LETTIE
Eventualmente, parei de gritar.
Ainda agarrada à Goku, juntei coragem para abrir os olhos e ao menos tentar me acostumar com a altura em que voávamos naquela Nuvem Voadora.
Era estranho. Diferente de voar nas costas de Raditz, a Nuvem Voadora parecia ter alguma espécie de… gravidade. Não sentia aquela horripilante sensação de que iria cair, pelo contrário, ela parecia me puxar, me envolvendo com aquela maciez amarelada. Mesmo assim, achei melhor continuar me segurando em Goku.
O barulho do vento passava pelos nossos ouvidos, zumbindo conforme avançávamos em alta velocidade até onde o Radar do Dragão marcava a localização da Esfera de Gohan. Fora isso, estávamos nós três em silêncio.
Olhei para o meu irmão à minha frente, e não pude deixar de sentir uma enorme vontade de… conversar. Puxa vida, ele era o meu irmão, e meu sobrinho estava nas mãos do meu outro irmão! Aquela realidade me atingia tão forte quanto o vento ao nosso redor, e aos poucos, fui digerindo tudo o que aconteceu nas últimas horas, remoendo cada detalhe.
Eu queria saber mais quem era esse meu irmão Goku. Onde ele esteve esse tempo todo? Onde foi criado? Quando ele aprendeu a lutar? O que fez da vida durante todos esses anos em que não nos conhecíamos? Bom, se tinha um filho, então significava que poderia ser casado. Quem era sua esposa? Será que era uma mulher bacana? Afinal, ela seria minha cunhada. Será que nos tornaríamos amigas? Falando em filho, e Gohan? Caramba, eu tinha mesmo um sobrinho! Era por isso que senti algo diferente por ele quando o conheci. Compartilhamos o mesmo sangue. Mas, eu não conseguia negar como me entristecia saber quanto tempo perdi longe daqueles que agora eram minha…
Família.
Aquilo era algo que nunca tive. Ninguém nunca nem chegou perto deste posto.
Mas agora, parecia que eu não estava mais tão sozinha assim neste mundo.
Minha vista embaçou quando percebi as lágrimas inundarem meus olhos, e precisei disfarçar para que Goku e Piccolo pensassem que foi apenas uma poeirinha. Porém, mesmo querendo conversar com Goku, eu percebia pela sua postura rígida o quanto estava tenso, e cheguei à conclusão de que aquele não era o momento para isso, e se eu ainda tinha dúvidas de que ele era meu irmão, elas foram sanadas quando ele pareceu ler minha mente e disse:
— Lettie, sei que você deve ter muitas perguntas. Eu também tenho, mas agora, não estou com cabeça para isso. Sinto muito.
— Não se preocupe — respondi. — Teremos muito tempo para nos conhecermos melhor depois que derrotarmos Raditz e recuperarmos Gohan.
— Obrigado. — Ele virou a cabeça para me olhar e dar um pequeno sorriso, e logo voltou-se para frente com um semblante fechado e concentrado.
Quando olhei para o lado, vi que Piccolo me observava com seus olhos intensos e soturnos. Tentei sustentar seu olhar por um tempo, mas logo baixei a cabeça. Ele me dava medo. Apesar de ter certeza de que ele também era um alienígena, não era sua aparência o problema. Era algo dentro dele que me incomodava e me causava um desconforto.
Além de que, desde que subi na Nuvem Voadora, ele não parava de me olhar de esguelha, exibindo uma expressão compenetrada, como se me analisasse e se perguntasse como raios fui parar ali em cima.
Eu não entendia tal comportamento. Os outros que ficaram na ilhota — Bulma, Kuririn e Mestre Kame — também se assustaram quando subi na Nuvem Voadora. O que tinha de mais? Era só uma nuvem. Uma nuvem mágica, mas mesmo assim, uma nuvem. Achei bom acrescentar essa pergunta com as outras quando eu tivesse a oportunidade de conversar melhor com o meu irmão depois que tudo aquilo acabasse.
Pipipipipipipi — apitou o Radar do Dragão.
— Estamos perto! — Goku se enrijeceu, encarando o objeto.
