LETTIE
— ACORDEM, SEUS LIXOS PREGUIÇOSOS!!!!!!!!!!
Levantei num sobressalto quando Piccolo nos acordou à base de uma enxurrada d'água do rio, e tive a impressão de que, um dia, aquele homem ainda acabaria nos afogando.
Trêmulos, eu e Gohan nos pusemos de pé à sua frente, quase batendo continência, e Piccolo de fato nos olhava com uma verdadeira feição carrancuda de um General de guerra.
— Dupla de dorminhocos incompetentes! — esbravejou ele, de braços cruzados ao nos analisar de cima a baixo, pra variar. — Como esperam ter algum resultado se a única coisa que fazem é dormir?!
Eu e meu sobrinho ainda nos recuperávamos do susto, naquele típico torpor confuso e mal-estar quando somos acordados assim tão de repente. Eu quase lhe respondi umas poucas e boas, mas aí, lembrei de tudo o que aconteceu no dia anterior; de como ele salvou nossas vidas das leoas e de que ele agora era o nosso treinador oficial.
— B-Bom dia, Mestre! — Dei meu melhor para soar confiante.
— Bom dia, Sr. Piccolo — completou Gohan, se inclinando numa reverência e quase caindo para frente.
— BOM DIA O ESCAMBAU! — retrucou ele, ríspido. Então, se conteve; as narinas inflando conforme acalmava sua respiração. — Hoje, se inicia o Treinamento com o objetivo de enfrentarmos os Saiyajins que chegarão à Terra dentro de um ano. Espero disciplina, ordem e obediência. E, caso estas regras não forem cumpridas, pagarão o preço.
— Sim, senhor! — respondemos de prontidão. Por que eu tinha a impressão de que aquilo estava mais parecendo um Treinamento Militar?
Confirmando meus pensamentos, Piccolo disse:
— Sua primeira tarefa do Treinamento é… Apresentem-se! Digam algo sobre vocês que me impressione. Vamos ver se, o que vocês têm de potencial de força, também têm de potencial criativo. Se eu não gostar do que disserem, pagarão quinhentas flexões, aqui e agora!
— M-Mas, nem tomamos café-da-manhã! — replicou um desesperado Gohan. Pensei o mesmo, mas não tive coragem de dizer.
— Problema seu, moleque! Inclusive, não quero nenhuma exigência em relação à sua alimentação. Já me bastam as inutilidades que me pediram ontem. — Ele me lançou um olhar reprovador. — Irão comer o que EU escolher, e quando EU decidir.
Engolimos em seco, e nossos estômagos roncaram alto para completar nossa humilhante situação.
— Tia Lettie… — sussurrou ele, com os olhos marejados para mim. — A senhora pode falar primeiro?
Me pus a pensar. O que raios Piccolo queria que disséssemos como apresentação?! Será que gostaria que contássemos algum grande feito que já fizemos? Eu poderia falar sobre minhas vitórias nas arenas clandestinas… Mas, e Gohan? Falaria quantas notas dez tirou nos simulados em seus estudos com a Chi-chi?
Foi aí que me lembrei do tapa que dei na cara de Piccolo no dia anterior.
Era isso! Eu deveria surpreendê-lo, igual fiz com aquele tapa!
Precisava dizer algo tão absurdo sobre mim, que o deixaria num estado de confusão, e então talvez poderia enfim nos dar um café-da-manhã decente!
Arrumei minha postura, adquiri um semblante sério e declarei a plenos pulmões como um verdadeiro soldado:
— SOU LETTIE, FUTURA MELHOR GUERREIRA SAIYAJIN QUE ESTE UNIVERSO JÁ VIU. ATRAVESSEI O OCEANO CINCO VEZES A NADO CACHORRINHO E MATEI TRÊS TUBARÕES AFOGADOS. AQUELA QUE NÃO PAGA FLEXÕES, E SIM, EMPURRA A TERRA PARA BAIXO! TUDO PELA MISSÃOOOOOOO!!!!
Meu sobrinho foi esperto o bastante para sacar o que fiz, e completou:
— MEU NOME É SON GOHAN, FILHO DO HOMEM MAIS FORTE DO MUNDO, SON GOKU, O IMORRÍVEL! SOU AQUELE QUE DEU UM TAPA NA TERRA E ATÉ HOJE ELA GIRA. INTEGLANTE DA EQUIPE MAIS ALEATÓRIA DAS GALÁXIAS E FÃ NÚMERO UM DOS SUSHIS DA MAMÃE! VAI TIMEEEEEEE!!!!!!!
Quando terminamos, Piccolo estava embasbacado, com a boca entreaberta.
Funcionou?? Deu certo?? Tomaríamos café-da-manhã??
Piccolo nos analisou por um tempo, até que parou o olhar em mim, e senti uma leve onda de náusea. Será que fiz besteira?
