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19.44% A Herança Saiyajin e a Solidão do Guerreiro / Chapter 7: Capítulo 06

Capítulo 7: Capítulo 06

PICCOLO

Dizem que nossos limites são testados quando saímos da zona de conforto.

Bom… Estar na presença de Lettie e Gohan não era nada confortável para mim. Era por isso que eu meditava tanto. Para lidar com a ansiedade que eles me causavam.

Iniciamos, ou melhor, reiniciamos o Treinamento no dia após a transformação de Gohan, e acho seguro dizer que, a partir daquela noite a qual os levei para o Acampamento após a insistência de Lettie, fui eu quem sofri a maior transformação.

Não sei dizer ao certo como essa transformação veio; se foi algo repentino ou de um modo gradual que não percebi mudando dentro de mim.

Mas ela veio. De tal maneira que foi impossível contê-la; implacavelmente me consumindo de dentro pra fora, com uma força a qual eu não podia dominar.

Porém, eu era um teimoso obstinado e, por muito tempo, lutei contra.

Era ridículo; eu era Piccolo Júnior, o homem mais forte da Terra, filho do poderoso Piccolo Daimaoh, futuro Conquistador e Dominador do Mundo, e agora, eu era subjugado por algo que eu nem sabia de onde vinha.

Mas, no fundo, eu sabia, sim, qual era a raiz da minha transformação, e seus nomes eram Lettie e Gohan.

Eles conseguiram. Quebraram o meu orgulho em mil pedacinhos.

Posso dizer, com todas as palavras, que testei seus limites, e fui eu quem paguei o preço disso.

Eu, de fato, não tinha nenhuma misericórdia em relação àquele Treinamento. Minha disciplina e ordem eram como um carrasco para a irmã e filho do meu rival, Goku.

É seguro dizer que os dois primeiros meses de Treinamento foram os mais intensos de suas vidas. Após o pedido de carona para subirem ao Acampamento com minha ajuda, não pense que permiti que aquilo se repetisse. Minha regra foi que eles não comeriam mais enquanto não aprendessem a descer e subir aquela formação rochosa pelo menos uma vez.

Pois bem, eles ficaram dois dias sem comer, e quando enfim passaram horas observando um esquilo escalando a formação com tamanha facilidade e foram imitá-lo, Lettie pisou em falso numa pedra e caiu de uma altura de quatro metros, não quebrando um braço por causa do seu poder oculto que aflorou antes de atingir o chão e impedir uma bela fratura exposta. Já Gohan, caiu de uma altura de seis metros, mas foi salvo graças à sua tia, que o pegou lá embaixo aos prantos, e ficaram abraçados por pelo menos dez minutos até se recuperarem do susto.

No final, eles conseguiram. Subiram e desceram a formação rochosa sem se matarem no processo e, quando anunciei que, agora, sim, eles podiam comer, trocaram sorrisos ousados e pediram para eu aguardar.

Eles subiram e desceram mais três vezes seguidas, apenas para provarem seu sucesso. Eu, sem dúvidas, não esperava tal atitude.

Mas a felicidade deles durou pouco. Nos próximos dias, iniciei um treinamento intensivo, o qual nem mesmo os maiores militares da Terra seriam capazes de concluir.

A primeira habilidade que testei neles foi sua resistência corporal e controle do Ki. Eu os fiz correr por horas a fio sob o Sol escaldante daquela região, intercalando a corrida com flexões e agachamentos. Detalhe: sem direito à água. Eu só permitia que bebessem quando um deles caía no chão após desmaiar de esgotamento ou insolação.

Também os fazia erguer pedras e troncos pesadíssimos, e aumentei o peso dos seus uniformes enquanto faziam séries de abdominais, agachamentos, flexões e outros exercícios. 