— E se descermos um pouco, para darmos uma olhada? — sugeri, vendo o radar por cima do seu ombro.
— De jeito nenhum — replicou Piccolo. — É melhor prosseguir.
— O quê? Por quê? — perguntamos eu e meu irmão em uníssono.
— Vocês repararam naquele aparelho estranho que Raditz usa no olho esquerdo? Parece que, por meio daquilo, ele pode saber a localização e até o poder de luta do inimigo.
Eu e Goku nos entreolhamos. Sim, era verdade. Me lembro de ter visto o que chamei de "monóculo quadrado com visor esverdeado".
— Deve ser uma tecnologia muito avançada pra conseguir fazer isso… — ponderei.
— Sim. — Piccolo ficou mais sério ainda. — Nunca vi nada parecido aqui na Terra.
— Quer dizer que Raditz sabe que estamos atrás dele? — Goku se mostrou preocupado.
— Mas é claro que sim! — retrucou Piccolo.
— Muito bem! — concluiu meu irmão. — Então, não temos outra escolha a não ser atacá-lo de frente!
— Você pensou em algum plano, Goku? — questionei.
— Sim… Lettie, não me leve a mal. Sei que você deve ser forte, mas como me disse antes, não teve treinamento, por isso, não acho justo você lutar com Raditz por enquanto.
— O quê? Por quê? — Desta vez, fomos eu e Piccolo que perguntamos.
— Por que você pode acabar se machucando feio, e não teremos como socorrê-la.
— Mas então, qual foi o motivo dela ter vindo conosco se só irá nos atrapalhar?! — Piccolo me olhou com uma careta, e confesso que eu não soube o que responder, afinal, meu irmão não estava de todo errado.
Mesmo querendo ajudá-lo naquela missão, mesmo dizendo para mim mesma que eu era uma lutadora, lá no fundo, bem no fundinho, eu estava apavorada. Raditz havia quase me quebrado no meio com apenas um chute. Como sequer eu poderia ser párea para ele?
Piccolo tinha razão, eu só atrapalharia, e a única coisa que senti foi vergonha; vergonha por ser fraca demais.
— Ela não vai nos atrapalhar — disse Goku com um sorriso. — Muito pelo contrário, irá nos ajudar, e muito.
Franzi o cenho, confusa. Como eu o ajudaria se meu poder de luta contra Raditz era quase inútil?
Goku então virou a cabeça para mim.
— Lettie, é o seguinte. Enquanto eu e Piccolo lutamos contra Raditz, quero que você faça uma tarefa muito importante: encontre Gohan.
Ergui as sobrancelhas em surpresa.
— Pelo visto — prosseguiu meu irmão —, Raditz sabe que estamos a caminho, e Gohan não deve estar longe dele. Quero que você o encontre. Acha que dá conta disso?
— C-Claro! — respondi de imediato. — Pode contar comigo.
— Que bom. — Seu sorriso abriu mais. — Sabia que podia confiar em você, irmãzinha. Ei, Piccolo, o que acha disso?
— Por mim, tudo bem. — Ele deu de ombros, desinteressado. — Contanto que ela não me atrapalhe.
Me encolhi, ainda me sentindo envergonhada pela minha falta de habilidades, entretanto, uma coisa chamou minha atenção.
— Olhem! Ali embaixo! — Apontei para uma extensa área verde aberta, próxima a uma cratera. Sim… Aquele ali parado ao lado da cratera era Raditz. Eu reconheceria aquela cabeleira negra em qualquer lugar!
— Lettie, segure em mim e não solte — alertou Goku, e o obedeci na hora, já sabendo que algo iria acontecer, mas não sabia exatamente o quê.
Eu pensava que Goku "estacionaria" a Nuvem Voadora perto do chão, mas não. Ele pulou pra fora dela e foi caindo e caindo. Só tive tempo de abafar um gritinho e trancar minhas pernas ao redor dele, até pousarmos no solo com sucesso e sem nenhum arranhão, com Piccolo parando ao nosso lado.
Fiquei ainda uns dez segundos grudada no meu irmão, me tremendo por inteira por ter descido em queda livre uns vinte metros de altura. Só consegui me desvencilhar dele quando vi Piccolo olhar feio para mim, de certo me julgando por parecer uma palhaça na frente de Raditz parado à nossa frente a uma distância.