— Lettie, sua apresentação foi razoável, mas passou. — Ele então voltou-se para Gohan com um sorriso sádico, o que o fez perder a cor. — Agora, você, seu pirralho mimado, como ousa dizer que seu pai é o homem mais forte do mundo? SOU EU O HOMEM MAIS FORTE DO MUNDO!
Dito isso, ele levantou Gohan pelo colarinho do novo macacão de luta e andou a passos rápidos para uma extensa área aberta além do amontoado de árvores. Eu nem tive tempo de pensar, apenas saí correndo atrás deles, tropeçando em meus pés devido aos pesos do meu novo uniforme e os chamando feito louca enquanto testemunhava meu sobrinho balançar as perninhas em desespero a quase dois metros do chão.
— O QUE VOCÊ VAI FAZER, SR. PICCOLO?!?! — perguntou ele aos prantos.
— Quero ver se você é mesmo o filho de Goku.
— Espera! — Ofeguei ao alcançá-los. — Mestre, por favor! Não faça nada que vá se arrepender depois!
— Me arrepender?! — Piccolo riu com gosto. — Isso vai ser é divertido! — Ele olhou sério Gohan. — Está vendo aquele paredão rochoso ali adiante? Pois bem, vou te jogar lá e quero que você o destrua com o seu poder oculto. Se vira.
— O quê?! — disse Gohan.
— O quê?! — disse eu.
— VAAAAAAAAAAAI!!!! — E Piccolo o jogou como uma bola de um jogo de queimada.
— NÃOOOOOOO!!!!!!!!! — gritou Gohan.
— NÃOOOOOOO!!!!!!!!! — gritou eu.
— HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!! — Riu Piccolo.
Caí de joelhos no chão, arrancando meus cabelos ao esgoelar pelo nome do meu sobrinho enquanto ele voava pelos ares em direção à morte certa.
Chi-chi iria me matar!!! Esqueça os dois Saiyajins!!! Minha morte viria pelas mãos da minha cunhada depois daquilo!
Levantei-me num pulo e comecei a esbofetear Piccolo. Nada de socos, chutes ou golpes calculados como fiz com Raditz. Eu o bati como uma mulherzinha histérica mesmo e, em resposta, ele ria cada vez mais alto.
— SEU MALUCO!!! IDIOTA!!! — Lhe dei um tapa no braço, nas costas e no pescoço. — ELE É SÓ UMA CRIANÇA! O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?!
— Ai! HAHAHAHA! — Piccolo se desviava de mim como se eu fosse uma mosquinha inconveniente. — Ai, Lettie! HAHAHAHA! — Ele então conteve meus braços e apontou para Gohan. — Quer parar com isso?! Olha só pra ele, preste atenção!
Lívida, fui obrigada a olhar na direção do meu sobrinho, que ainda gritava a caminho do paredão rochoso.
Porém, algo muito estranho aconteceu, e paralisei.
Uma aura brilhante circundou Gohan. Ele esticou os braços para frente, e um forte raio de luz azul saiu dele.
BUMMMMMMM!!!!!!!!!!!! — Sucedeu-se uma explosão, estilhaçando a rocha em pedaços.
Eu e Piccolo tivemos que nos encolher e fechar os olhos com o tamanho da claridade que nos inundou. Um vendaval com a força de um furacão nos atingiu e, por pouco, não saí voando, se ele não tivesse me segurado pelo pé.
Quando abrimos os olhos, nós dois arquejamos em estupefação.
Gohan estava sentadinho na grama a alguns metros adiante, intacto. À sua frente, se estendia um gigantesco rastro de destruição do que antes fora o paredão rochoso, e agora era o mais completo… nada.
— GOHAN!!! — Disparei até o menino, me ajoelhando ao seu lado e o inspecionando de cima a baixo, temerosa de encontrar algum osso quebrado ou algo pior e perguntando se estava bem.
Mas meu sobrinho estava em perfeito estado; apenas com sua nova roupa meio empoeirada, e um pouco confuso, como se nem ele entendesse o que havia acontecido consigo.
— E-Eu… — gaguejou ele, fitando à frente. — E-Eu fiz isso?
— Acho que já tenho a prova de que você é mesmo filho de Goku. — Piccolo se aproximou, se mostrando muito satisfeito. — Admito que estou surpreso, Gohan. Nunca imaginei tamanho poder vindo de alguém tão pequeno. — Ele virou-se para mim, ainda abaixada no chão. — Sua vez, Lettie. Escolha uma pedra para eu também te jogar.
— NEM PENSAR! — Me ergui num súbito, tomando distância (não sem puxar Gohan comigo). — A-Acho que já chega de testes de força por hoje!
— Tá, sua estraga-prazeres... — Piccolo estalou a língua, impaciente. — Pelo menos, pude comprovar minha teoria. Gohan consegue tirar todo o seu poder oculto quando expressa o máximo de suas emoções. Mas, só faz isso por alguns segundos. Desse jeito, não vencerá os Saiyajins.