Os ensinei técnicas de respiração, mergulhando suas cabeças no rio até que se debatessem em desespero por não aguentarem mais segurar o ar. Além de que eu sempre pegava um deles de surpresa e levantava voo a alturas exorbitantes, para aprenderem a não desmaiar com o ar rarefeito, o que muitas vezes falhava e eu retornava ao solo com um corpo molenga e desacordado nos braços.

Fora isso, eu também os acordava de repente no meio da madrugada, aos berros e jogando água gelada neles dentro da barraca, os quais saíam dela aos tropeços, tremendo de frio e numa confusão dormente, só para fazerem sequências de exercícios físicos e alongamentos tão intensos que gritavam de dor pelos músculos distendidos e fatigados.

Tudo isso ligado aos meus ensinamentos para aprenderem a sentir e controlar seu Ki de tal forma a ponto de serem capazes de se aproximar de mim em simulações sem que eu percebesse sua presença.

Entretanto, nada os destruiu mais do que minhas aulas de combate corporal.

Todos os dias, sem exceção, treinávamos rounds de luta; ora eu com um deles ou ora nós três juntos, com Lettie e Gohan contra mim, focando em técnicas de coordenação, agilidade e resistência. E, todos os dias, eu os derrotava com a maior facilidade. Nem mesmo quando se uniam, eram páreos para mim.

Eles apanhavam até desmaiar.

E, quando terminávamos mais um dia de Treinamento e antes de subirem para o Acampamento, eu os ordenava a irem até o rio tomarem banho naquela água gelada, enquanto eu saía para providenciar a comida para o jantar, pois, afinal, eu não era obrigado a ficar aguentando cheiro de suor e lágrimas.

Então, quando por fim escalavam a formação rochosa no entardecer, os dois encontravam os mesmos legumes e verduras, para comerem a mesma sopa, dia, após dia, após dia, e após dia. Se quisessem comer algo diferente ou uma carne, teriam de procurar alimento na região, ou caçar, ou pescar no rio por conta própria.

Contudo, foi no meio de toda a minha impiedade e desdém, que enfim percebi que eu estava os perdendo.

Veja bem, Lettie e Gohan eram de um tipo de personalidade que preferiam ter paz do que ter razão. Apesar de Saiyajins por natureza, tinham um espírito que evitava o conflito. Se um dia existiu dois seres tão parecidos, foram eles. Nunca será necessário realizar um exame de DNA para comprovar que eram do mesmo sangue, pois este atributo era nítido.

Por conta disso, durante todo esse tempo, eles simplesmente acatavam minhas ordens, silenciosos e submissos. Mas, uma aura muito esquisita nos rondava, aos poucos adentrando nosso círculo de convivência.

Gohan se tornou um garoto bem depressivo. Mesmo que ele mostrasse toda a intensidade do seu poder e força durante os exercícios e os rounds de luta, nas horas em que parava para comer e dormir com sua tia, eu via sua feição se transformar por completo, num profundo abatimento que caía sobre ele. E quando nossos olhares se encontravam, eu podia ver o quanto, em seu íntimo, ele ainda achava que eu era um monstro.

Lettie foi um pouco pior. Toda aquele brilho em seus olhos, repleto de vivacidade e empolgação que demonstrou ao saber que ganharia um Mestre para treiná-la, se dissipou. No lugar daquilo, uma mulher fechada, quieta e apática se apresentava todos os dias diante de mim para o Treinamento. Ela falava comigo somente o necessário e, por muitas vezes, a ouvi chorando escondida em algum momento em que se isolou à noite, quando já tinha posto seu sobrinho para dormir. 

Diferente de Gohan, ela nunca me olhava nos olhos e nunca me tocava.

E essas situações só foram se agravando.

Quanto mais agressivo, rígido ou estúpido eu era com eles, mais se distanciavam de mim e menos era sua eficiência no Treinamento. Tinha dias que parecia que eu voltava da estaca zero.

