Descargar la aplicación
13.88% A Herança Saiyajin e a Solidão do Guerreiro / Chapter 5: Capítulo 04

Capítulo 5: Capítulo 04

LETTIE

— VOCÊ VAI VER SÓ! — exclamou Gohan. — ISSO É PELO MEU PAI!!!!!!!!!!

Boquiaberta, o assisti voar pelos ares e dar uma cabeçada brutal no meio do peito de Raditz, o qual perdeu todo o fôlego e cor do rosto ao receber o golpe que chegou a partir sua armadura.

Como Gohan havia feito aquilo? Eu não fazia ideia.

Tanto eu, quanto Goku caído no chão, e Piccolo do outro lado, miramos aquele garotinho com menos de um metro de altura, agora também caído no chão, confuso consigo mesmo com tamanho poder que acabara de demonstrar.

Acredito que fiquei embasbacada a tal ponto, que travei no lugar. Nem meu próprio corpo eu sentia.

— Gohan… — Ouvi Goku dizer; sua voz quase não saindo e estendendo o braço trêmulo para o filho. — F-Fuja…!

Porém, Raditz foi mais rápido. Tomado de cólera, ele se aproximou de Gohan e lhe golpeou na lateral da cabeça, e então, no próximo segundo, testemunhei meu sobrinho cair desfalecido no chão perto de mim.

Aquilo foi a gota d'água.

Meu corpo, o qual eu não sentia há pouco, se tornou vívido. Senti cada centímetro da minha pele, meu sangue correndo pelas veias e, acima de tudo, meu coração gritando no peito ao contemplar Gohan caído.

Ele não tinha culpa dos atos imprudentes do seu pai. Era apenas uma criança apavorada ao ver seu herói sendo massacrado por Raditz.

Testemunhá-lo sendo abatido com tamanha crueldade, foi como uma ofensa dirigida a mim, como se eu tivesse sentido a sua dor.

Não. Aquilo não ficaria assim. Raditz pagaria pelo que fez.

Ninguém mexe com o meu sobrinho. Ninguém mexe com a minha família.

— Seu… — Lentamente, saí da cratera, fitando Raditz e tremendo por inteira. — Seu… DESGRAÇADO!!!

Uma força poderosa me tomou, e avancei até ele, o qual me avistou se aproximar de olhos arregalados.

— LETTIE, NÃO! — Ouvi Piccolo gritar de longe, mas era tarde demais para me impedir.

Desferi um soco de direita no queixo de Raditz, que cambaleou para trás, sem entender como fora atingido, então, me agachei, rápida, e girei as pernas numa rasteira, o fazendo cair estatelado de costas no chão.

Subi em cima dele para trancá-lo com as pernas e poder esmurrá–lo na cara, mas ele foi mais rápido que eu. Raditz agitou o braço na altura de minha canela e me derrubou no chão ao seu lado, e então, se levantou e pegou no colarinho do meu kimono, me encarando com seus olhos maníacos.

— Acha mesmo que pensou que teria alguma chance contra mim, irmãzinha? — rosnou ele, próximo ao meu rosto. — Não passa de uma tola!

— Lettie…! — disse Goku com sua voz fraca.

A última coisa que vi, foi a mão fechada de Raditz vindo ao encontro do meu rosto, e apaguei.

***

Um choro ecoou, distante em meus ouvidos, como se abafados por um manto; um manto gélido e… molhado?

Eu não conseguia respirar.

Despertei num sobressalto, com o coração disparado e, quando olhei para baixo, vi que estava caída num laguinho raso, tossindo feito louca com a água que havia entrado pelo meu nariz e garganta. Minha cabeça latejava.

Ao meu lado, Gohan chorava. Assim como eu, estava ensopado e recuperava o fôlego.

— Gohan! — O peguei nos braços, o apertando forte. — V-Você está bem?!

Enquanto eu o afagava nas costas para acalmá-lo, olhei ao redor, e vi que não estávamos mais no local da luta contra Raditz.

Também era uma extensa área verde, com algumas árvores aqui e ali e formações rochosas com o topo coberto de grama. Elevadas montanhas despontavam no final do horizonte daquela planície.

Foi então que meu olhar se cruzou com o dele.

— P-Piccolo…?! — exclamei.

Ele nos observava da borda do laguinho, soturno, com a capa branca esvoaçante e de braços cruzados.

Espera… Braços, no plural?

— S-Seu… — gaguejei. — S-Seu braço…?

— É — replicou ele, seco. — Eu o fiz crescer de novo. Igual uma lagartixa, parafraseando o Kuririn quando viu.

Franzi o cenho em perplexidade, mas não disse nada, ainda tentando identificar onde estávamos. Me levantei do laguinho com dificuldades, ainda tremendo de frio e sacudindo Gohan, e caminhei para fora, espalhando água conforme andava. Piccolo nos acompanhou com o olhar enquanto eu me sentava numa pedra ali próxima. Agora, Gohan apenas emitia soluços e dava espasmos pela tremedeira.

Piccolo se aproximou, e o encaramos de baixo.

— Tia Lettie… — Gohan se encolheu em meu colo ao sermos cobertos por sua sombra. — Quem é ele? Quem é esse monstro?

Piccolo enrijeceu-se, torcendo o nariz numa careta.

— Eu não sou um monstro! Sou apenas… diferente.

Permanecemos quietos. Foi então que senti que meu nariz estava meio… estranho. Ah, me lembrei. Eu havia sido nocauteada por Raditz bem no meio da cara. Ele deve ter deslocado meu nariz.

Rapidamente, com uma das mãos, fiz a desagradável tarefa de colocá-lo no lugar, como já havia feito tantas outras vezes durante minhas lutas nas arenas clandestinas.

Levantei a cabeça e perguntei:

— O que aconteceu, Piccolo? Onde está Goku? E Raditz?

Ele respirou fundo e fechou ainda mais seu semblante.

— Depois que você e Gohan foram nocauteados por Raditz, Goku conseguiu imobilizá-lo de novo. — Ele pausou. — E então, também consegui lançar o meu ataque mais uma vez. Entretanto, como Goku o estava segurando por trás, acabou sendo atingido junto e… morreu.