Eu e meu sobrinho trocamos olhares aflitos e desanimados. Entretanto, mesmo ainda alterada pelo susto que levei, não pude deixar de concordar com as palavras de Piccolo. Como Gohan era poderoso! Só que, de fato, ele precisaria aprender a dominar suas emoções para usar sua força com sabedoria e eficiência.
O que me fez perguntar: será que eu também tinha algum poder oculto?
Só o tempo e o Treinamento de Piccolo me responderiam.
Eu e Gohan sentimos que agora podíamos nos aproximar dele de novo sem a ameaça de sermos tacados numa parede próxima.
— Bom! Chega de papo furado e enrolações! — Piccolo endireitou-se, nos olhando severamente, e nos alinhamos diante dele como dois soldadinhos igual minutos atrás. — Estão vendo aquela outra formação rochosa ali adiante? NÃO, eu não vou jogar vocês lá, parem de escândalo! Silêncio, estou falando! Muito bem… Ali, no topo daquela formação, está o nosso Acampamento. E, lá em cima, preparei um belíssimo banquete pra vocês dois. — Ele abriu um sorriso astuto quando nos viu comemorar em alegria. — Sua segunda tarefa do Treinamento é… ESCALEM AQUELA FORMAÇÃO!
Foi como se Gohan e eu fôssemos atingidos por uma onda d'água gelada.
— M-Mas aquela formação tem uns oito metros de altura! — repliquei. — Como você acha que eu e uma criança de quatro anos vamos conseguir subir?!
Piccolo se aproximou e se inclinou até ficar cara a cara comigo.
— Olhe ao redor e observe, pequena Lettie. Sei que deve existir algum resquício de inteligência em você.
Fiz uma careta emburrada, mas sem tirar os olhos dele, o qual ainda esboçava um sorrisinho. Agora que estava tão próximo a mim, notei que Piccolo possuía um aroma amadeirado e terroso, com leves notas herbais e um toque doce, bem condizente com a paisagem ao nosso redor. Por incrível que pareça, era bem agradável, para um cara que vivia isolado da sociedade no meio deste fim de mundo.
Fechei os olhos, respirando fundo ao me lembrar que, agora, minha posição naquela equipe era a de uma simples… aluna. Se eu continuasse com muitas exigências, corríamos o perigo de Piccolo nos abandonar de vez.
— Sim, Mestre — respondi, por fim, sentindo, por outra vez, o peso das munhequeiras, cinto e botas do meu uniforme novo. Virei-me para o meu sobrinho numa postura metida: — Mas há um porém. Gohan, faça o favor e diga ao Sr. Piccolo de que eu não sou tããão pequena assim. Sou da mesma altura do seu pai e–
Piccolo havia desaparecido.
Escafedeu-se sem deixar nenhum rastro.
E lá estávamos eu e Gohan de novo, sozinhos no meio da natureza selvagem.
Tivemos um PÉSSIMO dia, muito obrigada. Antes de explorarmos a formação rochosa que seria nosso Acampamento, achei melhor alimentar meu sobrinho com alguma coisa; qualquer coisa que tivesse naquele lugar. Gohan já estava ficando com um semblante abatido de tanta fome, e eu também já estava meio irritadiça, pois aquela típica dor de estômago de quando estamos famintos me despertava lembranças do meu passado das quais não eram nada agradáveis.
Decidimos primeiro retornar ao rio para nos hidratarmos, pois o dia estava quente e com pouca brisa. Porém, quando chegamos lá, quase esbarramos numa alcateia de lobos bebendo água com seus filhotes, e disparamos atrás de algumas moitas para nos escondermos até eles se satisfazerem e irem embora. Ainda bem que eles não nos viram e conseguimos ir até o rio em segurança.
Depois, andamos pelas árvores que circundavam aquela área para vermos se encontrávamos algumas frutas. Se Piccolo tinha nos dado duas delas na noite anterior, então só significava que havia árvores frutíferas pela região.
Imagine nossa felicidade quando encontramos uma linda macieira num determinado ponto. No entanto, era uma árvore muito alta e complicada de ser escalada, então, tivemos a ideia de colocar Gohan nos meus ombros, e ele alcançá-las para nós.
No momento em que ele tocou uma das maçãs, uma cobra de no mínimo um metro de comprimento escorregou pelos galhos, diretamente pelos seus braços, até cair no meio da minha cara com sua textura gelada.
Dei um berro tão alto, que pássaros levantaram voo das árvores, Gohan caiu estatelado no chão, e a cobra saiu rastejando até um buraco em meio a folhas secas.
Sem brincadeira, fiquei mais de dez minutos tremendo e ofegante, deitada em posição fetal, ainda arrepiada por ter sentido a cobra em meu rosto, com Gohan me consolando e garantindo que ela já tinha ido embora.
No fim, conseguimos pegar as maçãs. Estavam todas bichadas e azedas.
Devastados, caminhamos até o pé da formação onde seria o nosso Acampamento, e senti como se o peso daquelas rochas caíssem sobre minhas costas em forma de desânimo e desolação.