Com as pernas meio bambas e recuperando o fôlego, me coloquei entre Goku e Piccolo. Quando enfim encarei Raditz, a repulsa que tive por ele ultrapassou meu mal-estar.
— Agora entendi o porquê senti um poder de luta alto se aproximando de mim. — Ele brincava com uma fruta em suas mãos. — Eram vocês três. Como souberam que eu estava aqui?
— Não temos que te dizer nada — retorquiu Goku.
— É mesmo? — Os lábios de Raditz se curvaram num sorriso irônico. — Então, vou fazer outra pergunta: o que trouxe vocês aqui?
— Você sabe — irritou-se Goku. — Pelo meu filho! Pelo quê mais eu viria?!
Disfarçadamente, olhei ao redor, me esforçando ao máximo para descobrir onde Gohan poderia estar, e avistei a cratera. Não era muito grande, e a terra que a formava parecia fresca, como se tivesse sido feita há pouco tempo. Ao analisar melhor, avistei a ponta de alguma coisa metálica lá embaixo.
— Se não me engano — continuou Raditz —, apesar de serem Saiyajins, você e Lettie se recusam a se unir com os do teu próprio sangue.
— É isso mesmo! — respondeu Goku.
— Nem por todo dinheiro deste mundo eu me uniria a vocês! — acrescentei.
— Então, escolhem trair o seu irmão? — Raditz se apoiou na cintura.
A ironia daquele cara estava me irritando, e também a Goku, pois ele retrucou com convicção:
— Como a própria Lettie disse, considere-se órfão e sem irmãos, Raditz, pois a única irmã que tenho está bem aqui ao meu lado.
Não era o momento para agradecê-lo, mas fiquei contente com sua declaração, tirando a parte que ouvi Piccolo grunhir de tédio. Tenho certeza de que ele revirou os olhos.
Parece que a irritação também alcançou Raditz, pois ele espremeu a fruta que segurava ao dizer:
— Kakarotto, Lettie, pensei que fossem mais inteligentes. Vocês me decepcionaram. Espero que vocês três não tenham feito um plano idiota, achando que, unindo suas forças, poderiam me vencer! Ou será que fizeram? — Dito isso, ele abocanhou um pedaço da fruta, escorrendo suco pelo seu queixo. Pela segunda vez, ouvi Piccolo grunhir, só que agora, foi de nojo, e não consegui evitar senão imitá-lo.
— Ah, já chega de ouvir tanta besteira! — Piccolo também perdeu a paciência e então, do nada, tirou sua capa com ombreiras pontudas e seu turbante, revelando uma cabeça careca com duas antenas acima das sobrancelhas. Porém, o que me chamou atenção foi que, ao suas roupas caírem no solo, emitiram o som de um baque muito pesado.
— Hã? — Goku olhou para ele. — Você também estava usando roupas com pesos para treinar?
— Pois é. Assim como você. — Piccolo massageou os músculos do ombro com um sorriso satisfeito. — Fazia tempo que eu não sentia o corpo tão leve.
Fiquei em choque ao assisti-los. A ideia de treinar usando roupas com pesos era uma técnica… incrível! Como eu nunca havia pensado naquilo antes?! Oh, puxa! Como eu queria um professor!
Raditz também ficou em choque com aquela novidade, pois fez uma careta nada satisfeita. No entanto, levei um susto quando vi Goku tirar a parte de cima do seu macacão de luta laranja e se despir, tirando uma camiseta azul-marinho que usava por baixo.
— Pois é, Piccolo. — Goku tirou as munhequeiras do pulso e sentou-se no chão para descalçar as botas pretas. — Parece que você também andou treinando muito. Fico feliz que esteja do meu lado hoje. — Ele se pôs de pé, também massageando os músculos e dando pulinhos no lugar. — Ufa! Acho que assim poderemos lutar melhor, não é?
Fiquei esfregando as mãos nas laterais do corpo, sentindo uma leve humilhação por ser a única ali que ficou apenas parada e não fez nada para mostrar que tinha alguma habilidade escondida.