Fez-se silêncio.

Minha boca e garganta secaram por completo.

— O-O quê…? — sussurrei, o fitando.

— É isso o que ouviu. Seu irmão está morto — declarou Piccolo. — Antes de Raditz também morrer, ele revelou que, dentro de um ano, mais dois Saiyajins chegarão à Terra para exterminar toda a raça humana. Se eles conseguirem juntar as Esferas do Dragão, então, o resultado será ainda mais devastador. É por isso que trouxe vocês para este lugar. Irei treiná-los para derrotarem esses dois que chegarão em breve. Não é nem um pouco do meu agrado fazer isso, porém, vocês têm sangue Saiyajin, portanto, possuem grande potencial. Gohan, contudo, ainda não sabe controlar suas emoções e poderes, e quanto a você, disse que nunca teve treinamento, e pude confirmar isso com meus próprios olhos ao ver sua estupidez quando quis enfrentar Raditz sozinha. Você pode não ser tão idiota quanto Goku, mas ainda tem muito a melhorar.

Tudo virou um torpor ao meu redor, e tapei a boca, sem acreditar no que acabara de ouvir, e tremi, só que não mais de frio.

Gohan externalizou a afirmação que assombrava minha mente:

— E-Espera aí, moço… O-O meu papai… Ele… Ele morreu?!

— Sim. Eu já falei, não ouviu?

Pela primeira vez, Gohan não chorou. Acredito que o baque foi tão grande, que ele simplesmente paralisou, e a única coisa que fez, foi se virar para mim e me abraçar forte, ocultando o rosto em meu peito e apertando o colarinho do meu kimono a tal ponto que ouvi o tecido se rasgar.

Eu ainda estava com a boca tapada, e meus olhos miravam o chão. 

Goku… estava… morto?

Meu irmão, o qual eu mal acabara de conhecer, mas também o qual eu já sentia um afeto fraterno, se foi? Se foi pelas mãos do homem parado a minha frente e o qual alegou que nos treinaria para uma dupla de Saiyajins que queriam destruir a humanidade?!

Quer dizer que, de todos os meus parentes de sangue, só sobrou… Gohan?

Não consegui mais me conter e chorei. As lágrimas desceram pelas minhas bochechas enquanto eu abraçava a única família que me restara, deixando escapar um soluço que veio do fundo da minha garganta.

— Argh! O que é isso?! — irritou-se Piccolo. — Quanta frescura, vocês dois! Levantem-se, seus idiotas! Não temos tempo para sentimentalismo!

Com os olhos vermelhos e inchados, lentamente ergui minha cabeça.

Aquilo também foi a gota d'água para mim.

Eu havia sido nocauteada e sequestrada por Raditz; havia descoberto que, na verdade, sou uma alienígena; havia tido minha caixa torácica quebrada pelo homem que alegava ser meu irmão; meu sobrinho foi sequestrado; fomos resgatá-lo, apenas para ter meu outro único irmão bom morto; fui nocauteada e sequestrada DE NOVO, agora pelo cara que havia matado Goku; eu e Gohan estávamos machucados, por dentro e por fora, na presença de um indivíduo desconhecido e sabe-se lá onde; e por fim, esse dito cujo estava desdenhando do nosso sofrimento e sentimentos de luto pelo irmão que mal conheci e já perdi??

Eu tinha todo o direito de ficar furiosa.

Coloquei Gohan no chão, fui até Piccolo e lhe dei um belo tapa na cara.

Ele travou, visivelmente em choque com minha atitude e com a bochecha vermelha. Acho que ele esperava qualquer coisa vinda de mim; um soco, um chute, sei lá!, mas, um tapa? Aquilo, sim, era mais humilhante do que qualquer outro golpe.

Nos encaramos por longos segundos, com meu peito subindo e descendo. Então, levantei as pontas dos pés o máximo que consegui para ficar cara a cara com ele, e sussurrei, entredentes:

— Você é mesmo um monstro.

Piccolo prendeu a respiração e estremeceu. Por um milissegundo, pude ver um brilho de tristeza em seus olhos escuros, mas logo desapareceu, dando lugar a uma feição cheia de rancor.

Dei as costas, peguei Gohan no colo e saí andando, o deixando para trás.

Me pus a caminhar, com a cabeça explodindo de dor e fervilhando com os últimos acontecimentos. Eu não sabia para onde estava indo, só sei que precisava sair dali; sair da presença daquele idiota do Piccolo.

Enquanto andava, olhava ao redor para tentar identificar nossa localização, mas falhava miseravelmente. Eu nunca sequer saí da cidade onde cresci, então, eu poderia tanto estar no interior, quanto do outro lado do mundo, e não saberia discernir.

Gohan permaneceu no meu colo, com a cabeça deitada em meu ombro, num estado silencioso e depressivo pela morte do pai, e a única coisa que eu podia fazer era acariciar suas costas e dizer que tudo ia ficar bem.

Mas eu não tinha tanta certeza disso.

Caminhei até o Sol começar a se por atrás das montanhas, na esperança de encontrar alguma estrada ou algum lugar onde pudéssemos pedir ajuda e voltar para casa, o que só me fez me sentir pior. Gohan decerto tinha sua casa, mas, e eu? A minha fora destruída por Raditz.

Era melhor nem pensar nisso, por enquanto. Um problema de cada vez.

Quando as estrelas já despontavam no céu e a Lua iluminava nosso caminho, enfim me dei conta de que estávamos perdidos no meio da natureza selvagem.

Aos poucos, a escuridão e o som dos animais noturnos nos rodearam, e uma onda de pavor quis me dominar. Mas eu tinha que ser forte por Gohan, o qual havia pegado no sono. Se sua própria tia, uma mulher adulta, entrasse em pânico, o que seria dele?!

Chegamos a um pequeno amontoado de árvores, e eu já estava morrendo de sede e cansaço. Então, como toda situação ruim pode ficar pior, tropecei num pedaço de raiz exposta e a sola da minha bota se rasgou.

Que ótimo.