"Olhe ao redor e observe, pequena Lettie."
Pois bem, olhamos ao redor, na vã esperança de que, quem sabe, Piccolo não tivesse tido um pingo de compaixão e deixado um kit de rapel jogado por ali, mas não. Estávamos, como desde que chegamos lá, cercados pelo absoluto nada.
Teríamos de subir aquelas rochas na força bruta.
Isso era loucura… Só poderia ser!
O Sol já despontava no alto, castigando com seu calor, quando eu e Gohan desistimos de subir aquela joça. Nossas mãos sangravam pelas tentativas inúteis de escalar as rochas, nossos músculos gritavam por um descanso, sobretudo com os pesos de nossos uniformes, e, pra completar, nossos estômagos já estavam definhando.
Sentei no chão, com as costas apoiadas nas rochas e Gohan deitado em meu colo com um olhar vago e distante enquanto eu acariciava seus cabelos. Ele logo pegou no sono, e não nego que meus olhos também ficaram pesados.
— Mestre… — balbuciei, parecendo uma bêbada na sarjeta. — Por que está fazendo isso conosco?
Silêncio. Nenhuma resposta.
Fechei os olhos por um momento e foquei minha audição para o som da natureza ao redor. Ouvi o som da água correndo no rio ao longe, do farfalhar das folhas das árvores, de alguns insetos nas moitas ao redor…
Até que escutei um chiadinho perto de mim. Quando abri meus olhos cansados, avistei um esquilo ali próximo à formação, farejando a grama com suas bochechas cheias de comida. Sorri para mim mesma, porque era um esquilo muito fofo, e quase acordei Gohan para também vê-lo, mas ele estava dormindo tão profundamente, que achei melhor não.
Fiquei observando o esquilo e, de repente, levei um susto. Como um raiozinho marrom e peludo, ele escalou a formação rochosa com impressionante rapidez e facilidade. Não demorou um minuto e ele chegou no topo do que era o nosso Acampamento. Talvez ele havia farejado o banquete que Piccolo preparou lá em cima.
Analisei por alguns minutos o trajeto percorrido pelo esquilo. Ele parecia ter selecionado algumas rochas em específico para subir e escalar; rochas menos perigosas e escorregadias, e cheguei à conclusão de que um esquilo era mais esperto do que uma Saiyajin adulta e um meio-Saiyajin-criança juntos.
Estreitei e cobri os olhos para enxergar a parte superior da formação rochosa, protegendo-os do Sol escaldante. No entanto, de um segundo para o outro, uma grande sombra nos cobriu. Achei estranho, pois não tinha nenhuma nuvem no céu.
Então, algo gosmento e viscoso caiu no meu ombro, e por um instante, achei que fosse a cobra de novo. Contudo, quando levantei a cabeça para verificar a origem daquela coisa nojenta, meu estômago afundou.
Um dinossauro T-Rex nos encarava, meio escondido atrás da formação rochosa.
Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram e meus membros formigaram, tal pavor senti ao fitar de olhos arregalados aquela criatura. E, se não tivéssemos correndo um perigo mortal naquela hora, eu com certeza teria tido uma baita crise existencial, porque eu podia jurar que dinossauros já estavam extintos, mas, pelo visto, ainda existiam e um deles estava prestes a nos devorar.
— G-G-G-Gohan… — o chamei aos sussurros, o sacudindo. — L-Levante-se… D-Devagar…
— Hã? — Ele acordou meio grogue, esfregando os olhos. — O que foi, Tia Lettie?
Não precisei respondê-lo. O grunhido gutural que saía do fundo da garganta do T-Rex fez Gohan levantar a cabeça e também encará-lo com o rosto pálido. O dinossauro então escancarou a boca e soltou um rugido tão alto, que meus ouvidos tamparam.
Em resumo (pois não gosto de me lembrar deste evento), eu e Gohan corremos dali, berrando ensandecidamente, e fomos perseguidos pelo T-Rex até o anoitecer, quando enfim o despistamos, ou ele simplesmente se cansou de nos caçar. A única coisa que vale mencionar foi que, por toda a perseguição, fiquei me perguntando para onde RAIOS Piccolo havia nos trazido, para ter tanto bicho aleatório e perigoso. Ah! Também tenho certeza de que o ouvi rindo ao longe, se divertindo à beça da nossa desgraça enquanto corríamos feito loucos por aquela região na tentativa de não morrermos devorados.
Quando voltamos ao pé da formação rochosa do nosso Acampamento, eu e Gohan estávamos exaustos, acabados, só o pó! Me escorei de costas no paredão e fui caindo até me sentar no chão, trêmula dos pés à cabeça, toda suada e com filetes das lágrimas que derramei durante a perseguição desenhados pelo meu rosto imundo. Gohan pulou no meu colo, tremendo tanto quanto eu, e nos abraçamos, forte, procurando no outro o consolo e proteção que tanto ansiávamos naquele momento, com apenas a grande Lua Cheia e as estrelas nos iluminando.