— O que foi, irmãzinha? — Raditz sorriu de um jeito sinistro para mim. — Não vai tirar sua roupa, também?
Arregalei os olhos, sentindo uma profunda náusea emergir do meu âmago e, instintivamente, abracei a mim mesma como querendo ocultar o meu corpo daquele olhar macabro de Raditz.
— CALE A BOCA, SEU DESGRAÇADO! — vociferou Goku, com as veias do seu pescoço pulsando. — Você não tem nenhum respeito?!
— Ué, vocês mesmos disseram que não me consideram como irmão. — Raditz cruzou os braços. — Então, acho que não tem problema se eu quiser brincar um pouquinho com a Lettie mais tarde, após derrotar você e o verdão esquisito aí.
Foi a minha vez de sentir minhas veias pulsando, e nunca desejei tanto saber lutar melhor para acabar com aquele canalha.
— Basta! — Piccolo deu um passo a frente, e percebi como ele parecia tão rígido quanto Goku, cerrando os punhos até os nós dos dedos ficarem esbranquiçados. — Posso ser um esquisitão para você, Raditz, mas o que você falou foi muito baixo e nojento.
Piccolo me defendendo? Goku até entendo, mas, o cara que só me olhou torto desde que apareceu? Ora, ora… parecia que estávamos chegando a algum lugar.
— HA! — Raditz abanou a mão. — Me poupem de toda essa bobagem e lenga-lenga, tá? Por acaso acham que tirando esses pesos ficarão fortes o suficiente? Sem essa! Não me façam rir! Se acham que vão me derrotar dessa maneira, são um trio de ingênuos!
— Escute aqui, Raditz. — Fingi olhar minhas unhas após me sentir mais segura com dois brucutus ao meu lado me defendendo. — O resultado de uma luta não é definido apenas pelo uso da força. O trio aqui tem um belo plano de ataque.
Senti os olhares de Goku e Piccolo sobre mim após minha mentirinha, e torci para eles não ficarem bravos comigo. Mas, que escolha eu tinha? Precisávamos nos mostrar confiantes, não é?
— Não quero que me falem o que vão fazer. — Raditz jogou a fruta por trás dos ombros. — Kakarotto, Lettie… Decidi que já não precisamos mais de vocês conosco. Seriam apenas um estorvo para a nossa missão. — Sua cabeleira de repente esvoaçou com um vento que emanava dele, enquanto exclamava: — VOCÊS SÃO UMA DESONRA PARA A NOSSA FAMÍLIA!!! AGORA, VOCÊS VÃO VER!!!
Goku e Piccolo se colocaram na minha frente de imediato, em posição de combate, e, como eu sabia que não era para eu lutar, fiz o favor de dar espaço a eles. Porém, mal pisquei e Raditz voou em nossa direção, e acotovelou ambos nas costelas, os fazendo quase caírem no chão enquanto se equilibravam após o ataque surpresa.
Nós três encaramos Raditz com grande espanto. Que velocidade!
Parado com os braços flexionados numa pose de vitória, ele declarou para Goku e Piccolo, metros adiante:
— Vejo que vocês dois têm uma boa defesa. Mas, suas mortes são apenas uma questão de tempo. Pouco a pouco meus ataques serão cada vez mais fortes!
Por sorte, Raditz acabou parando de costas para mim. Ou ele não tinha me percebido ali (o que seria tolice de sua parte), ou minha presença era tão insignificante, que ele sabia que eu não o golpearia por trás.
Independente do que achasse, aproveitei aquela oportunidade para executar minha missão: encontrar Gohan. Goku e Piccolo foram espertos o suficiente para não me seguirem com o olhar, mantendo-os fixos em Raditz enquanto eu saía de fininho para espiar aquela estranha coisa metálica que eu havia visto na cratera, pois algo dentro de mim dizia que aquela coisa tinha algo a ver com Gohan.
Ao chegar na borda da cratera, estreitei os olhos para enxergar e entender melhor o que era aquilo ali no meio. Era um objeto grande redondo. Comecei a descer, me deslizando para baixo enquanto minhas botas entrecortavam o caminho pedregoso e úmido da terra, ouvindo Raditz continuar conversando suas asneiras com Goku e Piccolo lá em cima.