Aquilo me enfurecia a níveis exorbitantes, o que só aumentava minha dureza e grosseria para com eles. No entanto, pior do que isso, foi perceber que seus comportamentos estavam lentamente me causando uma estranha sensação de… constrangimento.

E então, no final do segundo mês de Treinamento, a minha conta pelo que fiz eles passarem chegou.

Era uma tarde nublada, e eu e Lettie estávamos num round de combate corporal numa área aberta, bem longe do Acampamento. Gohan nos assistia sentado no chão, com um olho roxo e inchado de um golpe que levou de mim do round anterior. Praticávamos chutes e, à minha frente, Lettie se posicionava em defesa para o meu golpe.

Porém, tinha algo de errado com ela.

Percebi seu olhar mais vazio e apático do que o costume, até mesmo um pouco disperso. Sua respiração estava trêmula, suas pernas estavam bambas, e também reparei que ela se encurvava para frente, piscando várias vezes para ocultar uma careta de dor.

Como sempre, aquilo me deixou irritado ao extremo.

— QUE PORCARIA DE DEFESA É ESSA?! — vociferei, lhe aplicando um chute na altura da cabeça, o qual ela bloqueou com uma dificuldade fora do normal, fazendo apenas piorar o meu humor.

— Mestre… — Lettie cambaleou para trás. — P-Podemos dar uma pausa, por favor?

Pausa?! — retruquei, lhe aplicando outro golpe, desta vez na altura dos braços, e bloqueado de última hora por ela. — Acha que os Saiyajins te darão uma pausa se você pedir com educação?!

— Sr. Piccolo… — Ouvi um apreensivo Gohan dizer a uma distância. — Acho que a Tia Lettie não está passando bem… Não é melhor mesmo dar uma pausa?

— CALE A BOCA! — Me voltei para Lettie com um semblante raivoso. — Ajeite sua postura e lute direito!

Só deu tempo de eu vê-la arregalar os olhos em pavor antes de eu erguer meu joelho direito, girar meu corpo e lhe dar um chute forte na sua barriga.

Como em câmera lenta, ela caiu no chão, debruçada sobre si, com seus cabelos cobrindo o rosto e tremendo por inteira.

— Tia Lettie! — Gohan correu em nossa direção.

— Argh! — resmunguei e também caminhei a passos firmes até ela. Ao me abaixar, a puxei pelo ombro. — SUA INÚTIL, PARE JÁ DE FRESCURA E–

Pela primeira vez em muito tempo, nossos olhos se encontraram, e paralisei, pois a lágrima silenciosa que Lettie derramou ao olhar suplicante para mim me atingiu como o mais forte dos golpes.

As palavras fugiram da minha boca, e senti um frio na espinha, soltando seu ombro como se tivesse tocado em fogo. 

Gohan nos alcançou.

— Tia Lettie! A senhora está bem? — Assim como ela fazia com ele quando se machucava, Gohan a inspecionou de cima a baixo e arquejou em espanto ao olhar suas pernas. — Oh! Essa, não!

— O que foi?! — Também me pus a inspecionar aquela área e arregalei os olhos quando avistei.

Uma grande mancha de sangue próxima à sua região íntima.

Encarei Lettie, lívido. Ela se encolheu mais no chão, ainda tremendo de dor.

— O-O que houve? — Me surpreendi ao perceber o quanto meu tom de voz saiu baixo e manso, e voltei a tocar seu ombro, mas desta vez, com cuidado.

Lettie desviou o olhar, abraçada a si mesma e batendo os queixos com um súbito calafrio que a acometeu, com os lábios secos e rachados.

— A-Acho que… por conta do… T-Treinamento intenso… não menstruei no mês passado… — Ela engoliu saliva. — E agora… v-veio tudo de uma vez… — Ela então me olhou de novo, com os olhos cheios de lágrimas e esboçando uma expressão de dor. — D-Desculpe…

Foi como se um impiedoso raio me atingisse. Sem nem perceber, neguei com a cabeça, incrédulo de que ela ainda teve a coragem de se desculpar por algo que não tinha controle. Posso ser um ermitão solitário, mas sei como funciona o ciclo da menstruação e, pelo estado de Lettie, deveria estar com fortes cólicas e dores no corpo.

