saúde de Lyra, mas temia ainda mais por Lanis. Felitos era sábio e sabia que a tristeza pode corromper o coração, e que as paixões podem levar até os melhores homens à loucura.

Os dois caminharam pelas trilhas da montanha, e, guiados por Lanis, chegaram a um ponto alto na cordilheira, de onde se podia avistar toda a terra. As imponentes torres de Tyr Matriel brilhavam intensamente sob a última luz do sol poente.

Depois de um longo silêncio, Felitos falou:

— Ouvi rumores terríveis sobre tua esposa.

Lanis permaneceu em silêncio, e Felitos compreendeu, naquele momento, que Lyra estava morta.

Após outra pausa prolongada, Felitos tentou novamente:

— Embora eu desconheça todos os detalhes, Tyr Matriel está contigo, e eu te oferecerei todo o auxílio que um amigo pode dar.

— Já me deste o bastante, meu velho amigo — respondeu Lanis, virando-se para Felitos e colocando a mão em seu ombro. — Silanxi, eu te conecto. Em nome da pedra, imobiliza-te como pedra. Aeruh, eu comando o ar. Que tua língua pese como chumbo. Felitos, assim te nomeio. Que todos os teus poderes te faltem, exceto a visão.

Felitos sabia que apenas três pessoas no mundo inteiro poderiam igualá-lo em habilidade com os nomes: Aleph, Hanort e Lyra. Lanis, por sua vez, não tinha talento para nomes; seu poder residia na força de seus braços. Uma tentativa de Lanis de conectar Felitos pelo nome seria tão infrutífera quanto um menino atacando um soldado com um graveto de salgueiro.

No entanto, o poder de Lanis pesou sobre ele como um fardo esmagador, como um torno de ferro, e Felitos se descobriu incapaz de se mover ou falar. Ali, permaneceu imóvel como pedra, incapaz de fazer qualquer coisa além de se perguntar: como Lanis havia adquirido tamanho poder?

Confuso e aflito, Felitos observou a noite cair sobre as montanhas. Horrorizado, viu que parte da escuridão que se aproximava se tratava de um exército imenso marchando em direção a Tyr Matriel. Pior ainda, os sinos de alerta não soavam. Felitos, imobilizado, pôde apenas assistir ao exército avançando em segredo.

Tyr Matriel foi incendiada e devastada, e quanto menos se falar disso, melhor. Os muros brancos foram carbonizados, e o sangue correu pelas fontes. Durante uma noite e um dia, Felitos permaneceu impotente ao lado de Lanis, sem poder fazer nada além de ouvir os gritos dos moribundos, o clangor do ferro e o estalar das pedras que se partiam.

Quando o dia seguinte amanheceu sobre as torres enegrecidas da cidade, Felitos percebeu que podia se mover novamente. Ele se virou para Lanis, e dessa vez sua visão não falhou. Viu em Lanis uma escuridão profunda e uma alma perturbada, mas ainda sentia os grilhões do feitiço que o prendiam. A fúria e a perplexidade se debatiam em seu peito, e ele disse:

— Lanis, o que fizeste?

Lanis continuou a contemplar as ruínas de Tyr Matriel. Seus ombros estavam curvados, como se suportassem um peso insuportável. Em sua voz havia cansaço quando ele respondeu:

— Eu era considerado um bom homem, Felitos?

— Te considerávamos um dos melhores entre nós. Irrepreensível.

— No entanto, fiz isso.

Felitos não conseguia suportar a visão de sua cidade destruída.

— E, no entanto, fizeste isso — concordou. — Por quê?

Lanis refletiu por um momento.

— Minha esposa está morta. A falsidade e a traição me levaram a isso, mas a morte dela está em minhas mãos.

Ele engoliu em seco e voltou seu olhar para a terra abaixo.