Entretanto, ouvi o som que se assemelhava a um coral de anjos: água corrente.

Com as esperanças renovadas, segui aquele som, até chegar na orla do amontoado de árvores e me deparar com um rio estreito que ia até onde meus olhos pudessem alcançar.

Nunca senti tanta alegria.

Com cuidado, acordei Gohan, e bebi água até meu estômago estufar. Nos sentamos na beira do rio e tirei o que sobrou das minhas botas, analisando com uma expressão de dor as diversas bolhas que se formaram nos meus pés, e os botei na água fresca, me permitindo curtir aquele momento relaxante enquanto Gohan me imitava, com seus pezinhos balançando na água.

Como a noite estava quente, tirei o casaco de Gohan, assim como também tirei meu cinto e a parte superior do meu kimono, ficando com as calças e uma regata branca que eu usava por baixo, e lavei nossos braços e rostos sujos. Fizemos nossas necessidades atrás de uma moitinha, e depois, encontramos um tronco derrubado perto do rio e decidi que iríamos descansar por ali mesmo.

— Tia Lettie — disse Gohan ao usar a parte superior do meu kimono como um travesseiro embolado —, estou com fome.

Meu estômago roncou alto em resposta, e lhe dei um sorriso sem graça. Com dor no coração e acariciando seus fartos cabelos negros, repliquei para ele a frase que mais ouvi quando criança nos diversos abrigos que já morei:

— Dorme que passa.

Abatido, ele apenas aceitou e fechou os olhos. Me deitei ao seu lado, e ele se aconchegou em mim, se encolhendo todo enquanto eu o abraçava.

— Tô com saudades do papai… — disse ele, baixinho.

Senti um grande nó em minha garganta. O que se responde a uma afirmação daquelas? Nas condições que ele se encontrava? A única coisa que consegui fazer foi beijar o topo de sua cabeça, sussurrando:

— Eu sei, querido… Eu sei…

Passados alguns minutos, ouvi a respiração profunda do sono de Gohan. Mas eu, por outro lado, não conseguia pregar os olhos.

O que eu estava fazendo?

Naquela hora, meu histórico como lutadora e meu sangue Saiyajin não serviam de porcaria nenhuma, porque, no final das contas, a realidade era de que não passávamos de uma mulher e uma criança sozinhos no meio do absoluto nada. Como eu iria proteger Gohan? Ou alimentá-lo? Ao que parecia, estávamos longe de qualquer civilização.

Apertei os olhos com força, e uma lágrima escorreu pela minha bochecha ao pensar no meu irmão. Tê-lo aqui com certeza diminuiria meus sentimentos de inutilidade e humilhação. Além de que, uma sensação estranha me acometia; um calafrio horripilante, um medo sinistro. Parecia que um perigo iminente nos rondava. Eu não parava de escutar sons, barulhos e estalos vindo de todas as direções. Algo estava à nossa espreita, eu tinha certeza.

Tentei calcular alguma rota de fuga para caso alguma coisa acontecesse, mas eu nem sequer sabia para onde ir, e muito menos o quê poderia nos atacar. Além de que eu não enxergava quase nada devido à escuridão.

Nunca desejei tanto estar no meu quartinho mofado da arena clandestina.

"Crec" — ouvi um galho quebrando, e fiquei alerta. Em silêncio e com cuidado, me afastei de Gohan e sentei, procurando em volta o que tinha causado aquele barulho.

Um vulto passou por entre as árvores, rápido e sorrateiro, arrepiando os pelos da minha nuca. Outro vulto, do lado oposto. Minha respiração ficou vacilante, e avistei um terceiro vulto, seguido pelo quarto.

O que quer que estivesse ali, tinham nos cercado.

Escutei uma espécie de grunhido, misturado com um ronronar gutural. Peguei Gohan no colo, fazendo o possível para não acordá-lo pelo tanto que eu tremia. Foi então que, de trás de uma moita, um par de olhos brilhantes emergiu.

Uma leoa.

Precisei cobrir a boca para impedir um grito. Ela se aproximava lenta e silenciosamente, com a barriga rente a grama. De relance, pude enfim enxergar as outras três leoas, também diminuindo sua distância.

Meu coração afundou. Eu e Gohan nos tornaríamos o jantar de uma alcateia.

Era isso? Era assim que terminaria? Eu tinha vivido toda uma vida de miséria, crescendo sem ninguém, pulando de abrigo em abrigo, lutando nos lugares mais podres da cidade, para então descobrir que eu tinha uma família, que eu tinha pessoas que podiam me amar e me acolher, para agora morrer de uma forma lenta, dolorosa, e testemunhando meu sobrinho sendo devorado vivo por aquelas carnívoras?

Uma lágrima escorreu pelo meu rosto, e por um segundo, me arrependi de ter me afastado de Piccolo.

A leoa agora estava a menos de dois metros da gente. Suas patas eram do tamanho da cabeça de Gohan, ainda alheio ao terrível futuro que o aguardava, dormindo na mais perfeita paz em meus braços.

Dei um passo para trás, e esbarrei no tronco caído. Não tinha saída para nós.

A leoa mostrou os dentes para mim, e seu grunhido ficou mais alto.

Fechei os olhos, esperando o ataque e rezando para que fosse rápido.

A leoa então rugiu e a ouvi pular, mas suas garras não nos alcançaram.

Ainda de olhos fechados, escutei o som dos grunhidos das leoas, mas não pareciam mais que estavam atacando, pelo contrário, pareciam que estavam… apanhando.

Ousei abrir os olhos e arquejei quando o vi, lutando contra as leoas e as derrubando no braço, na mais pura demonstração de combate corporal.

Piccolo.

Ele as golpeava, deixando-as desnorteadas com apenas um soco ou chute, esquivando-se de suas presas e unhas afiadas, numa mistura de gritos masculinos e rugidos furiosos.

Gohan acordou, confuso, e exclamou alto quando presenciou tal cena. Uma das leoas o ouviu e correu até nós. Me encolhi no chão com ele, deixando escapar um guincho de desespero.