Mas que… Mas que droga, Piccolo!

Pra piorar, Gohan, afagando as costas da tia em aflição, virou-se para mim com seu olho roxo e perguntou com a voz embargada:

— Por que fez isso, Sr. Piccolo? O senhor viu que ela não estava bem e, mesmo assim, continuou dando golpes!

Pela segunda vez, fiquei sem palavras, apenas o fitando, piscando sem parar. Por que eu havia feito aquilo? Por que não parei quando ela pediu? Por que fui tão… insensível?

E, caramba!, agora que me dei conta. Por que não fui em outro mercado buscar a porcaria do absorvente noturno para Lettie, assim eu não a veria ficando vermelha do tanto de vergonha que sentia por seu sangue manchar suas roupas?!

Pressionei os lábios, com uma tensão que percorria todos os meus músculos, e sacudi a cabeça. Eu precisava fazer alguma coisa; tomar uma atitude.

Peguei Lettie em meus braços, como se fosse uma criancinha indefesa. Ela se enrijeceu na hora, provavelmente em aversão por estar tão próxima a mim, e engoli em seco ao senti-la tremer de tanta dor contra o meu corpo. Pedi para Gohan se pendurar nas minhas costas e não soltar, e levantei voo.

De início, pensei em levá-la ao rio próximo ao nosso Acampamento para se banhar, mas, como já disse, a água era muito gelada, o que só agravaria seu mal-estar. 

Não. Ela precisava de água quente, e eu conhecia o lugar perfeito para isso.

Voei por alguns minutos, carregando os dois. Agarrado a mim, Gohan espiava sua tia por cima do meu ombro, emitindo um leve chorinho que adentrava meus ouvidos como uma faca. Não porque doía meus tímpanos sensíveis, mas porque doía meu peito. Lettie, por outro lado, estava muito branca, e se encolheu, mordendo os lábios, num momento em que uma forte cólica a atingiu.

Acelerei meu voo. Minutos depois, chegamos onde eu queria.

Quando pousei no chão coberto por uma grama macia, vislumbrei a paisagem ao nosso redor. Diversas piscinas naturais com águas termais se espalhavam por aquela região, uma próxima a outra em cadeias. Um vapor quente saía das águas, límpidas num azul-celeste. Uma vegetação verde circundava toda a área e, no centro, um pequeno lago com uma cachoeira ao fundo delicadamente banhava as piscinas menores.

Devagar, coloquei Lettie de pé, enquanto Gohan pulava das minhas costas, boquiaberto ao ser arrebatado pela beleza daquele lugar.

— Uau… — Ouvi Lettie sussurrar ao contemplar as águas, as árvores, o calor, a atmosfera e a estética daquele cenário que parecia saído de um sonho de fantasia, Ela então esboçou um pequeno sorriso cansado, e senti um alívio ao ver que a trouxe para o lugar certo.

Mas eu ainda não deveria ficar de todo aliviado.

— Vá, você precisa se lavar. — Indiquei o lago com a mão. — Não se preocupe com suas roupas. Eu faço uma nova.

Ainda pálida e encurvada sobre si, Lettie apenas assentiu, indo até a orla do lago, e começou a tirar o kimono com a ajuda de Gohan. No entanto, ela parou e olhou para mim com o rosto corado em acanhamento.

— Não me importo em te ver nua, se esta é a sua preocupação. — Fiz uma careta impaciente e cruzei os braços, enquanto seu sobrinho a ajudava a tirar as botas pesadas.

— Pode deixar, querido — ela murmurou com um sorriso para ele. — Consigo tirar o resto. Vá descansar ali perto do Sr. Piccolo.