Felitos seguiu seu olhar. Do mirante no alto da montanha, avistou colunas de fumaça negra subindo da terra. Felitos compreendeu, com horror, que Tyr Matriel não havia sido a única cidade destruída. Os aliados de Lanis haviam devastado os últimos bastiões do império.

Lanis se virou.

— E eu era tido como um dos melhores — disse, com uma expressão devastadora no rosto. A tristeza e o desespero haviam-no consumido. — Eu, considerado sábio e bondoso, fiz tudo isso! — exclamou, gesticulando descontroladamente. — Imagina as perversidades que um homem inferior deve guardar no íntimo de seu coração — acrescentou. Voltou-se para Tyr Matriel, e uma espécie de paz desceu sobre ele. — Para eles, pelo menos, acabou-se. Eles estão seguros. A salvo dos milhares de males do dia-a-dia. A salvo das dores de um destino injusto.

Felitos murmurou, quase para si mesmo:

— A salvo da alegria e do assombro...

— Não existe alegria! — gritou Lanis, com uma voz que parecia rasgar o próprio ar. As pedras ao redor estilhaçaram-se ao som de sua voz, e as bordas afiadas do eco cortaram o ar. — Qualquer alegria que tente brotar aqui é prontamente sufocada pelas ervas daninhas. Não sou um monstro que destrói por prazer. Semeio o sal porque a escolha é entre as ervas daninhas e o nada.

Felitos não viu nada além de vazio nos olhos de Lanis. Abaixou-se para pegar uma lasca irregular de pedra, com uma ponta afiada.

— Pretendes me matar com uma pedra? — perguntou Lanis, soltando uma risada amarga. — Eu queria que entendesses, que soubesses que não foi a loucura que me levou a fazer isso.

— Não estás louco — admitiu Felitos. — Não vejo loucura em ti.

— Eu tinha a esperança de que talvez te juntasses a mim no que almejo fazer — disse Lanis, com um desespero quase palpável na voz. — Este mundo é como um amigo ferido de morte. Uma poção amarga, administrada com rapidez, só faria minorar a dor.

— Destruir o mundo? — sussurrou Felitos para si mesmo. — Não estás louco, Lanis. O que te possui é algo pior do que a loucura. Não posso curar-te — e alisou a ponta afiada da pedra em sua mão.

— Queres me matar para me curar, meu velho amigo? — Lanis riu outra vez, uma gargalhada terrível e selvagem. Depois, voltou-se para Felitos, com uma súbita esperança vazia em seus olhos. — Será que podes? Podes me matar, meu velho amigo?

Felitos, agora com a visão desanuviada, fitou-o. Viu que Lanis, quase totalmente tomado pela tristeza, havia buscado o poder para trazer Lyra de volta à vida. Por amor a Lyra, ele havia buscado conhecimento onde seria melhor deixá-lo em paz, e pagara um preço terrível por isso.

No entanto, mesmo com todo o poder que havia conquistado, Lanis não conseguiu trazer Lyra de volta. Sem ela, sua vida se tornara um fardo insuportável, e o poder que ele adquiriu ardia em sua mente como uma lâmina incandescente. Para escapar do desespero e da agonia, Lanis havia tirado a própria vida.

Buscou o último refúgio de todos os homens, tentando escapar para além das portas da morte.

Mas, assim como o amor de Lyra o havia trazido de volta, impedindo-o de cruzar a derradeira porta, dessa vez, o poder de Lanis o forçou a retornar da doce inconsciência. Seu poder recém-adquirido o cravou novamente em seu corpo, obrigando-o a viver.

Felitos o observou e compreendeu tudo com o poder de sua visão. Essas revelações pendiam no ar, como tapeçarias negras, em torno da forma trêmula de Lanis.

— Posso matá-lo — respondeu Felitos, desviando o olhar da expressão subitamente esperançosa de Lanis. — Mas apenas por uma hora ou um dia. Você retornaria, atraído como o ferro por uma pedra-imã. Seu nome arde com o poder que reside em você. Tenho tão pouca chance de extingui-lo quanto de atirar uma pedra e derrubar a Lua.

