A dupla continuou andando pelas ruas a céu aberto.
Sado confiava em Yuki. Confiava em sua intuição e em sua liderança. Ela não era um ser hostil e maligno, isso já estava mais do que claro para ele, e por isso a seguia sem nada dizer.
Mas apesar de tudo, ele ao menos queria saber aonde estavam indo...
— Escuta, Yuki, onde estamos indo? Já estamos andando a meia hora e eu já tô cansando...
— Cansado, Sado? Ontem você correu pra caramba, lembra?
— É justamente por isso que eu tô cansado... Meu corpo de sedentário começa a apresentar reações estranhas quando exerço dele mais do que o normal.
Ouvindo da justificativa do garoto, Yuki se virou parando de andar e o viu que estava um pouco ofegante.
— Você acabou de beber algo a alguns minutos atrás, e essa cena está me dando um déjà vu.
— É, mas esses alguns minutos atrás já fazem meia hora.
Em resposta a menina que se lembrava do dia anterior a uma cena semelhante a essa, Sado assentiu como que protestando. Sobre isso, então, a menina pergunta meigamente:
— Quer uma aguinha, Sado?
— ...Mais uma vez você tá sendo bastante gentil comigo.
— E não é natural? Se quer repor forças, é só dizer, que assim farei algo.
O jovem recebeu da bondade dela mais uma vez e se sentiu esmagado. Ele não se julgava sendo tão merecedor assim quando não fazia nada que merecesse tantas gentilezas.
Mas assim era Yuki Sato naturalmente. E ela não media esforços para apoiar com o que fosse preciso em sua disposição para ajudar quem estivesse consigo. Ainda mais Yasutora Sado quem acabou tomando o status de amigo na vida dela.
Único amigo.
— Eu te agradeço.
— Sem problemas. Comemos o hambúrguer da amizade por um motivo.
— ....
Parados, o olhar castanho dele fitava a face de Yuki. Mais precisamente, seus olhos claros. O olhar em que um olho era azul como o céu mais limpo e o outro amarelo como o sol poente — esquerdo e direito respectivamente — fitava Sado com grande brilho e vida.
Diante desse olhar profundo ele até mesmo esqueceu-se de respirar.
E, vendo que o garoto parado nada dizia, ela se manifestou:
— Tá certo então. Eu vô ali pegar algo pra você beber.
Dando as costas para ele e adentrando um mercado.
Com as costas magras dela se distanciando de vez do seu campo de visão, Sado entortou o beiço.
— Tá parecendo até que eu tenho uma babá, ou algo assim.
Embora, mesmo que diga isso, um suspiro saiu da sua boca logo em seguida.
— Não é tão ruim quando uma menina se preocupa com você.
Yuki tinha dezesseis anos — era basicamente 2 anos mais nova que o Sado e, por conta disso, não deixava de sentir a sinergia proporcionada pela idade.
Entretanto, ele poderia dizer que o tamanho dela implicava um pouco em relação a isso.
— Bem... Não que eu quero ser chato mas... Será que é estranho quando uma menina do tamanhinho dela me ajuda tanto?
Quando ele para pra pensar sobre isso, olha ao redor de vê pessoas passando. Não pode deixar de ficar um pouco incomodado.
— A aparência dela é de chamar muita atenção, eu confesso... Espero que não pensem que eu tô num lance com uma... Uma menina do fundamental...
Seria o ápice de estragar sua imagem, mesmo que tivesse justificativas, ainda assim, para ele...
— Se algum colega de classe ver isso, mesmo que não seja nada demais, sem dúvidas terão suposições infundadas...
Ele suspira. Foi quando tirou o peso do seu peito que uma voz soou logo atrás.
— Oh!? Sado! Sado é você!
— !?
Pego de surpresa, Yasutora Sado soltou um som da garganta e se virou para ver quem que falava com ele repentinamente de trás.
E então, em seu campo de visão, um jovem de cabelos pretos cuja característica principal só poderia ser seus óculos, apareceu.
O garoto reconheceu muito bem essa figura inusitada e inesperada.
— Ike! O que faz por aqui?
— Eu quem pergunto, Sado! Não apareceu em aula ontem, não atendeu minhas ligações e eu te encontro do nada zanzando pela rua. Você está um pouco longe de casa, huh?
O jovem, Ike, do qual Sado reconheceu parecia ser seu colega de classe, na verdade, não apenas isso, como também...
— Foi mal, foi mal. Tive uns dias bem cheio recentemente.