Gohan caminhou tristonho até o meu lado e se sentou no chão, soltando um longo suspiro cansado e emitindo soluços baixinhos do choro que tentava conter. Decidi me sentar com ele, porém, no momento em que pensei em me abaixar, tive minha segunda paralisia ao contemplar o corpo de Lettie, de costas para nós na beira do lago.

Nunca me esquecerei de tal visão. Ela me assombra até hoje.

Desde o seu pescoço, descendo pelas suas costas, coxas e batatas da perna, hematomas roxos, vermelhos e esverdeados cobriam o seu corpo. Além de cortes em fases de cicatrização aparecendo aqui e ali. Todo o comprimento de sua coluna vertebral era marcado por manchas avermelhadas, causadas pelo impacto de algum exercício e, no final dela, vi uma grande cicatriz do que, supus, era antes a sua cauda. Para completar aquele terrível quadro, diversos filetes de sangue escorriam pelas suas pernas até mancharem a grama sob seus pés.

Espere… Todos esses hematomas e ferimentos… foram causados… por mim? Por Gohan é que não foi. Ele ainda não era forte o bastante para tamanho estrago.

Ao olhar para o corpo praticamente destroçado de Lettie e, logo em seguida, para Gohan, sentadinho ao meu lado com seu olho roxo e inchado, derramando lágrimas silenciosas ao também contemplar o estado mórbido de sua tia, foi como se escamas caíssem dos meus olhos, e pude ver a atrocidade do que fiz.

Uma Voz grave e repleta de autoridade repreendeu meu coração e, pela primeira vez na minha vida, senti um genuíno e assombroso temor, e um manto carregado da mais agressiva culpa caiu sobre mim, mil vezes mais pesado do que as grandes ombreiras da minha capa.

Cheguei a uma apavorante conclusão: eu não havia passado dois meses treinando dois aprendizes Saiyajins até o limite de suas forças. Eu havia passado dois meses agredindo e maltratando uma mulher e uma criança.

MAS QUE DROGA, PICCOLO!!!

Lettie já havia adentrado no lago até a altura dos joelhos e então, parou, abraçada a si mesma e se encolhendo.

Um grande coágulo de sangue escorreu de sua perna até cair na água e se espalhou; a cor vermelha se destacando no tom azulado.

Meu coração se turbou de tal maneira que, de modo inconsciente, agarrei minha roupa na região do peito.

Lettie se mostrava muito tímida e retesada por estar naquela posição diante do seu Mestre, evitando o meu olhar a qualquer custo, e logo mergulhou todo o seu corpo no lago, deixando apenas seu nariz, olhos e topo da cabeça para fora; com seus cabelos curtos flutuando acima das águas.

Ela ficou lá, mergulhada naquela mesma posição. Quando menos percebi, eu sacudia a cabeça sem parar, em completo estado de negação, assustado comigo mesmo quando todos aqueles sentimentos e sensações me atingiram com um aperto doloroso que vinha do meu âmago.

O que foi que eu fiz?

Um tempo depois, Lettie saiu do lago, vermelha pela água quente ou pela vergonha que sentia, ainda abraçada a si mesma para cobrir os seios, e voltou a tremer ao ser atingida por uma brisa gelada que passou por ela. Quando me dei conta, eu havia tirado minhas ombreiras e rasgado o tecido branco que formava minha capa e disparado até ela para cobri-la.

— Me esperem aqui. — E levantei voo. Nem para enfrentar Raditz voei tão rápido quanto voei para retornar ao Acampamento e pegar um absorvente novo para Lettie. Em cinco minutos, eu estava de volta às Águas Termais, onde ela terminava de se secar com a minha capa, com Gohan lhe dando apoio. Estendi a mão e lhe entreguei o absorvente. — Aqui. Agora, fique parada, que te farei uma roupa nova.

Devagar, ela embolou a capa e a colocou na grama, e se pôs a minha frente na mesma postura acanhada, evitando qualquer contato visual.

