PICCOLO
Todos se sobressaltaram com a repentina partida do jovem misterioso e dispararam até Goku.
— Papai!!! — Gohan foi o primeiro a alcançá-lo.
— O que vocês conversaram?! — indagou Lettie. — Conte-nos, homem!
— Ah… — Goku abanou a mão com desdém. — Não foi nada de mais.
— Fale logo — eu disse. — É importante que eles também saibam.
— Ué, Piccolo?! — Goku virou-se para mim, aflito. — Você ouviu tudo??
— Lógico. Esqueceu que tenho super audição?
— Desembuchem!!! — pediu Bulma, e os outros a acompanharam.
— B-B-B-Bom… — Goku coçou a cabeça. — E-E-Eu… Eu…
— Se tá difícil pra você, eu falo — o interrompi.
— M-M-Mas!!! — gaguejou Goku.
— Fique tranquilo — repliquei. — Não direi nada comprometedor. Mas não é justo que nos matem só porque não treinamos o bastante.
— Como é que é, Piccolo?! — Lettie arregalou os olhos. — Que história é essa de alguém nos matar?
Enfim, contei a todos um resumo da conversa entre Goku e Trunks. Dei meu melhor para ser sucinto e não dar vazão para nenhuma pergunta, especialmente de Lettie. De modo geral, apenas os informei que o garoto veio do futuro avisar que dali três anos, nosso mundo seria ameaçado por dois Androides poderosos, e precisaríamos treinar o máximo possível para não morrermos. Ao indagarem a identidade e o nome do jovem misterioso, respondi que ele preferiu continuar no anonimato e que talvez voltaria no futuro para nos ajudar na luta.
Como era de se esperar, todos ficaram atônitos, mas Yamcha e Bulma não acreditaram quando finalizei meu relato, achando tudo um absurdo, sobretudo a parte da máquina do tempo.
Por mim, eles poderiam agir como quisessem, mas eu não permitiria que meu Inimigo vencesse por uma negligência minha. Se eles não quisessem treinar e se preparar para a chegada dos Androides, problema deles. Eu tinha Lettie, Naíma e Gohan para proteger.
— Você acredita em mim? — perguntei a Lettie enquanto os outros discutiam.
Ela fechou o semblante e cruzou os braços.
— Olha, depois que fui raptada por Raditz, descobri que sou uma alienígena, que existe um dragão concedendo desejos por aí e que ainda existem dinossauros na Terra, deixei qualquer ceticismo de lado faz tempo.
Trocamos um pequeno sorriso de mútua cumplicidade, como sempre fazíamos, e eu soube que poderia contar com ela nesta nova empreitada. Contudo, não precisei dar mais nenhum argumento ao meu favor para os demais, pois um barulho agudo nos alcançou e olhamos para cima, atentos. Flutuando nos céus, Trunks estava dentro de uma pequena nave oval transparente com pés e turbinas amarelas. Era a sua máquina do tempo! Eu tinha certeza!
Bulma e Yamcha arquejaram ao verem suas dúvidas caírem por terra quando, num piscar de olhos, Trunks e sua máquina do tempo emitiram um clarão e desapareceram em pleno ar.
Ninguém disse nada por um minuto inteiro.
— E-Eu… — Tenshinhan quebrou o silêncio, sua voz trêmula. — Eu acho que vou treinar bastante.
Yamcha finalmente se mostrou crédulo e acrescentou que também iria treinar, seguido por Kuririn. Depois disso, Vegeta inquiriu que Goku explicasse como raios ele conseguiu se salvar da explosão de Namekusei. Goku então contou que, de última hora, encontrou uma cápsula em meio a toda lava e fogo que consumia o planeta e conseguiu fugir, deixando Freeza para trás. Após ligar a cápsula, foi parar num planeta estranho chamado Yardrat e foi cuidado pelos seus habitantes.
Pra variar, Vegeta começou a ficar nervoso, alegando que Goku nunca iria para um planeta como aquele e voltar de mãos vazias, e ordenou que ele mostrasse se havia aprendido uma técnica nova, o que de fato aconteceu, como Goku relatou a Trunks em sua conversa particular.
Goku então mostrou sua nova técnica, o Teletransporte, ao colocar dois dedos na testa e sumir por completo. Cinco segundos depois, ele voltou usando os óculos de sol do Mestre Kame, o que deixou todos embasbacados, pois sua ilha ficava a dez mil quilômetros de nossa localização. Vegeta ficou furiosíssimo. Por fim, informei o local onde os Androides apareceriam dali três anos.