— Tia Lettie… — chorou ele no meu pescoço. — Quelo ir pra casa… Quelo a minha mamãe… Estou com fome, com medo, e muito cansado…
Respirei fundo, acariciando suas costas enquanto observava a escuridão ao nosso redor, temerosa de que as leoas, os lobos, ou pior ainda, o T-Rex voltasse. Naquela altura, até o som dos grilos e cigarras da noite me assustavam.
Assim como Gohan, também senti uma profunda tristeza e amargura. Contudo, diferente dele, eu não tinha uma mãe me esperando em casa com uma comida fresquinha e uma cama confortável.
Beijei o topo de sua cabeça e fechei os olhos, incapaz de respondê-lo.
Onde estava Piccolo? Muito melhor do que nós, com certeza. Será que ele não nos ajudaria? Ficaríamos eu e Gohan aqui, à mercê daquele lugar tão selvagem? Não havia um resquício de misericórdia em seu coração?
Confesso que um misto de sentimentos me acometeu; desejei que ele estivesse aqui para nos proteger dos perigos, igual à noite passada, mas, ao mesmo tempo, sentia raiva dele por nos deixar em condições tão precárias e, ouso dizer, mortais.
Sempre imaginei que, quando eu enfim tivesse um professor de verdade para me treinar, desenvolveríamos uma saudável relação de mútuo companheirismo, cumplicidade e, acima de tudo, respeito.
Mas agora, os únicos sentimentos que eu tinha por Piccolo eram frustração e decepção.
— Mestre… Por que nos abandonou? — Foi a infeliz conclusão que cheguei, e a tristeza e amargura só aumentaram dentro de mim.
O pior de tudo, era saber que eu havia concordado com aquilo; que havia concordado com os termos daquele Treinamento…
E eu não tinha escolhas de deixar isso para trás e desistir.
— Tia Lettie… — Gohan ergueu a cabeça e olhou para a Lua Cheia com uma expressão saudosista e melancólica. — Você acha que o meu papai vai voltar?
Acariciei seu rosto, limpando a sujeira de suas bochechas, e forcei um pequeno sorriso otimista.
— Temos que torcer para que Bulma, Kuririn e Mestre Kame encontrem as Esferas do Dragão e façam o pedido a Shenlong e… Gohan?
Meu sobrinho fitava a Lua Cheia com os olhos vidrados.
— Gohan? — O chamei de novo. — O que foi?
Agitei minha mão na frente do seu rosto para chamar sua atenção, mas ele não respondeu. Parecia em transe, e suas pupilas adquiriram uma estranha tonalidade avermelhada.
— Gohan?! — reforcei pela terceira vez, bem tensa e preocupada.
De repente, ele começou a tremer com ferocidade em meu colo, com sua cauda se mexendo sem parar, e escancarou os dentes para a Lua Cheia, os quais se tornaram assustadoramente afiados, como os de um animal. Então, ele saltou para frente, erguendo os braços para cima, e seus músculos se expandiram de tal maneira que seu uniforme novo se rasgou por completo.
Com meu coração disparando no peito, assisti meu sobrinho se transformar diante dos meus olhos, crescendo de tamanho e adquirindo uma pelagem marrom até enfim se tornar um… MACACO GIGANTE!
Sem conseguir mexer um músculo, tão paralisada e em choque eu estava, assisti Gohan correr desenfreadamente de um lado para o outro naquela extensa área aberta, socando e chutando tudo quanto é coisa que encontrava pela frente, como árvores, rochas e outros paredões, num estado de euforia beirando ao doentio. Ele até soltava raios de luzes vermelhos pela boca! Ora essa, ele estava destruindo a Terra antes mesmo dos Saiyajins chegarem!
— GOHAN! — Corri até o meio daquela área para chamá-lo. — GOHAN!!!
Ele continuava a destruir tudo ao redor com a força de um gorila, e berrando como tal. Será que estava me ouvindo? Estava sequer consciente do que acontecia consigo?!
— E agora?! E agora?! — perguntei para mim mesma, com as mãos na cabeça enquanto testemunhava meu sobrinho destroçar mais uma formação rochosa como se fosse um castelinho de blocos de madeira.
Foi então que me lembrei de algo; algo muito importante que Raditz dissera a mim e a Goku quando descobrimos que éramos irmãos: "Nós, os Saiyajins, podemos lutar com toda a nossa força quando vemos a Lua Cheia! Nos transformamos em gigantescos macacos e adquirimos um poder de destruição imbatível!"
Era isso! Era por causa da Lua Cheia que Gohan se transformara!
Mas, por que eu não me transformei, também?
Ao analisar Gohan, agora batendo no peito, de costas para mim, avistei sua comprida cauda rebatendo nas árvores logo abaixo, e enfim compreendi o porquê eu também não tinha me transformado.