Inspirei fundo, ergui minhas mãos no ar e, no segundo seguinte, um pijama de moletom cinza, do modelo mais confortável e quentinho que consegui imaginar, cobriu seu corpo machucado.

Por uns três segundos, Lettie me olhou esboçando surpresa, mas logo, baixou a cabeça, a acenando de leve em agradecimento.

— Com licença. — Ela se retirou para trás de um arbusto para colocar o absorvente, me deixando ali parado numa inquietação e na companhia de um Gohan ainda bem abatido. Quando ela caminhou a passos lentos de volta até nós, massageando a região do seu ventre, foi até seu sobrinho e o tomou pela mão.

— Venha, vamos para o Acampamento. Vou preparar sua sopa.

Eu ouvi direito?

— Ei! — Estendi minha mão na direção deles, confuso. — O Acampamento fica a dezenas de quilômetros daqui.

Devagar, Lettie se virou para me encarar com um olhar frio.

— Você já nos fez andar dezenas de quilômetros antes, e não morremos.

Me enrijeci ao sentir uma súbita náusea.

— M-Mas — gaguejei —, vocês nem sabem onde estão.

— É só nos apontar a direção do Acampamento — respondeu ela. — Uma hora, a gente chega lá. — E me deu as costas, voltando a caminhar com seu sobrinho a passos lentos e cansados. Gohan me deu uma rápida olhada triste, mas logo virou-se para frente para acompanhar a tia.

Fiquei ali, sozinho, com meu espírito num estado completamente oposto à calmaria da natureza que me cercava.

Espera, espera, espera! Lettie queria mesmo caminhar todo o percurso de volta até o Acampamento e ainda fazer a janta?!

Nem morto!

Sem pensar duas vezes, os sobressaltei ao tomá–los em meus braços para eu mesmo os levar até o Acampamento. Lettie aceitou minha ajuda em silêncio, e não disse mais nada durante todo o percurso.

Ao chegarmos no Acampamento, coloquei os dois no chão.

— Venha, você precisa deitar. — Guiei Lettie pela cintura e pelo braço até a barraca. Gohan a amparava segurando sua mão e a olhando com preocupação e ansiedade.

— Preciso… — ela murmurou ao sentir mais uma cólica. — Preciso preparar a sopa…

— Deixa isso comigo. Sua tarefa agora é dormir.

Lettie fez uma careta, mas não soube dizer se fora de dor ou não, e se abaixou para entrar na barraca. Em seguida, deitou no colchão e se cobriu.

— Procure descansar, está bem? — A observei da entrada da barraca, e ela não me respondeu. Das duas, uma; ou ela já havia caído no sono de extrema exaustão, ou não queria falar comigo. Ambas opções eram desagradáveis e, no fim, só me restou fechar a barraca e deixá-la em paz.

Um grande silêncio de repente tomou aquele fim de tarde nublado e cinzento no Acampamento.

— Sr. Piccolo — chamou Gohan, baixinho —, a Tia Lettie vai ficar bem?

Engoli em seco.

— Espero que sim. Vou garantir que isso aconteça.

— Que bom… — Ele fungou. — Nós vamos continuar o Tleinamento hoje?

— Não, Gohan, pode ir descansar.

— Ufa, ainda bem… — E andou com os ombros caídos até a fogueira apagada, sentando-se no chão e mexendo nas pedras com uma expressão vazia, mas logo demonstrando dor ao esfregar o dorso da mão no rosto imundo de suor e lágrimas, e acabar acertando seu olho roxo.

Nunca senti tanto constrangimento em toda a minha vida. Tive vontade de sumir, mas, quem ficaria lá para cuidar deles se eu fosse embora? Então, só me restou a opção de, outra vez, ficar parado, esfregando as mãos nas laterais do corpo, franzindo tanto minha testa a ponto de sentir dor de cabeça.