Contudo, pela segunda vez, nada nos atingiu. Piccolo se pôs na nossa frente e pegou a leoa pelo pescoço, erguendo-a do chão, e a jogou longe para o meio das árvores, a qual saiu correndo, chorando de medo.

Piccolo virou-se para trás, e nossos olhares se sustentaram por uns dois segundos, até ele gritar de dor quando a última leoa abocanhou seu braço. Porém, com a outra mão, ele agarrou a boca do animal, abrindo-a na força bruta, e a golpeou na cabeça, fazendo-a também sair correndo com as outras leoas que já haviam fugido.

Me levantei e ficamos ali, apenas com o som de nossas respirações ofegantes e da água do rio correndo numa tranquilidade do total oposto ao nosso estado de espírito.

Devagar, Piccolo virou-se para mim e disse:

— Você precisa ser muito burra para achar que poderia dormir perto de um rio no meio de um lugar como esses. É óbvio que teriam animais na região. — E se pôs a recolher gravetos do chão e amontoá-los numa pilha.

Eu nem soube o que responder. Gohan e eu ficamos apenas o fitando com espanto, tremendo nos braços um do outro como resultado da adrenalina que sofremos. Mas, parando para pensar, Piccolo tinha razão. Era como se eu tivesse nos entregado de bandeja para os animais selvagens ao achar que aquela era uma boa área para descanso.

Se eu tivesse ao menos feito uma fogueira, como Piccolo estava fazendo agora com tanta facilidade, eu poderia ter ajudado a espantar as leoas, mas aí me lembrei que nem isso eu sabia fazer, e a única conclusão de que cheguei era que eu não passava de uma inútil que botou a vida do sobrinho em risco.

Piccolo então se sentou no tronco caído e fez uma careta ao analisar o ferimento em seu braço.

— Droga…

Após me certificar de que não havia mais nada nos ameaçando, fui até ele e coloquei Gohan no chão, me ajoelhando à sua frente e pegando em seu braço para ver o machucado. Piccolo não gostou muito que eu o tocasse.

— Isso não está bom… — Analisei a profundidade do corte na região dos músculos rosados do seu antebraço. Gohan espiava por cima do meu ombro. — Precisa de cuidados, ou vai infeccionar. 

— Acha que não sei disso? — Piccolo afastou o braço de mim e o apoiou na perna.

Fiquei quieta, esfregando as mãos, sem saber o que dizer, até que perguntei:

— Por que fez isso? Por que nos ajudou? Por mera gentileza, sei que não foi.

Piccolo fechou os olhos e inspirou fundo, certamente reunindo toda a sua paciência, e respondeu de um modo frio:

— Vocês são necessários para combater aqueles Saiyajins que estão chegando. Só por isso.

— Por que não usou seus poderes contra as leoas?

Piccolo fechou a cara, desviou o olhar e murmurou:

— Fariam muito estrago. Poderia acabar acertando vocês. Agora, chega de perguntas.

Mesmo com seu tom irritadiço, me senti pior do que antes, então, decidi falar a única palavra que achei correta naquela hora:

— Obrigada.

Ele me olhou com suspeita.

É sério — reforcei. — Obrigada. Se não fosse por você, eu… Ah… Não gosto nem de pensar no que poderia ter acontecido conosco. — Olhei de soslaio para Gohan, o qual agarrou meu braço ao evidentemente também pensar no assunto.

Piccolo apenas bufou e revirou os olhos. No entanto, em seguida, fez uma expressão de dor quando voltou a dar atenção ao seu antebraço. Ficamos observando a ferida, iluminada pela luz da fogueira, até que, de repente, eu e Gohan arquejamos em surpresa.

— A ferida…! — exclamei. — Está… se fechando!

De fato, estava mesmo. Como mágica, os músculos de Piccolo começaram a se formar ao redor da ferida, cobrindo o corte com uma pele rosada novinha em folha.

— Você… — sussurrei em perplexidade. — Você consegue… se regenerar!

— Que daora!!! — completou Gohan, boquiaberto.

Piccolo deu de ombros e respondeu:

— Essa é uma das vantagens de ser um monstro.

Um silêncio mega constrangedor caiu sobre nós.

Baixei a cabeça e passei as mãos no rosto, suspirando.

— Sobre aquilo… Eu… Hã… — Ousei fazer contato visual. — Me desculpe por ter te chamado assim.

Piccolo estreitou os olhos, me analisando com atenção, parecendo até um pouco… confuso. Passado alguns segundos, disse:

— Você é a primeira pessoa que me agradeceu e também me pediu desculpas por alguma coisa.

Por mais uma vez, não soube o que responder. Era para eu ficar feliz com aquela informação ou com pena dele? No final, acabei só mordendo o interior da boca, sentindo um misto dos dois.

— E então? — questionou Piccolo.

— O quê?

— Não vai pedir desculpas por também ter me dado um tapa na cara?

Aquilo me pegou desprevenida.

— E-Eu… Bom… Hã… — Enchi as bochechas de ar. — Não. Não pedirei desculpas. Você mereceu aquilo. — Me senti meio encabulada, mas logo, olhei com receio para Gohan, o qual se atentava em nossa conversa, e baixei a voz: — Você zombou da gente, Piccolo. Meu irmão e… e o pai dele… morreu. Pelo pouco que te conheço, percebo ser uma pessoa que não é ligada a sentimentos, mas, convenhamos que até isso você deve ao menos tentar entender, não acha?

Piccolo se mostrou emburrado de início, mas respirou fundo de novo, e pareceu ponderar a questão, e replicou:

— Faltou eu contar um detalhe para vocês dois, mas não consegui, visto que você não me permitiu. — Ele apontou para sua própria bochecha. — Enfim… — Ele pausou e abanou as mãos com desdém. — Não há necessidade de lamentar a morte de Goku, porque ele pode ser ressuscitado.

— Ressuscitado? — repetimos eu e Gohan.

— Sim. Já se esqueceram que as Esferas do Dragão podem fazer isso?

— É sério?! — Gohan se apoiou nos joelhos dele, que resmungou. — Quer dizer que o meu papai pode voltar?!