Os ombros de Lanis se curvaram.

— Eu tinha esperança — disse ele, em voz baixa. — Mas sempre soube a verdade. Já não sou o Lanis que conheceste. Agora, pertenço a um novo e terrível nome. Sou Xehanort, e nenhuma porta pode barrar minha passagem. Tudo está perdido para mim: nem Lyra, nem a doce fuga do sono, nem o abençoado esquecimento; até a loucura foge ao meu alcance. A própria morte é uma porta aberta ao meu poder. Não há como escapar. Resta-me apenas a esperança do vazio, quando tudo se for e o Aleu cair do céu, sem nome.

Ao dizer isso, Lanis escondeu o rosto entre as mãos, e seu corpo foi sacudido por soluços torturantes e silenciosos.

Felitos contemplou a terra abaixo e sentiu uma pequena centelha de esperança. Seis colunas de fumaça subiam do vale. Tyr Matriel se fora, e seis cidades estavam destruídas. Mas isso significava que nem tudo estava perdido. Ainda restava uma cidade...

Apesar de tudo o que acontecera, olhou para Lanis com piedade, e quando falou, foi com tristeza na voz:

— Então, não há esperança? — Pousou a mão no braço do amigo. — Há doçura na vida. Mesmo depois de tudo isso, eu te ajudarei a procurá-la, se quiseres tentar.

— Não — respondeu Lanis, endireitando o corpo com uma dignidade sombria, seu rosto majestoso, embora marcado pela tristeza. — Nada mais é doce. Semearei o sal para que as ervas daninhas da amargura não cresçam.

— Sinto muito — disse Felitos, erguendo-se também. Com voz grave, prosseguiu: — Minha visão nunca falhara, até hoje. Deixei de enxergar a verdade em teu coração. — Respirou fundo e acrescentou: — Por meu próprio olho fui enganado, porém nunca mais... — Ergueu a pedra e cravou a ponta afiada em seu próprio olho. Seu grito ecoou entre as pedras, e ele caiu de joelhos, arfante. — Nunca mais serei tão cego.

Um grande silêncio seguiu, e os grilhões do encantamento se desfizeram em torno de Felitos. Ele lançou a pedra aos pés de Lanis e disse:

— Pelo poder do meu sangue, eu te conecto. Pelo teu próprio nome, sejas amaldiçoado.

Proferiu o extenso nome que estava no coração de Lanis e, ao som dele, o sol escureceu, e o vento arrancou pedras das encostas.

Então, Felitos declarou:

— Esta é minha maldição sobre ti: que teu rosto permaneça eternamente na sombra, negro como as torres derrubadas de minha amada Tyr Matriel. Esta é minha maldição sobre ti: que teu próprio nome se volte contra ti, para que não tenhas paz. Esta é minha maldição sobre ti e sobre todos aqueles que te seguirem. Que ela perdure até o fim do mundo e até que o Aleu caia do céu, sem nome.

Felitos observou as trevas envolverem Lanis. Em pouco tempo, nada restava de seus belos traços, apenas uma vaga impressão do nariz, boca e olhos. Tudo o mais era sombra, negra e contínua.

Depois, Felitos se levantou e disse:

— Venceste-me uma vez pela deslealdade, mas nunca mais. Agora, vejo com mais clareza do que antes, e meu poder está em mim. Não posso matá-lo, mas posso expulsá-lo deste lugar. Vai-te! Tua aparência é ainda mais terrível por eu saber que um dia foste belo.

Mas, ao proferir essas palavras, um amargor invadiu sua boca. Lanis, com o rosto envolto em uma sombra mais negra que uma noite sem estrelas, foi soprado para longe, como fumaça levada pelo vento.

E então, Felitos abaixou a cabeça e derramou lágrimas quentes de sangue sobre a terra.


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