— Escutem, aquele que não tiver confiança em si, que nem apareça na batalha — aconselhei. — Estes adversários serão mais terríveis do que tudo o que já enfrentamos. Não será conveniente aparecer alguém que só nos atrapalhe.
— Falou tudo! — Yamcha estufou o peito.
— Ah, não me faça rir, Piccolo! — Vegeta virou-se para mim com um sorriso zombeteiro. — Você diz essas coisas, mas é o que tem menos confiança em si deste grupo.
— Quer descobrir, então?? — retruquei.
Tanto Lettie quanto Goku tentaram apaziguar o conflito; Lettie tocando meu peito para me acalmar e Goku se colocando na frente de Vegeta. Bulma também tentou amenizar a situação dizendo:
— Ei, ei, pessoal! Escutem-me! Por que não pedimos a Shenlong que destrua estes Androides, e assim, evitamos todo esse transtorno?
Todos a encararam, ponderando a sugestão. Um pouco mais calmo pelo toque de Lettie (mas ainda de olho no idiota do Vegeta), expliquei para Bulma como o jovem misterioso informou que tentaram fazer isso em sua linha do tempo, mas não tiveram sucesso, pois o evento era canônico e precisaria acontecer. A única coisa que poderíamos alterar no futuro seria o resultado da luta contra os Androides.
Ela ficou bem chateada com a minha resposta, porém, Kuririn disse:
— Pense por este lado, Bulma: todos aqui eram inimigos no passado. Até eu não gostava do Goku quando nos conhecemos. Mas, sempre que aparece um inimigo forte, nossa única solução é unirmos nossas forças, não importa de onde viemos ou quem somos. Como resultado, sem perceber, acabamos virando amigos. Isso não acontece todo dia.
As palavras de Kuririn me atingiram com mais força do que imaginei. Eu e Lettie nos entreolhamos, provavelmente pensando a mesma coisa: quando nos conhecemos na ilha do Mestre Kame, compartilhávamos de uma profunda aversão um pelo outro. No entanto, ao nos vermos obrigados a nos unir para enfrentar um inimigo em comum, os Saiyajins, toda essa aversão, de uma forma ou de outra, se dissipou.
Hoje, Lettie era a pessoa que eu mais amava.
Também não consegui evitar trocar um olhar gentil com Gohan. Quem diria que o garoto, o qual eu disse que não me importava o que acontecesse com ele quando fora raptado por Raditz, hoje seria como um filho para mim?
— DIGA ISSO POR VOCÊS! — vociferou Vegeta. — Não esperem encontrar nenhuma amizade ou parceria vindo da minha parte! Façam o que bem quiserem, MAS NÃO ATRAPALHEM MEU TREINAMENTO!!! Kakarotto, não se esqueça de que EU sou o Saiyajin mais poderoso! — E saiu disparando pelos céus, trazendo um forte vendaval consigo.
— Tchau, Vegeta! — Acenou Goku como um bobo alegre. — Nos vemos em três anos!
Logo, todos se despediram e ficamos apenas eu, Lettie, Gohan e Goku naquela paisagem desértica.
— PAPAI!!! — Gohan de repente pulou no colo de Goku. — Finalmente posso te abraçar!!!
Observei Lettie assistir, de olhos marejados, aquele reencontro de pai e filho. Também deveria ser muita emoção para ela ver Goku depois de tanto tempo. Parando para pensar, eles nunca tiveram um tempo juntos como irmãos desde que descobriram que compartilhavam do mesmo sangue.
— Posso ganhar um abraço também? — Ela abriu os braços para Goku. — A primeira e última vez que você me abraçou foi na ilha do Mestre Kame, lembra?
Lettie deixou as lágrimas caírem quando Goku lhe deu um abraço de urso, a balançando pra lá e pra cá com grande felicidade e entusiasmo. Gohan também chorava, emocionado ao meu lado, e precisei me conter muito para manter minha pose de durão.
— Puxa, irmãzinha! — Goku a segurou pelos ombros, a analisando de cima a baixo com o uniforme azul que fiz para ela. — Você está muuuuito mais forte do que quando nos conhecemos! Estou impressionado!