Decidi me aproximar para chamá-lo de novo. Talvez, se ele ouvisse a minha voz, me reconheceria.
— GOHAN! — Agitei os braços para chamar sua atenção. — ME ESCUTA! É A TIA LETTIE!
Ele se debatia em fúria e pulava no lugar. Então, num movimento rápido, ele levantou um dos pés. No espaço de tempo de apenas um segundo, senti um calafrio ao ver que ele acabaria pisando em mim. Eu não tinha para onde correr, não daria tempo!
Eu morreria esmagada pelo meu próprio sobrinho-macaco ensandecido.
Durante aquele um segundo, comprovei a teoria de que nossas vidas passavam pelos nossos olhos diante à morte, e vi toda a minha trajetória se encaminhando para o fim.
A única coisa que consegui fazer com meus reflexos foi elevar os braços para o alto, na tentativa de impedir meu esmagamento pelo pé colossal de Gohan.
Fechei os olhos, aguardando o terrível impacto.
Então, senti uma súbita combustão de energia explodir dentro da minha alma, e uma força poderosa me acometeu, me rodeando com uma aura luminosa.
O impacto do pé de Gohan veio, mas ele não me esmagou.
Ousei abrir os olhos, e não acreditei no que vi.
Com as mãos ainda erguidas para o alto, eu impedia toneladas de quilos de me esmagar ao conter o pé de Gohan acima de minha cabeça.
Como eu estava fazendo aquilo?!
Foi então que três palavras passaram pela minha mente: meu poder oculto.
Eu era uma Saiyajin. Assim como Gohan, eu também tinha um poder escondido dentro de mim, e que agora se aflorou bem no momento da minha morte certa.
Ainda incrédula com minha própria atitude, aquela mesma força poderosa emergiu mais uma vez e, com um grito, me impulsionei para cima, jogando o pé de Gohan para me desvencilhar dele.
Assim como meu poder oculto veio subitamente, ele se foi. Uma intensa fraqueza tomou cada centímetro do meu ser, e senti muita tontura, caindo de joelhos no chão sem energia alguma.
Porém, Gohan havia se desequilibrado ao ter seu pé jogado por mim e cambaleou em minha direção. Através da minha visão turva, vi que a demonstração do meu poder oculto não resultou em nada.
Gohan cairia em cima de mim de novo e, desta vez, eu morreria esmagada pelo peso total do seu corpo sobre o meu.
— Mestre… — Foi a única palavra que consegui pronunciar.
Gohan começou a cair. Sua forma de gorila ocultou tudo à minha frente.
Fechei os olhos, aguardando o terrível impacto.
Só que, desta vez, o impacto não veio.
Senti meus pés flutuarem e o vento atingir o meu rosto. Quando abri os olhos, eu não estava mais no chão, mas, sim, nos braços de Piccolo.
Ele voava pelos ares, me carregando para longe de um Gohan agora caído lá embaixo.
— Mestre…! — Despertei pela repentina surpresa de sua presença.
Ele olhou para mim de cima e curvou os lábios num pequeno sorriso.
— Achou mesmo que eu abandonaria vocês?
Minha única resposta foi sorrir de alívio.
— Parece que você também tem um poder oculto, Lettie. — Ele me colocou na grama, próximo a um grupo de moitas. — Só que não foi o suficiente para detê-lo.
— Sim… — respondi, chateada e ainda fraca. — Mas, eu já descobri tudo. Gohan se transformou assim por causa da Lua Cheia!
— Hã? Lua Cheia? — Ele franziu o cenho, variando entre olhar para mim e para Gohan, que se contorcia no chão ao longe e disparava outro raio de luz em fúria para os céus.
Confirmei, o lembrando da fala de Raditz. Piccolo concordou, se recordando de ter ouvido aquela informação quando espiava os acontecimentos na ilhota do Mestre Kame, e olhou para a Lua Cheia com uma feição compenetrada.
— É… — murmurou ele para si. — Não vai ter outro jeito. — E saiu voando.
— Ei! — Estendi a mão, mas Piccolo já estava flutuando lá no alto.
O que ele iria fazer?!
Estreitando os olhos para enxergar melhor, vi um raio de luz se formar das mãos dele e então, sem mais nem menos, ele o disparou em direção à Lua e a explodiu.
Piccolo explodiu a Lua.
Ele. Explodiu. A. Lua.
ELE EXPLODIU A LUA!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Sabe-se lá como eu não desmaiei naquela hora ao presenciar tal ato. Só sei que abri a boca para gritar em perplexidade, mas nada saiu. Minha voz havia desaparecido.
Vi Piccolo virar-se para mim lá do alto e dizer:
— Não se preocupe com a Lua! O Kami-sama faz outra amanhã!
Ah, claro! Puxa, como eu não pensei nisso antes?! "Kami-sama faz outra amanhã!" HAHAHA! Esqueça todas as calamidades em nosso ecossistema terrestre! A Lua explodiu, que peninha, vida que segue!