— É. — Piccolo se esquivou das mãozinhas de Gohan. — Caso seus amigos encontrem as Esferas do Dragão e façam o pedido a Shenlong. Então, deixem de frescura.

Senti como se o peso de uma montanha saísse de minhas costas. Me virei para Gohan, o qual seus grandes olhos negros brilhavam em entusiasmo e esperança de rever seu pai, e refleti sua alegria. Abri um sorriso e nós dois nos abraçamos, rindo ao descobrirmos que ter Goku de volta se tornara uma possibilidade real.

Eu estava tão feliz quando nos afastamos, que me virei para Piccolo e, sem nem mesmo pensar, o abracei.

— O QUE É ISSO?!?!?! — exclamou ele, levantando os braços nas laterais do corpo, atônito com minha atitude.

— Desculpa! Desculpa! — Me afastei rapidinho, erguendo as mãos em sinal de rendição enquanto ainda ria. — Tá bom, já entendi o recado. Sem contato físico com você.

Piccolo ajeitou sua roupa na região dos ombros para recuperar a postura de durão com uma careta insatisfeita.

Meu humor havia melhorado uns duzentos por cento. Sentei-me no chão, de pernas cruzadas, ainda virada para ele, e Gohan se enfiou no espaço entre minhas pernas, também o observando de baixo. Entretanto, logo voltei a me sentir temerosa quando me lembrei de uma coisa.

— Piccolo… é verdade o que você disse antes? — O olhei, pesarosa. — Que dois Saiyajins estão vindo para a Terra destruir os humanos?

Ele engoliu saliva e se ajeitou no tronco.

— Sim. É verdade.

— E você quer nos treinar para combatê-los? Eu e esse garotinho aqui?

— É isso mesmo.

Ficamos nos olhando por longos segundos, com o som do crepitar das chamas da fogueira e dos grilos ao nosso redor, até que respondi:

— Isso só pode ser uma piada. — Ri pelo nariz em incredulidade. — Como eu e Gohan podemos sequer ter uma chance contra guerreiros tão poderosos?! Ainda mais dois deles?!

— Parece que você tem pouquíssima confiança nos meus métodos de Treinamento. — Piccolo cruzou os braços, plenamente curado da ferida. — Não esqueça de que acabei de enfrentar quatro leoas famintas, e de que consegui, sozinho e sem um braço, matar ambos Raditz e Goku.

— Mas só porque meu irmão o estava segurando por trás! Você mesmo disse.

— Verdade, eu ouvi isso, também — acrescentou Gohan.

— N-Não importa! — Piccolo sacudiu a cabeça e limpou a garganta. — De uma maneira ou de outra, a única chance que a humanidade tem de sobreviver a estes dois Saiyajins, é se você e Gohan aprenderem a lutar de maneira eficaz e apropriada. Lembrem-se de que temos um ano para isso. É tempo o suficiente para vocês também se tornarem grandes guerreiros.

Ponderei a questão por um tempo. De fato, Piccolo também era um forte guerreiro. Um guerreiro chato e ranzinza, mas forte, e pelo visto, sabia boas técnicas de luta. Me lembro de que ele comentou que sua técnica de voo era superior a da Nuvem Voadora. Não seria nada mau se eu e Gohan aprendêssemos a voar. Esta habilidade teria vindo muito a calhar no ataque das leoas.

— Mas, Piccolo — ergui uma sobrancelha, com um meio sorriso brincalhão —, e aquele seu plano de conquistar o mundo e tals?

Ele torceu os lábios e desviou o olhar.

— Pois é… — balbuciou. — Vai ter que ficar pra depois.

Não consegui evitar um pequeno riso, o que atraiu um olhar rabugento dele.

— Tá. Se eu concordar em executar o seu plano, como ele fica? — Indiquei Gohan com meu olhar. — Não quero problemas com a mãe dele. Imagino que ela deva estar louca de preocupação com o filho, além de que acredito que já deva saber sobre a morte do marido.

— Ah, não se preocupe em relação a isso. — Piccolo abanou a mão com desdém, impaciente. — Antes de eu trazer vocês pra cá, a Bulma, o Kuririn e o Mestre Kame chegaram no local da luta, e ficou combinado deles avisarem a Chi-chi sobre tudo o que aconteceu e sobre o meu plano de treinar Gohan.

— "Chi-chi"? — indaguei.

— É o nome da sua cunhada.

— Oh, entendi. Mas, será que ela aprovaria essa ideia?

— Pelo que conheço dela, odiaria e, provavelmente, me esfolaria vivo. — Ele esboçou uma feição de tédio. — No entanto, pedi que a avisassem que você viria junto, o que acho que não vai adiantar muita coisa, já que ela não te conhece. Mas, é a única opção que temos. Ela terá de aceitar.

— Sua mãe é muito brava, Gohan? — perguntei.

— Ah, sim! — Ele sacudiu a cabeça com grande convicção. — Ela me faz estudar o dia inteiro e odeia que meu pai sai pra tleinar. Mamãe acha que lutas são uma glande perda de tempo e que o único futuro que se pleste é estudar para se tornar um glande profissional no mercado de trabalho.

Para um garotinho que só havia chorado e pedido pelo seu papai desde o momento em que o conheci, Gohan de repente se mostrou uma criança com um nível absurdo de vocabulário para a sua idade. Eu e Piccolo trocamos olhares levemente assombrados, e confesso que senti um genuíno medo dessa minha cunhada Chi-chi.

— Certo… — respondi, ainda não muito segura em ter de enfrentar uma mãe furiosa daqui a um ano, e coloquei Gohan de pé, me levantando em seguida com a postura mais confiante que consegui mostrar para Piccolo. — Muito bem. Aceito o seu plano de nos treinar. Onde fica a sua Escola?

Piccolo franziu a testa ao me encarar.

— Minha… Escola? — Ele então desembestou a rir alto. — Essa é boa! Você é mesmo tão ingênua quanto Goku! HAHAHAHAHA!

— É… Haha… — Também ri com um sorriso amarelo e acanhado. — Hã… Não entendi qual é a graça.

Piccolo secou uma lágrima, ainda rindo, e abriu os grandes braços.