— É que fui treinada por um bom Mestre. Ele é ranzinza e bem rabugento, mas dá para tolerar. — Lettie me deu uma piscadela brincalhona e minhas bochechas queimaram.
— Imagino que foi desafiador ser treinada pelo Piccolo. — Goku colocou as mãos na cintura e então, ficou olhando de Lettie para mim e vice-versa por alguns segundos, pensativo. — Olha só! Não é que vocês combinam, mesmo?
— Hã? — Lettie franziu o cenho em confusão. — Do que você está falando?
GOKU, SEU IDIOTA FOFOQUEIRO!!!
— N-N-N-Não é nada! Seu irmão está cansado da viagem, não é?!?! — Dei um tapão nas costas dele (que soltou um sonoro "AI!"). — Por que não voltamos logo para a sua casa? Chi-chi deve estar ansiosa para te ver!
— Sim, acho uma boa ideia… — Goku fez uma careta de dor. — Temos muita conversa para colocar em dia, e quero conhecer logo minha nova sobrinha! Naila é o nome dela, certo?
— É "Naíma", papai! — corrigiu Gohan.
— Ué, como você sabe que tenho uma filha, Goku?
Juro que quase o esbofeteei de novo por não frear sua língua, mas ele conseguiu se safar ao dizer que o jovem misterioso apenas comentou por cima de que sua irmã havia adotado uma bebê por esta época. Lettie não acreditou muito na sua desculpa, mas respondeu de que Naíma com certeza ficaria feliz em conhecer o Tio Goku.
E, de fato, ficou. Naíma gostou muito dele quando voltamos para sua casa e Chi-chi se debulhou em lágrimas após, enfim, reencontrar o marido e abraçá-lo por incontáveis minutos.
Em comemoração, Chi-chi e Lettie fizeram um jantar caprichado. Por um momento, com todos sentados ao redor da mesa, saboreando os diversos pratos e quitutes, tudo pareceu estranhamente… normal.
Durante aqueles minutos de paz e contentamento, a voz do meu Inimigo se calou, e pareceu que eu, Lettie e Naíma éramos só uma família comum na companhia de Goku, sua esposa e filho.
Diante dos meus olhos, mais uma parte do meu sonho se concretizava: uma refeição calorosa entre nossas famílias, como se nada de mal ameaçasse a segurança do nosso mundo.
Após anoitecer, nos despedimos e acompanhei Lettie e Naíma até nossa— digo, sua casa. Naíma já dormia no canguru, agarrada ao uniforme da mãe, quando subimos a varanda de madeira. Após acender as luzes de fora, parada à porta, Lettie virou-se para mim:
— Vamos lá, Piccolo. Desembucha. — Ela curvou os lábios em um sorriso astuto. — Sei que está escondendo algo de mim sobre aquele rapaz. O que ele disse que está te deixando tão nervoso?
Engoli em seco. Eu era tão fácil de ser lido por ela?! E olha que era EU quem tinha as habilidades de ler sentimentos!
Abri e fechei a boca várias vezes, na tentativa de procurar uma alternativa à opção de contar que, no futuro de Trunks, eu e ela assumimos nossos sentimentos, mas deixamos nossa filha órfã ao morrermos na luta contra os Androides.
Foi então que outro assunto importante que Trunks comentou me veio à minha mente. Sim... Aquilo seria chocante o bastante para distraí-la do assunto sobre o desastre em nossa família.
— Tudo bem. Você venceu. Vou te contar. — Limpei a garganta. — O garoto que veio do futuro se chama Trunks, e ele é filho da Bulma com Vegeta.
Lettie arregalou os olhos e ficou pálida. Fez-se silêncio. Então, numa entonação baixa e assustada, ela perguntou:
— S-Será que a Bulma foi... Será que ela f-foi...? — Sua voz sumiu.
Senti um profundo incômodo quando percebi que Lettie, na verdade, queria perguntar se Bulma havia sido estuprada por Vegeta para ter tido um filho com ele. Caramba... Quanto não foi o estrago que esse cara fez no psicológico dela?
Com calma, expliquei que não, Bulma não foi forçada a se deitar com Vegeta para engravidar. Ela fez aquilo de livre e espontânea vontade porque se apaixonou por ele, ao ver como era um cara solitário. Lettie demonstrou profunda aversão ao meu relato, e, honestamente, não a culpo.
— M-Mas… — disse ela. — Esse garoto, esse Trunks, pareceu tão gentil e bondoso quando conversamos. Como, Piccolo, COMO ele pode ser filho do Vegeta?!