No entanto, precisei lembrar a mim mesma de todas as sandices que aconteceram em minha vida desde ontem (incluindo o surgimento de um dinossauro T-Rex!) e mal acreditei quando refleti que a frase "Não se preocupe com a Lua! O Kami-sama faz outra amanhã!" não parecia mais tão maluca assim.
De qualquer maneira, o efeito da destruição da Lua foi instantâneo em Gohan. Assim como se transformara em um macaco gigante num piscar de olhos, ele retornou à sua forma de garotinho, diminuindo de tamanho e perdendo a pelagem até cair deitado no chão.
Tirei forças da onde não tinha para correr até ele. O pobrezinho estava nu, desfalecido na grama. Ao me sentar no chão, o peguei em meus braços, o aninhando junto ao peito como se fosse o meu próprio filho, me certificando de que não havia se ferido.
Piccolo pousou ao nosso lado.
— Ele não deve continuar com a cauda. Só nos trará mais problemas.
— E o que você sugere? — respondi. — Que a arranquemos?
— Sim.
O encarei, incrédula.
— Não pode estar falando sério.
— Olhe para o estado de Gohan. Ele não sentirá nada.
— Mas, não vai doer? — Inconscientemente, toquei no final da minha coluna ao me lembrar da dor crônica que senti durante toda minha vida, e a qual fora curada pela Água Sagrada.
— Ele supera essa. — Piccolo deu de ombros e se abaixou ao meu lado.
Com delicadeza, deitei Gohan de bruços no chão e virei o rosto, fechando os olhos para ele fazer o serviço e sentindo uma tenebrosa aflição ao ouvir o som da cauda sendo arrancada do corpo do meu sobrinho.
Quando abri os olhos, Piccolo já havia vestido Gohan com um novo uniforme, e o peguei no colo de novo, o observando com um semblante de profunda preocupação e tirando os cabelos do seu rostinho adormecido.
— Não precisa ficar com toda essa melosidade com o garoto. — Piccolo me olhou com sua típica postura tediosa. — Do jeito que tirei sua cauda, ele não sentirá dor. — Ele inspirou profundamente. — Muito bem, então. Boa noite. — E saiu andando.
— Não!!! — Estiquei o braço. — Espere, por favor!
Piccolo parou, grunhiu de irritação e se virou:
— O que foi, agora?
Abri e fechei a boca várias vezes, olhando ao redor com receio.
— A-Aonde você vai?
— Não é da sua conta.
— Não nos deixe aqui sozinhos de novo — implorei, com Gohan ainda em meus braços. — Estamos exaustos, com dor, com fome… Por favor, nos leve até o Acampamento.
— De jeito nenhum! Isso faz parte do Treinamento. Deem um jeito de subir lá.
Avistei a formação rochosa do nosso Acampamento a alguns metros adiante, e meus lábios tremeram, sentindo um grande nó na garganta. Eu não queria chorar na frente de Piccolo, na frente do meu professor, mas eu estava a ponto de ceder. Então, fiz um último apelo, com minha voz falhando e os olhos marejados.
— Mestre, por favor…
Silêncio.
Piccolo nos analisou por uns dez segundos, esboçando uma expressão soturna. Em seguida, fechou os olhos, suspirou e passou a mão no rosto.
— Está bem — disse ele, e eu sorri, o que o fez levantar um dedo em advertência. — MAS! Só esta noite. Apenas esta noite. Amanhã, começamos de novo, e não quero falhas.
— S-Sim! Tudo bem! — Abri ainda mais o meu sorriso e permiti que as lágrimas caíssem, pois, agora eram de felicidade e alívio.
Vi que Piccolo desviou o olhar ao me ver tão alegre, e estalou a língua em impaciência, mas não me importei. Ele nos ajudaria!
Trinta segundos depois, enfim chegamos ao Acampamento, e mal pude acreditar no que vi.
Apesar da escuridão pela falta da Lua, a luz das estrelas foi o suficiente para iluminar aquela área no topo da formação rochosa, a qual devia possuir uns dez metros de diâmetro. Num canto, distingui nitidamente a embalagem de uma barraca, um colchão simples enrolado e dois cobertores. Ao lado, havia mais algumas sacolas plásticas de mercado. Então, bem no centro de tudo, havia um círculo de pedras rodeando uma pilha de gravetos e, apoiada num suporte de madeira logo acima, um pequeno caldeirão balançava com a brisa suave da noite que nos acariciava ali no alto.
Porém, o que me deixou mais feliz, foi ver um aglomerado de legumes e verduras ao lado das pedras, com alguns utensílios de cozinha.
Isso é o que chamo de fogueira profissional!
De pé na borda do Acampamento com Gohan no colo, virei-me para Piccolo e o encarei com perplexidade e surpresa.
— Eu disse que providenciaria a comida — disse ele num tom seco ao cruzar os braços. — Não que cozinharia.