Esta é a sua Escola. Sejam bem-vindos!

Não. Ele não podia estar falando sério. Meu sonho de princesa já era!

— Espera. — Ergui a mão. — Nós vamos treinar… A-AQUI?! No meio do mato?!

— Uhum — afirmou Piccolo ao cruzar os braços numa postura ereta. — Eu disse isso lá no laguinho. Você quem não prestou atenção.

Bom, acho que eu estava ocupada demais digerindo a MORTE DO MEU IRMÃO!

— M-Mas, e se as leoas voltarem?! — retruquei.

— Ora, se até o final do nosso prazo de um ano vocês não forem capazes de se proteger de leões, como enfrentarão os dois Saiyajins?

Dei uma rápida olhada para Gohan, que nos observava em silêncio. Conceber a ideia de que, daqui a um ano, eu e ele seríamos capazes de enfrentar leões parecia incrível e aterrorizante ao mesmo tempo.

— Escuta. — Piccolo chamou minha atenção. — Aqui é o lugar perfeito para o Treinamento de vocês. O ambiente, os perigos e os desafios, que eu com certeza não os pouparei de enfrentarem aqui, os tornarão grandes guerreiros. — Ele fez uma careta — Ou, ao menos, é o que espero e exijo. Não vá pensando que pode encontrar um Treinamento tão eficaz quanto o meu numa Escola de Artes Marciais formal do centro da cidade.

Passei a mão na testa e nos cabelos desgrenhados, pensativa e receosa ao mesmo tempo. Pela décima vez me perguntei onde raios eu havia me metido. Ontem, a essa hora, eu estaria no meu quartinho alugado me preparando para dormir para o torneio no dia seguinte. Agora, estava diante de uma proposta de formar uma aliança com um alienígena verde e um meio-alienígena criança para enfrentarmos outros dois alienígenas que estavam chegando para nos destruir.

Contudo, a proposta de Piccolo não parecia tão ruim assim. Ele nos ensinaria, de graça, a lutar e nos tornar grandes guerreiros. DE GRAÇA! Bom, não totalmente de graça, imaginei, pois era bem provável que este Treinamento custasse minha saúde física e mental. Aguentar aquele cara não seria nada, nada fácil. Talvez, seria o pior desafio que já enfrentei…

Porém, mesmo assim… Ali estava a oportunidade que sonhei minha vida toda. Eu enfim teria um professor, de verdade! Alguém disposto a me ensinar!

E, por mais uma vez, eu tinha um motivo pelo quê lutar. Pra ser sincera, eu meio que… não tinha escolha, na verdade. Veja, de uma hora para outra, o futuro da humanidade caíra em nossas mãos; minhas e de Gohan, e não minto quando digo que aquilo me apavorava.

Mas, aquela não era a hora de desistir. Eu simplesmente não podia.

— Muito bem, então — respondi, por fim, com meu coração aflito. — Aceito suas condições de Treinamento, contanto que você também aceite as minhas.

— Hã? — indagou Piccolo.

— Não são muitas, fique tranquilo. Não sou uma mulher exigente. — Ergui uma sobrancelha. — Maaas… sou uma mulher civilizada, e não vou passar um ano da minha vida vivendo como uma sem-teto. — De repente, senti uma pontada de tristeza ao me recordar de uma época que prefiro não comentar. — Já tive uma fase dessas e… não foi nada agradável.

Piccolo e até Gohan devem ter notado meu repentino semblante abatido, pois me olharam de um jeito estranho e curioso.

— Bom, enfim — continuei —, se vamos mesmo viver ao ar livre neste lugar, quero que providencie algumas coisas. — Enumerei meus dedos. — Primeiro: precisamos de, no mínimo, uma barraca para mim e Gohan. Nem pensar que deixarei o meu sobrinho dormir ao relento e sem proteção. Além de que, pelo que você comentou, se a mãe dele souber disso, caso os dois Saiyajins não acabem comigo quando chegarem, a Chi-chi acabará.

— O quê?!?! — retorquiu Piccolo em plena indignação. — Uma barraca?! Você está mimando este menino!

Cuidar não é mimar, Piccolo — falei na minha melhor entonação calma, serena e persuasiva. — Como você quer que ele ou eu tenhamos um bom desempenho nos treinos se não tivermos uma boa noite de sono? — Cruzei os braços assim como ele e olhei Gohan de esguelha. — Qual é, Piccolo? Achei que você fosse mais inteligente.

— EU SOU INTELIGENTE!

— Então, vai providenciar a barraca?

Suas narinas se inflaram de tal modo que parecia que ele ia levantar voo.

— Tá, tá! Que coisa… — Ele cobriu o rosto e resmungou: — O que fui inventar de fazer?! — Ele então voltou-se para mim, ainda nervoso. — Mas me fala, quem é que vai bancar isso? Está me achando com cara de cartão de crédito?!

— Não, querido — ironizei. — É o seguinte: vá até a arena clandestina que eu trabalhava e veja se sobrou alguma coisa do meu quarto, a qual, inclusive, você fez o favor de não impedir Raditz de destruir quando o seguiu. Tente encontrar meus documentos pessoais e alguns pertences. Depois, passe no banco e retire tudo o que tiver na conta, e compre o que for necessário para mim e Gohan. Não é uma quantia alta, mas é o que consegui guardar no último ano. Eu estava reservando para comprar uma casa, mas — suspirei —, acho que este é um plano que também terei de deixar pra depois. Acredito que tenho o suficiente para comprar uma barraca simples, um colchão básico pra gente não dormir no solo duro, uns dois cobertores para as noites frias, e alguns itens de higiene, como pacotes de absorvente para mim.

— Como é que é? — Piccolo piscou várias vezes. — A-Absorvente?

Inclinei a cabeça para ele, estreitando os olhos.

— Pelo visto, parece que você viveu sua vida toda isolado, não é? Pois bem, eu menstruo todo mês, sabia? Acha que vou usar o quê para conter o sangue? Uma folha de bananeira? No meio desse mato? Não, senhor! Me traga absorvente do modelo noturno e com abas, por favor.