— Olha, Lettie… — Pressionei os lábios, pesaroso. — Por incrível que pareça, um filho pode nascer diferente do pai. — Abri os braços e forcei um pequeno sorriso. — Veja o meu caso.
Ela me olhou com muita atenção por longos segundos e, por fim, assentiu com um suspiro cansado.
— Tem razão, Piccolo. Não posso colocar em Trunks uma culpa que ele não carrega. Seria injusto. O pobrezinho já tem muitos problemas para enfrentar em sua linha do tempo. Me desculpe.
— Por favor, não comente isso com ninguém — pedi. — Senão, a existência dele pode ser ameaçada.
— Fique tranquilo. Acho bem improvável que eu veja Bulma nos próximos três anos, muito menos Vegeta. — Ela pausou por um instante e retomou, me olhando com preocupação: — E agora, Piccolo? O que faremos?
— Só nos resta treinar duro pelos próximos três anos. — Suspirei. — Nossos adversários serão muito poderosos.
Poderosos a ponto de matar a todos.
Ficamos em silêncio por um tempo. Lettie afagava as costas de Naíma adormecida no canguru, imersa nos pensamentos. Eu podia ler o medo crescente em seu coração.
— É… Acho que não tenho outra escolha… — sussurrou ela.
— O que quer dizer?
Nossos olhares se sustentaram por um momento, então ela disse:
— Chegou a hora de colocar sua ideia em prática. Vou expandir minha Escola e contratar um professor para me ajudar. Só assim terei tempo livre para treinar pra valer. Não ficarei parada assistindo Androides assassinos ameaçarem a vida da minha filha daqui a três anos. — Um brilho carregado de determinação surgiu em seus olhos.
— E já pensou quem será seu novo professor? — indaguei. — Tem alguém em mente?
— Sim, tenho. — Ela se apoiou no batente da porta.
— Quem é? — Ergui uma sobrancelha. — Não vai me dizer que é o Goku?
— Não, não. — Lettie abanou a mão e suspirou. — Tenho certeza de que minha cunhada adoraria, mas acho que, infelizmente, meu irmão me daria mais trabalho que meus alunos. Sinto que, apesar de ser disciplinado para treinar, ele não é disciplinado para trabalhar. E no momento, preciso de alguém que eu possa contar para trabalhar comigo.
— Pois é. — Ri pelo nariz. — Temo em concordar com você, mas… posso saber o nome do seu novo professor ou é segredo? — Troquei o peso de um pé para o outro, num súbito nervosismo incômodo ao pensar que outro homem começasse a passar seus dias na Escola de Lettie.
— Claro. Você o conhece muito bem. — Ela sorriu. — Chama-se Piccolo.
Travei no lugar.
— O-O que disse?
Lettie então tocou meu braço, ergueu o olhar para mim e disse:
— Quero que você seja o novo professor da minha Escola. Ninguém melhor do que o meu antigo Mestre para este cargo. Você já é de casa, todos os meus alunos o conhecem e gostam de você, especialmente após você fazer um uniforme novo para todos eles. Além disso, eu já te fiz essa proposta há um tempo, lembra? Podemos reprogramar as aulas para que todas sejam no mesmo período e assim nós dois ficamos com tempo para treinar com Goku e Gohan nas horas livres entre as aulas. Posso pagar Chi-chi para cuidar de Naíma enquanto treinamos, tenho certeza de que ela não se importará e ainda vai gostar da renda extra. Ah, e prometo que também te pago um salário decente. — Seu sorriso aumentou. — O que acha?
Eu mal pude acreditar. Lá estava ela, a mulher da minha vida, me ofertando a oportunidade de passar todos os dias na sua companhia com nossa filha, fazendo algo que amo e ainda sobrando tempo para treinarmos com Gohan e Goku.
Parecia bom demais pra ser verdade…
Mas era verdade! Viva e real, bem ali na minha frente.
"Se fizer isso, estará cometendo um grave erro!" ameaçou meu Inimigo.
— Piccolo? — chamou Lettie. — E então?
— Eu…
Não! Não faça isso!
— Eu…
RECUSE!!!
Endireitei minha postura, limpei minha garganta e, finalmente, respondi:
— Está bem, Lettie. Aceito a sua proposta. Serei o seu novo professor.
Obrigada por ler mais um capítulo!
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