— É… É… — sussurrei, com os olhos brilhando. — É… perfeito!
— Hã? Sério? — Ele me olhou, se mostrando bem confuso. Então, ergueu as sobrancelhas e curvou os lábios para baixo. — Achei que ficaria brava.
— De maneira alguma. Eu adoro cozinhar! — Caminhei até o círculo de pedras, coloquei Gohan deitadinho no chão (o qual ainda estava desfalecido) e me pus a separar os legumes para fazer uma sopa ou algo do tipo.
Por algum milagre, convenci Piccolo a acender o fogo para mim e a buscar água lá embaixo no rio. Talvez ele estivesse com pena da gente, o que era bem improvável. Aposto que estava era com preguiça de me contrariar após um dia tão longo e cansativo.
Enquanto os legumes cozinhavam no caldeirão, pensei em montar a barraca (duvido que Piccolo se voluntariaria para ajudar), no entanto, Gohan despertou, chorando ao alegar que teve um pesadelo o qual era um macaco gigante. Eu e Piccolo nos entreolhamos enquanto eu o consolava no meu colo, e, sem dizer uma palavra, assentimos com a cabeça em concordância para nunca tocar no assunto com o meu sobrinho sobre o que aconteceu com ele naquela noite.
Só que, quando Gohan tentou ficar de pé, se desequilibrou e caiu, e levou um bruto de um susto ao enfim perceber que sua cauda havia sumido. Felizmente, ele ainda era pequeno o suficiente para acreditar na minha história de que, "N-Nossa, que estranho, Gohan! Ela deve ter caído enquanto você dormia e algum bichinho pegou para usar de cobertor!"
Quando a sopa ficou pronta, servi um pouco para Gohan numa das cumbucas que estava no meio dos utensílios de cozinha. Por educação, ofereci a Piccolo, o qual recusou, sentado de pernas e braços cruzados ao nosso lado.
— Ah, vamos lá… — Sorri timidamente, o oferecendo a sopa de novo. — Não deve estar tão ruim assim…
— Pior que está, Tia Lettie… — Gohan fez uma careta ao tomar uma colherada. — Sinto muito… Acho que precisa de algumas aulas com a mamãe.
Piccolo riu enquanto meu mundo caía.
— Nossa… — choraminguei, desolada ao contemplar minha sopa (pelo visto) intragável. — Desculpe… — Decidi poupá-los de lamuriar que minhas péssimas condições financeiras me impediam de aflorar meus dotes culinários, então, ajeitei a postura e disse, confiante: — Certo. Anotado, Gohan. Pode deixar que sua tia se tornará uma expert em sopa de legumes daqui pra frente. — Trocamos sorrisos e meu sobrinho foi gentil o bastante para continuar comendo, mesmo não gostando. Virei-me para Piccolo: — Tem certeza que não quer ao menos comer um pouco? Não está com fome?
— Não preciso.
— Hã? Como assim? — indaguei.
— O senhor não come, Sr. Piccolo? — acrescentou Gohan.
— Meu corpo e biologia são essencialmente iguais aos de um homem humano — respondeu ele. — Entretanto, por alguma razão, se sustém apenas com água.
— Mas, você pode comer? — repliquei.
— Posso. Só que não quero. — Ele olhou torto para a minha sopa.
— Tá… — murmurei em resposta, e comi num silêncio borocoxô.
Que belo banquete…
Depois disso, Gohan me ajudou a montar nossa barraca, o que foi difícil, pois não conseguíamos enxergar direito o que estava escrito no manual, e no fim, precisamos ficar um anunciando as instruções para o outro, com Gohan lendo na claridade da fogueira, e eu do outro lado montando as varetas e o tecido e ajeitando o colchão e cobertores lá dentro.
Já devia ser madrugada quando saí da barraca após colocar Gohan para dormir (precisei fazer uma sessão de cafunés em seus cabelos após ele me suplicar com seus olhinhos grandes e cuti-cutis), e fui até as sacolas do mercado para ver o que tinha lá dentro.
— Você comprou meus absorventes! Obrigada — sussurrei alegremente para Piccolo, o qual estava de olhos fechados, ainda na mesma posição ao lado da fogueira quase apagada. — Oh, mas não são do modelo noturno que pedi.
— Não tinha esse — respondeu ele, sem abrir os olhos e fazendo uma careta emburrada, decerto se lembrando do "terrível" constrangimento que passou para comprá-los. — Só tinha a versão normal ou fraldas geriátricas. Contente-se.
Ri, baixinho, explorando as outras sacolas e encontrando alguns dos meus pertences do meu antigo quarto numa mochila velha minha. Meu sorriso se abriu ao olhar Piccolo de novo, ainda quieto e introspectivo perto da fogueira, pois, na última sacola, encontrei um maço de dinheiro com todas as minhas economias, meticulosamente enrolado, e uma barra de chocolate 100% cacau, a qual, sem dúvida, era tão amarga quanto o cara que a comprou.