Quando cheguei ao fundo e me deparei com o objeto redondo grande, continuei sem as respostas que precisava. Era maior que eu e, quando passei a mão pelo objeto para tentar identificar de que material poderia ser feito, não senti nenhuma emenda de solda. A superfície era lisinha.
O que era aquilo?
Fui percorrendo meu olhar pela coisa, andando ao seu redor até que cheguei do outro lado e dei de cara com ninguém menos do que Gohan em pleno desespero, socando uma janelinha de vidro que o separava do mundo exterior.
Ao ver aquela criança ali, dentro daquele objeto todo forrado com estofados e cheio de computadores e monitores, na hora identifiquei o que era: uma cápsula. Só podia ser! Igual a que Raditz contou que os Saiyajins enviavam seus bebês Universo afora.
Igual à cápsula que eu fora enviada pela minha mãe.
Mas, não era hora de pensar em mim. Gohan estava aos prantos, com o rosto todo sujo das lágrimas que já havia derramado e a vozinha abafada pelo vidro que nos separava.
— Gohan!!! — Me ajoelhei no chão para ficar na sua altura, também colocando as mãos no vidro. — V-Você está bem?!
— ME TIRA DAQUI!!! — chorou ele. — EU QUELO O MEU PAPAI!!!
— Sim, sim! — Procurei tranquilizá-lo, mas meu coração estava quase saindo pela boca. — Shhh, está tudo bem. Respire fundo… Isso, Gohan… Eu estou aqui e vou ajudá-lo, tá? — Esbocei um sorriso gentil e falei no tom mais calmo que consegui: — Gohan, preste atenção. Sei que não nos conhecemos direito, mas, eu sou sua tia. Irmã do seu papai.
— Minha… tia…? — Ele esfregou o nariz com a manga da roupa.
— Sim! Sua tia, dá pra acreditar? Pode me chamar de Tia Lettie, se quiser. — Na verdade, era eu quem não estava acreditando que falava aquilo em voz alta. Mesmo com a tensão do lugar em que estávamos, não consegui deixar de sentir uma pontada de alegria ao me dar conta de que, sim, eu tinha um sobrinho! Abri mais meu sorriso e prossegui: — Seu papai está lá em cima — apontei para o alto da cratera —, lutando contra aquele homem mau, e ele me pediu para que eu te encontrasse. E aqui está você!
Gohan emitiu um soluço de choro.
— Agora — disse eu, confiante —, vamos te tirar daí!
Vi que havia uma minúscula fenda que contornava aquela parte da cápsula, a qual suspeitei que era ali onde ela se abria em alguma espécie de porta retrátil. Entretanto, o vão era da largura de milímetros, e nem mesmo minhas unhas conseguiram entrar lá dentro para abri-la, não importava o quanto eu me esforçasse para tal.
Ofegante e suando, olhei ao redor da cratera, na esperança de encontrar alguma rocha, ou algo duro o bastante para quebrar o vidro da janelinha. Contudo, pensei que, se aquela cápsula era resistente o bastante para viajar pelo Universo, não seria uma mísera pedra terráquea que iria quebrá-la.
Dei um pulo de susto quando, lá do topo da cratera, avistei Raditz flutuando nos céus e disparando raios de luzes pelas mãos, sem dúvidas tentando acertar Goku e Piccolo em sua luta.
Pensa, Lettie! Pensa, Lettie! Pensa, Lettie!
Voltei a me ajoelhar no chão e a colocar as mãos no vidro, com Gohan ainda aos prantos fazendo o mesmo do outro lado, e percorri meu olhar dentro da cápsula para encontrar algo que podia nos ajudar. Qualquer coisa!
Foi quando então avistei, próximo a um monitor grudado na parede acolchoada, um grande botão vermelho. Ora, eu não era nenhuma engenheira de cápsulas alienígenas, mas aquele botão praticamente gritava que era algo para ser usado numa emergência.
— Gohan! Gohan! Está me escutando?
— Sim, Tia Lettie… — fungou ele. — Eu tô!
— Está vendo aquele grande botão vermelho? — Pressionei a ponta do dedo contra o vidro, e ele confirmou. — Aperte-o!