— E-E-EU NÃO VOU SAIR DO MERCADO CARREGANDO PACOTES DE ABSORVENTE!!! — Piccolo ficou vermelhíssimo, inflando-se ainda mais. Então, ao ver meu olhar recriminador sobre si, ele baixou a voz num sussurro desesperado: — É que… é… é constrangedor!

— Por que está falando tão baixo? — indaguei. — Não tem ninguém aqui além de nós três, e Gohan nem sabe o que é um absorvente.

— Sei, sim, Tia Lettie — respondeu ele, inocentemente. — A mamãe me fez aplender todo o ciclo biológico feminino nos estudos do mês passado.

Pela segunda vez, eu e Piccolo nos entreolhamos, assustados com a repentina inteligência e desenvoltura daquele garoto.

— Gohan, meu amor. — Me apoiei nos joelhos para ficar na sua altura. — Diz pra Tia Lettie, quantos anos você tem, mesmo?

— Hã… — Ele contou os dedinhos. — Tenho quatlo!

— Que horror… — Piccolo torceu o nariz. — É um nerd na sua mais pura forma. — Ele virou-se para mim com um sorriso irônico. — E então, senhorita? Deseja acrescentar mais algum item na sua lista? Um champanhe e caviar, talvez?

— Sim. — Esbocei a mesma expressão que ele. — Por favor, me traga chocolates. Para as minhas TPMs, sabe? Preciso de chocolate beeem doce.

Piccolo levantou-se do tronco caído num pulo e começou a se distanciar de nós, resmungando consigo:

— Era só o que me faltava!

— Ei, espera! — Eu e Gohan exclamamos juntos.

— O que foi, agora?! — Piccolo olhou para trás, ainda emburrado.

Peguei Gohan no colo e nos encolhemos, olhando ao redor com temor.

— Por favor… — pedi. — Não vá embora.

— As leoas não voltarão mais — garantiu ele. — Hoje, não, pelo menos.

— Fica, Sr. Piccolo! — suplicou Gohan, com um bico de choro. — Por favor!

Piccolo também fez um bico, só que de impaciência, ao nos analisar ali, parados uns nos braços do outro.

— Nós nos sentiríamos mais seguros se… se você ficasse — confessei.

Pela fraca iluminação alaranjada da fogueira, vi Piccolo erguer as sobrancelhas, parecendo surpreso com minha fala. Ele então baixou a cabeça e apertou o osso do nariz, suspirando, e retornou. Fiquei aliviada. Quando ele se sentou no tronco de novo, tirou duas frutas dos bolsos das calças do seu macacão.

— Tomem. — Ele as jogou para nós. — Imagino que estejam com fome.

— Famintos! — respondemos. — Valeu!

Aquela fruta pareceu o melhor banquete do mundo, e as devoramos em silêncio. Eu até queria pedir mais uma para Piccolo, mas achei que isso seria abusar demais. Ainda não estávamos nesse nível. Após limpar a boca, me levantei e me aproximei dele, tímida.

— Hã… Licença… Piccolo, só tem mais uma coisa que me preocupa.

— Se for sobre a questão da comida, sou eu quem vou providenciar — respondeu ele com um olhar tedioso para a correnteza leve do rio.

Ufa. Mais um alívio. Mas não era isso o que eu ia dizer para ele.

Com extrema vergonha, abri os braços e gesticulei para mim mesma.

— Sinto muito dizer, mas… acho que minhas roupas não são apropriadas para o Treinamento.

— Não tem mais no seu antigo quarto? — perguntou Piccolo. Ele era tão alto, que nem precisava olhar para cima para ficarmos da mesma altura.

— Se sobrou alguma coisa por lá, de uniforme de luta, talvez eu tenha umas duas regatas como essa que estou usando, mas são bem velhas.

— Não tem outro kimono?

— Não. — Baixei a cabeça para esconder o quanto eu me sentia constrangida. — Eu… E-Eu não consegui comprar um novo ainda. Só tenho esse.

Achei melhor nem dizer nada sobre as minhas botas, agora estragadas, mas não foi necessário, pois vi Piccolo as analisando, jogadas num canto perto do rio.

— Certo. Entendi. — Ele então se endireitou. — Fique parada.

— O que você vai faz–

Piccolo estendeu as palmas das mãos em minha direção e, no próximo segundo, minhas roupas foram magicamente transfiguradas. Ouvi Gohan soltar um arquejo e enfim olhei para o meu corpo.

Minha velha regata e calças brancas foram substituídas por um belo conjunto em tons de azul, ajustado com perfeição para o meu tamanho e num tecido incrivelmente fresco, resistente e confortável. Por baixo, uma blusa de manga longa azul-clara terminava em munhequeiras de couro de tiras pretas, até formarem uma luva sem dedos em minhas mãos. Na parte inferior, um par de calças num tom de azul mais escuro descia até os meus pés, agora cobertos com duas botas azul-marinho, as quais tinham uma maciez que nunca senti igual. E, para completar, por cima de tudo e até a altura dos meus joelhos, a capa do kimono, também em azul-marinho, se fechava por um cinto largo de couro preto. O mais fantástico, era que, tanto as munhequeiras, como o cinto e também as botas, tinham pesos.

Encarei Piccolo, sem palavras.

Ele podia ter seus defeitos, mas, se uma coisa ele tinha mesmo, era bom senso de moda. Eu nunca havia me sentido tão linda em toda a minha vida. Minha autoestima chegou aos céus! Meu sonho de princesa voltou!

Não aguentei. Fui tomada por uma forte emoção, e minhas pernas fraquejaram, me fazendo cair de joelhos.

— O-Obrigada! — Contive um soluço de choro e disparei para abraçá-lo, mas ele logo me afastou, daquele mesmo jeito rabugento de "não me toque", e então, me coloquei a sua frente e fiz uma reverência, dizendo: — Muito obrigada, Mestre. — Abri um grande sorriso. — F-Foi o melhor presente que já ganhei!

Por alguma razão, ele ficou em choque.

— Hã? Do que você me chamou?