Quando direcionei meu olhar para Gohan, meu coração apertou ainda mais com uma profunda melancolia que me invadiu. Ao analisá-lo ali, sozinho e brincando apático com as pedras, eu o vi como verdadeiramente era: uma criança. Uma criança de quatro anos. Até seus trejeitos, modo de andar e o fato de também trocar algumas letras denunciavam que era um serzinho ainda na primeira infância. Poxa vida, ele ainda chupava o dedo quando dormia!

E lá estava ele; espancado por mim, um homem feito.

Fechei meu semblante e fui até ele.

— Venha, Gohan. — O peguei no colo. — Você também precisa se lavar.

Dar um banho nele não contribuiu em nada com o meu estado emocional. Na verdade, piorou ao constatar que, quando o despi lá nas Águas Termais, vi que ele tinha os mesmos hematomas e ferimentos que Lettie.

O que foi que eu fiz?

E a resposta veio, castigando minha alma dura e penosamente: eu havia deixado uma mulher e uma criança não só com o olho, mas todo o corpo roxo e machucado, e a única conclusão que cheguei foi que, talvez, eu fosse mesmo um monstro.

Gohan estava muito sonolento e quis ficar no meu colo enquanto eu lhe dava banho numa das piscinas naturais. Certo momento, ele deitou a cabeça em meu ombro, agarrando minha roupa, e disse, baixinho:

— Sr. Piccolo, por favor, não seja mal comigo e com a Tia Lettie…

Um grande nó se formou em minha garganta. Gohan era tão pequeno, tão minúsculo; menor que o comprimento do meu braço.

De repente, me recordei das palavras que Lettie me disse no primeiro dia do nosso Treinamento, quando fui jogar Gohan contra o paredão rochoso para ver seu poder oculto: "Mestre, por favor! Não faça nada que vá se arrepender depois!"

Então, aquela era a sensação do arrependimento? Uma espada de dois gumes dilacerando meu coração, pagando com a mesma dor que os afligi?

E agora? Como eu fazia aquela dor passar?

Era tão, tão impiedosa e avassaladora…

Foi aí que, sem nem mesmo pensar, abracei Gohan.

Não sei o porquê fiz aquilo, mas o abracei, e não sei por quanto tempo fiquei ali com ele, meio mergulhado naquela piscina, rodeado por um calor que não vinha das águas, mas que vinha de Gohan.

Quando o olhei, deitado em meu peito, ele havia adormecido. Também o vesti com o mesmo pijama confortável e quentinho, e voltei para o Acampamento. Em silêncio, o coloquei com cuidado ao lado de Lettie na barraca.

Observei os dois dormirem por vários e vários minutos, com minha mente num turbilhão ao relembrar dos últimos dois meses, e uma lágrima quente, pesada e acusadora escorreu pela lateral do meu rosto.

Os mesmos questionamentos que tive mais cedo me circundaram: por que eu havia os tratado daquela maneira? Por que fui tão agressivo, rígido ou estúpido? Por que eu achava que demonstrar um tratamento severo para com eles era a única e melhor forma de treiná-los para a ameaça dos Saiyajins?

De onde vinha tanta amargura, raiva, ira e palavras ásperas dentro de mim?

De onde vinha tanta… maldade?

Talvez, eu sabia de onde vinha e de quem eu herdara aquilo, mas me recusava a admitir.

— Piccolo, o que você está fazendo? — sussurrei para mim mesmo.

Como tive a ousadia de colocar uma mulher e uma criança para lutarem contra guerreiros tão poderosos daqui a dez meses? Apesar de serem Saiyajins, a realidade era essa e nada mais: Lettie e Gohan eram, sim, uma mulher e uma criança, sem nenhum treinamento eficiente prévio além do que eu aplicava agora, e o qual também se mostrava ridiculamente insatisfatório e, acima de tudo, perigoso.

Que loucura era aquela? A que ponto chegaríamos se continuássemos naquele ritmo?