Tomei distância para dar espaço para a porta se abrir, torcendo, do fundo do coração, que aquele botão não era de autodestruição ou algo terrível do gênero.
Ainda bem que minha intuição estava certa. A porta se abriu e tive que pegar Gohan no ar, pois ele saltou nos meus braços e se pôs a chorar em meu pescoço.
— T-T-Tia Lettie… E-E-Eu fiquei com tanto m-m-medo…
— Shhh… Está tudo bem, Gohan… Eu estou aqui… — Afaguei suas costas enquanto ele me apertava cada vez mais, com o corpinho todo tremendo de medo e soluçando sem parar.
Nunca, em toda a minha vida, fui abraçada daquele jeito por alguém; nunca ninguém veio procurar conforto e proteção em mim; e nunca encontrei ninguém a qual eu pudesse abraçar para buscar isso, também.
A sensação que senti ali com o pequeno Gohan em meus braços foi… maravilhosa!, e também, foi naquele momento que minha alma se uniu a dele num elo de carinho e cuidado, e o amei de todo o meu coração.
De repente, um clarão ofuscante cresceu do alto da cratera, nos fazendo se encolher e grunhir com a cegueira provisória que nos causou. Quem havia lançado aquele ataque?! Goku? Piccolo? Raditz?
Aninhei meu sobrinho junto ao peito e comecei a escalar a cratera, não sem escorregar pelo menos umas duas vezes pela dificuldade de subir um terreno tão íngreme e escorregadio com uma criança no colo.
Ao chegar no topo, achei prudente ainda ficarmos meio escondidos pela barricada que a cratera nos fornecia, e percorri meu olhar ao redor para entender o que estava acontecendo.
De imediato, senti um calafrio quando vi Goku a uma distância, esfarrapado e caído no chão, com Raditz o pegando pelas roupas rasgadas, pronto para lhe desferir um soco. Do lado oposto, metros adiante, avistei Piccolo, com as pernas afastadas em posição de combate, apontando dois dedos para o meio de sua testa, os quais saíam faíscas amareladas e, espere um pouco… ele… ELE ESTAVA SEM UM DOS BRAÇOS?!?!?!?!?!
— O-O que houve…?! — sussurrei. Gohan foi gritar pelo pai abatido, mas consegui tapar sua boca a tempo. Aquela seria uma péssima hora para revelar nossa localização!
Eu não podia afirmar, mas acredito que Piccolo tinha algum tipo de audição mais aguçada, porque, por um instante, ele virou a cabeça em nossa direção, e nossos olhos se encontraram.
Meu rosto devia estar transparecendo o mais puro terror ao ver seu braço decepado, com sangue pingando no chão e os músculos internos aparecendo na ferida, pois Piccolo também deu uma rápida olhada em seu braço, ainda com as faíscas saindo de seus dedos.
Raditz pareceu notar que tinha algo de estranho acontecendo com Piccolo. Eu mesma sentia uma grande energia emanando dele conforme aquelas faíscas aumentavam de tamanho. Raditz então abriu a boca para falar, mas Piccolo de repente apontou os dedos em sua direção e soltou um raio de luz duplo.
Um clarão, mais forte que o anterior, engoliu aquela região, seguido pelo estrondo de uma gigantesca explosão. Tudo o que eu ouvia eram os meus gritos, os de Gohan, os de Goku, e também os de Raditz ao sermos consumidos por toda aquela luz.
Segurando Gohan mais forte do que nunca (o qual não parava de tremer), enfim consegui recuperar minha visão e escancarei a boca em perplexidade ao ver que o ataque de Piccolo não fez nada menos do que ARRANCAR O PEDAÇO DE UMA MONTANHA AO LONGE.
Só que, pior do que isso, foi ver que Raditz não sofreu nenhum dano. A única coisa que aconteceu, foi perder um pedaço da ombreira de sua armadura e ganhar um corte no ombro.
— E-Ele… — Piccolo arregalou os olhos. — E-Ele… se esquivou! O maldito… ele… ele é muito rápido!
Tive a péssima sensação de que nosso time estava indo bem mal naquela luta.