— De… "Mestre". — Franzi o cenho ao não compreender sua dúvida. — Já que vai me treinar a partir de agora, logo, será meu professor e devo passar a te tratar como tal, não é? Bom… eu… hã… pelo menos, é assim que vejo os alunos das Escolas de Artes Marciais da cidade tratarem seus professores...

Percebi que a confusão nos olhos de Piccolo só aumentou, até que ele curvou os lábios para baixo e assentiu em aprovação.

— Puxa, eu não esperava esse tipo de subordinação vindo de você. Temos basicamente a mesma idade.

— Eu sei… Mas, apesar de discordarmos, e muito, de alguns pontos e questões, você salvou a minha vida e a de Gohan, e, mesmo que eu saiba que você não está nada feliz com isso, se dispôs a usar do seu tempo para nos ensinar a lutar por um ano inteiro e me deu um uniforme que me custaria no mínimo uns seis meses das minhas economias. — Me mantive firme em nosso contato visual. — Podemos ter nossas diferenças, mas ninguém nunca fez isso por mim. Por isso falo sério quando digo que sou grata.

Piccolo continuou com aquele mesmo semblante, piscando e sacudindo a cabeça para mim numa mistura de perplexidade e incredulidade diante minhas palavras, e a única conclusão possível que cheguei foi a de que ele falava a verdade quando disse que eu era a primeira pessoa a lhe mostrar gratidão sobre alguma coisa. 

— Você está ciente de que matei o seu irmão? — questionou ele.

— Estou, mas, você mesmo disse que Goku pode ser ressuscitado. E pelo modo que falou, parece que sabia deste detalhe quando o matou. — Ousei estreitar os olhos para ele, com um sorrisinho. — Acho que, no fundo, você o admira e só fez aquilo para provocá-lo e ter uma revanche com ele no futuro.

Piccolo arregalou os olhos de tal maneira, que foi como se eu tivesse revelado seu segredo mais profundo, e aumentei meu sorriso quando vi que, bingo!, eu estava certa. Ele não me enganava. Eu já havia presenciado inúmeras vezes aquele tipo de comportamento em outros lutadores. Era quase que como uma política de boas práticas: "A gente finge se odiar para a luta ficar mais interessante."

— Ei! Ei! — Gohan se enfiou entre nós. — Já que é assim, também quelo um uniforme novo igual ao do meu papai!!!

— Argh! — resmungou Piccolo, ainda meio conturbado. — Nada disso! Sua roupa está ótima, só está suja. Lave ali no rio que fica nova num segundo.

Gohan ficou cabisbaixo, chateado por ter seu pedido negado, então, escondendo um riso, me ajoelhei ao lado dele e formei uma concha com a mão para sussurrar em seu ouvido:

— Peça, "por favorzinho, Sr. Piccolo".

Gohan se animou e então, se pôs na frente dele como a alma mais inocente do planeta, piscou seus grandes olhinhos e exclamou com sua vozinha fina e fofa:

— Por favorzinho, Sr. Piccolo!

Piccolo pressionou os lábios e estufou o peito, tamanha indignação deve ter sentido ao se ver num impasse por um garotinho que nem chegava direito na altura dos seus joelhos, e olhou para mim, claramente me culpando por estar naquela situação. Dei de ombros numa postura acanhada, esboçando um meio sorriso brincalhão e tentando convencê-lo através do olhar a cumprir a vontade do menino. Piccolo então bufou, enchendo as bochechas de ar e o soltando, até que, por fim, revirou os olhos, resmungou um xingamento aleatório, estendeu a palma da mão e transfigurou as roupas de Gohan até ele virar uma mini-versão de seu pai, só que de cabelos compridos.

Gohan escancarou a boca em admiração pelo uniforme novo, e me ajoelhei para fazê-lo dar uma volta completa em comemoração, até Piccolo perder a paciência com nossa alegria e nos mandar ir dormir, pois amanhã acordaríamos antes do Sol nascer, "sua dupla de idiotas folgados e inconvenientes, etc etc etc…"

Minutos depois, encolhido em meus braços no lugar onde havíamos deitado antes, Gohan sussurrou numa voz preocupada:

— Tia Lettie, a senhora acha que vamos conseguir delotar esses caras malvados que estão chegando?

— Gohan, preste atenção. — Dei um beijo em sua testa. — Eu não sei o tamanho da força do nosso sangue Saiyajin. Mas, sei de uma coisa, que daremos o nosso melhor neste Treinamento para nos tornarmos o mais forte que pudermos e ajudarmos a salvar a Terra. Não podemos desistir, não importa o que aconteça. 

Ele concordou em silêncio e fez outra pergunta:

— Será que… eu vou ver o meu papai de novo? E a minha mamãe?

Dei uma espiada em Piccolo, o qual permanecia sentado no tronco como um anjo da guarda, olhando para a fogueira. Apesar de ainda exibir uma careta muito ranzinza, algo em seu aspecto fazia desaparecer aquela monstruosidade que vi de início, e só enxerguei um homem muito, muito solitário.

Por alguma razão, ele não parecia mais tão assustador assim.

— Tenho fé que verá seu papai e sua mamãe de novo — respondi a Gohan. — Porém, enquanto isso não acontece, garanto que não te abandonarei. Cuidarei de você todos os dias. É uma promessa.


Load failed, please RETRY

Estado de energía semanal

Rank -- Ranking de Poder
Stone -- Piedra de Poder

Desbloqueo caps por lotes

Tabla de contenidos

Opciones de visualización

Fondo

Fuente

Tamaño

Gestión de comentarios de capítulos

Escribe una reseña Estado de lectura: C5
No se puede publicar. Por favor, inténtelo de nuevo
  • Calidad de escritura
  • Estabilidad de las actualizaciones
  • Desarrollo de la Historia
  • Diseño de Personajes
  • Antecedentes del mundo

La puntuación total 0.0

¡Reseña publicada con éxito! Leer más reseñas
Votar con Piedra de Poder
Rank NO.-- Clasificación PS
Stone -- Piedra de Poder
Denunciar contenido inapropiado
sugerencia de error

Reportar abuso

Comentarios de párrafo

Iniciar sesión