Não. Aquilo precisava mudar. Mas, o que podíamos fazer contra uma ameaça tão forte vindo ao encontro do nosso planeta?

Só me restava uma opção: me agarrar à esperança de que Lettie e Gohan iriam conseguir; iriam finalizar o Treinamento. Mas, algumas mudanças teriam de ser feitas. Eu não podia, de maneira alguma, continuar do jeito que estávamos, senão, meus métodos de ensino acabariam com suas vidas antes dos próprios Saiyajins.

Além de que eu poderia contar que tanto Mestre Kame e Kami-sama estivessem bolando um plano ou aplicando algum treinamento nos outros guerreiros — Kuririn, Yamcha, Tenshinhan e Chaos.

Fora o que talvez seria a nossa melhor chance: Goku. Algo dentro de mim dizia que, onde quer que estivesse, estava se preparando para aquela inevitável batalha.

Decerto não estaríamos sozinhos nesta empreitada em defesa da Terra.

Sim. Era isso o que faríamos. Eu, Lettie e Gohan daríamos o nosso melhor, da maneira mais eficiente e, sobretudo, segura possível. Quanto aos outros, cabia a cada um deles fazer a sua parte.

Após aquela reflexão, me pus a fazer o jantar. Enquanto os legumes cozinhavam no caldo, peguei um pouco do dinheiro de Lettie e voei até uma farmácia para comprar analgésicos e uma bolsa para colocar água quente. Ao retornar, finalizei a sopa, coloquei em duas cumbucas, e levei tudo para os dois na barraca, me agachando na abertura.

Quando chamei seus nomes para acordá-los, ambos levantaram num sobressalto e com uma feição assustada, murmurando frases como "Sim, Mestre!" ou "Sim, Sr. Piccolo!", já querendo se levantar do colchão, mas não conseguindo, tamanha dor em seus corpos sentiam.

Fiquei terrivelmente abatido. Então era essa a primeira reação que tinham ao me ouvirem chamá-los? Medo?

Os acalmei, garantindo de que eu estava ali para alimentá-los, e não para fazê-los pagarem as quinhentas flexões que havia pedido no primeiro dia de Treinamento. Lettie ficou surpresa quando lhe entreguei os analgésicos com a bolsa d'água quente e uma cumbuca de sopa para ela, e outra para Gohan.

— Obrigada… — ela murmurou, ainda sem me olhar nos olhos, e tomou os remédios, colocou a bosa d'água debaixo da roupa e pegou sua cumbuca.

Ficamos os três ali, num silêncio pesado e constrangedor enquanto eles tomavam sua sopa. Gohan me olhava de soslaio de vez em quando, se escondendo sob seu olho roxo. Já Lettie, se escondia sob suas franjas desgrenhadas.

Abri e fechei minha boca por diversas vezes, na tentativa de dizer algo, mas falhei em todas. Até que, enfim, parei, me recompus, respirei fundo e engoli o meu orgulho.

Desde que nos conhecemos, eu havia percebido que Lettie gostava de tocar nas pessoas para demonstrar suas emoções e sentimentos, por isso, toquei sua canela por cima do cobertor. Ela se tensionou por um instante, parando de comer a sopa e fitando minha mão. No entanto, ao perceber que eu a tocava de um modo delicado, relaxou um pouco, mas ainda em alerta.

— Lettie — eu disse —, olhe para mim.

Ela assim o fez. Seus olhos estavam vermelhos e inchados.

Meu peito estremeceu, mas eu não iria parar agora. Então, a olhei profundamente e disse algo que nunca, jamais em minha vida, imaginei que diria a alguém:

— Eu errei. Por favor, me perdoem.

Lettie me encarou, atônita, por longos, angustiantes e dolorosos segundos.

Até que, enfim, ela me respondeu; não com palavras, mas com o brilho repleto de vida que outrora habitara em seus olhos, e que voltou a iluminá-los.


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