Raditz ficou tão furioso por Piccolo ter destruído uma parte de sua armadura, que ergueu uma mão para o alto, criou uma bola de luz e se lançou para jogá-la nele, porém, assim que se inclinou, paralisou.
Quando olhou para trás, viu que Goku havia segurado sua cauda.
— HAHAHAHA! — riu Goku, de pé, como se nada tivesse acontecido a ele. — Você vacilou, cara!
Eu e Gohan abrimos um sorriso. Boa, irmão!
O efeito em Raditz ao ter sua cauda segurada foi instantâneo. Ele caiu no chão, tremendo todo e gemendo.
— Piccolo! — chamou Goku. — Rápido! Repita seu ataque, AGORA!
— Certo! — respondeu ele, abrindo um sorriso ousado ao apontar seus dois dedos para a testa de novo. — É assim que se faz, Goku! Segure bem a cauda dele, porque essa técnica só pode ser feita mais uma vez!
Testemunhando aquilo, eu e Gohan nos apertamos em nossos braços. Será que eles conseguiriam derrotar Raditz pra valer agora?
— K-Kakarotto… — gemeu Raditz. — P-Por acaso quer matar o seu irmão?!
— Ah, cala essa boca! — retrucou Goku. — Não se pode chamar de irmão alguém como você! Você quase me matou, machucou a Lettie e sequestrou o meu filho! Para de falar besteira!
— M-Mas, eu prometo que não faço mais! E-Eu vou embora deste p-planeta e n-não perturbarei mais vocês!
Sério isso, Raditz?! Pagar uma de bonzinho agora?! Ah, me poupe!
— Não deixe que ele te engane, Goku! — avisou Piccolo. — Ele só diz isso para você soltá-lo! Está mentindo!
Goku ficou olhando para Raditz com uma feição compenetrada. Eu quase podia ver a fumacinha saindo de sua cabeça.
Espere um segundo. Era impressão minha ou… Goku estava considerando o que aquele desgraçado disse?
Não. Não podia ser possível.
— P-Por favor, acredite em mim, irmão. — Raditz continuou gemendo do chão. — S-Sei que fiz algo cruel. Eu não quebrarei esta p-promessa! Eu juro!
Qual não foi o tamanho do meu espanto quando Goku perguntou na maior inocência:
— Está mesmo dizendo a verdade?
— M-Mas é c-claro!
Não. Agora, aquilo não podia ser possível.
Eu e Piccolo nos encaramos, incrédulos com o fato de Goku estar verdadeiramente acreditando nas palavras de Raditz.
Ponderei que, o que meu irmão tinha de força, não tinha de… inteligência.
— NÃO, GOKU! — berrou Piccolo em desespero. — É UMA ARMADILHA!
Não consegui mais aguentar. Escondi Gohan atrás da borda da cratera, me ergui até aparecer pela metade e também berrei:
— EU TAMBÉM SOU SUA IRMÃ, GOKU, E DIGO PARA NÃO FAZER ISSO! NÃO SOLTE A CAUDA DELE!!!
Goku, no entanto, continuou pensativo ao analisar o pobre e indefeso Raditz imobilizado no chão. Piccolo e eu nos encaramos de novo, num estado de estupefação pior do que antes. Eu quase podia ouvi-lo dizer para mim através do olhar que sentia muito ter praticamente me dito que eu era tão idiota quanto Goku.
Pelo visto, ele reconheceu que estava errado.
Então, Raditz, num último ato de súplica, pediu:
— Por favor, Kakarotto! Tem que acreditar em mim, eu sou seu irmão!
E assim, sem mais nem menos, Goku soltou sua cauda.
Não…
Não…
Não…!
NÃO!!!
GOKU, COMO VOCÊ PÔDE SER TÃO BURRO?!?!?!?!
No segundo seguinte, Raditz se levantou num pulo com um sorriso sardônico, e desferiu uma acotovelada na mandíbula de Goku com tamanho impacto que ele voou metros para trás. Noutro pulo, Raditz foi até ele e botou o pé em cima do seu peito em vitória.
— Goku, seu idiota! — esbravejou-se Piccolo. — Não podia confiar nele!
— PAPAI!!! — gritou Gohan, tomado pelo pânico. Eu podia até escondê-lo, mas não conseguia impedi-lo de ver o que estava acontecendo. Antes que ele pudesse sair correndo até Goku, o segurei nos braços de novo, me surpreendendo com o tanto de força que eu tinha que empregar para poder contê-lo ali comigo.
Raditz gargalhava alto com sua esperteza, enquanto Goku gemia de dor, agora ele imobilizado no chão.
— Sou obrigado a concordar com o verdão ali! — disse Raditz. — É difícil encontrar alguém tão idiota quanto você! Como pôde se deixar enganar tão facilmente?! Jamais será um grande guerreiro!
— Seu… Seu traidor! — Goku teve a ousadia de responder.
— Mas eu sou diferente! — vangloriou-se Raditz, o olhando de cima. — Eu sou um guerreiro de primeira classe, e não me importa que eu tenha que matar os meus próprios irmãos.
Dito isso, ele se virou para mim com um semblante tão sinistro que senti arrepios, e então, pressionou o pé contra o peito de Goku, e pude jurar que ouvi o som de sua caixa torácica se quebrando.
— Piccolo! — sussurrei para ele, me esforçando para conter um Gohan muito inquieto e indignado em meus braços. — Por favor, faça alguma coisa!
— Estou pensando! — replicou ele, entredentes, enquanto ouvíamos os gritos de dor de Goku ecoarem por toda a região.
— E aí? — Raditz se dirigiu a Piccolo com ironia. — Por que você também não vem e usa a sua técnica?
— Com certeza você iria escapar — respondeu ele, tão irritado que veias latejavam em sua cabeça.
— Não! Papai! — Gohan se esperneava sem parar. — Tia Lettie, aquele homem está judiando do meu papai!
Apesar de ainda estar indignada com a atitude burra de Goku, não pude deixar de sentir compaixão pela dor que passava (pois há pouco também tive minha caixa torácica quebrada e, rapaz!, como dói!) e, acima de tudo, pela agonia do meu sobrinho ao testemunhar o pai sendo torturado de um modo tão impiedoso.
— HAHAHAHA!!! — regozijou-se Raditz, pisando no peito de Goku cada vez com mais violência. — GRITA MAIS!!! CHORA MAIS!!! — Ele virou-se para mim e Piccolo. — Daqui a pouco é a vez de vocês! Portanto, é melhor se prepararem!
Aquilo já estava beirando a insanidade, e senti cada gota do meu sangue se agitar em pavor ao refletir que, se Goku e Piccolo fossem derrotados por Raditz, o que seria de mim e Gohan? Aquele maníaco torturando meu irmão já havia mostrado que não tinha escrúpulo algum para comigo. Se sobrássemos apenas nós dois, ele poderia fazer o que quisesse.
Raditz ergueu o braço para o alto e exclamou a plenos pulmões:
— AGORA, MORRA, KAKAROTTO!!!!!!!!!!
De repente, ele parou com o braço no ar e procurou ao redor, com seu monóculo piscando e apitando. Eu e Piccolo trocamos olhares confusos.
Então, olhei para baixo, para Gohan em meu colo. Seu rosto havia se transfigurado, tremendo por inteiro; não de medo, mas sim, de ódio. Uma força, mais poderosa do que tudo que já senti, emanava dele.
O que estava acontecendo com aquele garoto?!
Gohan começou a grunhir, mostrando os dentes ao fechar as mãozinhas enquanto encarava Goku ainda sofrendo no chão e, num movimento brusco, saltou do meu colo até uma altura impressionante, gritando em pleno estado de fúria para o homem que torturava seu querido papai.
Bônus do capítulo:
Gosto muito de encontrar trilhas sonoras que combinem com meus personagens. Tem um filme indiano do qual gosto muito, chamado "RRR" (disponível na Netflix), e o tema de um dos protagonistas se chama "The Water". Tem apenas 51 segundos de duração, mas acredito que combina PERFEITAMENTE com Piccolo. É uma música com uma vibe bem tribal e masculina, com notas que lembram a natureza selvagem, o que lembra muito com o caráter de "ermitão" de Piccolo. Vou deixar o link nos comentários. Me digam o que acharam da música, espero que gostem!