— E vai ignorar o seu melhor amigo assim de repente!?
Sado coçou a nuca se desculpando e Ike, seu melhor amigo, protestou com grande voz.
Ele então, de forma súbita, resfolegou quando um pensamento sombrio passou por sua cabeça.
— N-não me diga que... Você achou alguém e já me trocou!? Você sabe que eu não tenho amigos sem ser você, Sado!
— Relaxa aí, otaku, eu não troquei ninguém não. Eu seria uma pessoa horrível se fizesse isso com o meu melhor amigo!
Ike... Ou melhor, Ike Kimori, era o melhor amigo de Sado Yasutora. Ambos compartilhavam uma sinergia única por serem dois otakus amantes de mangás e animes.
Todavia, era fácil levar esse lado ainda mais para Ike que toca seus óculos com o dedo ajeitando-o e um brilho enigmático e um sorriso se formam naquela face e lentes.
— Hehe... Mas é claro, mas é claro, caro Sado. Se comparado aos reles mortais que nos rondeiam dia e noite, noite e dia, você sabe que sou diferente de todos eles. Você sente a energia saindo de mim, não sente? Fufu.
— Vem cá... Deu pra você virar um chuunibyou em tão pouco tempo em que eu não mantive contato com você...?
Caçoando do amigo que dizia aquilo em um tom de vangloria, Sado largou os ombros. Ike mudou de assunto.
— A propósito, Sado. Você sabia que mudaram os horários da escola?
— Hum? É mesmo?
— Sim. O governo incitou para que a nossa escola bizarra parasse de ir contra o sistema e se adequasse às normas de todas as outras escolas. Agora o horário de entrada será a partir das 8:30 da manhã e vai até às 15:50 da tarde, diferente daquele horário integral insano em que as aulas terminavam às 18:00 horas!
Por algum motivo, nesta cidade havia uma escola do qual se isentava dos valores tradicionais do Japão, sendo essa a escola em que Sado e Ike frequentavam. Novamente, por algum motivo, a escola insistia em um horário puramente ocidental, colocando uma carga-horária escolar impossível para os alunos onde eles ficavam literalmente o dia inteiro na escola.
Sado não sabe o motivo, mas por ter estudado por quase 4 anos nesta escola, soube que suas raízes eram algo tão antigo quanto a própria cidade.
Cidade essa que apesar de ser bem grande e ter longos prédios, não poderia se comparar com grandes metrópoles como Tóquio por exemplo.
Voltando ao assunto comentado por Ike...
— Uau, tá falando sério!? Cara... Se for mesmo isso, então dessa vez eu passo de ano!
— Assim espero, meu caro amigo. Assim espero...
Um dos motivos para Sado ter repetido o primeiro ano 3 vezes era que, além de ser preguiçoso nos estudos, a anormal faixa horária da escola acabava bagunçando ainda mais a sua falta de desempenho escolar. Simplesmente acabava se tornando um fardo do qual ele não conseguia carregar nas costas.
De qualquer forma, ele se sentiu aliviado e consequentemente mais otimista a partir de agora.
E, Ike Kimori deu a palavra:
— Aliás, Sado. Você não me disse o que está fazendo nessa área da cidade. Tá procurando emprego de novo?
— Ah, bem... Eu...
Quando confrontado pelas perguntas de Ike, Sado sentiu um nó na garganta e não soube o que dar em resposta de imediato.
Ele sentiu que deveria mentir em relação ao seu real motivo de estar ali. Não o motivo de "estou caçando maldições", Ike não acreditaria nisso, mas sim de estar passeando com a menina.
Por hora, nem que seja só por agora, ele queria manter longe qualquer tipo de situação em que algum conhecido seu visse ela junto dele.
"Espera... Por que eu pensei nisso?", foi o que ele se questionou internamente por ter esse tipo de pensamento.
Mas, antes de qualquer coisa. Antes mesmo de Sado dar alguma desculpa fajuta, por causa do seu tempo de reação tardio, houve uma voz que saía da loja ali perto.
— Sado, tome. Água fresquinha.
— ....
A sua cabeça somente virou por reflexo na direção da voz, e ele viu em seu campo de visão a pequena menina que em altura chegava em seu peito — estendendo algo a ele que se parecesse com uma garrafa de água.
Isso não era nada bom. Ele queria manter sua relação com Yuki em secreto dos conhecidos, e isso incluía até mesmo o seu melhor amigo, Ike.
Ao menos, não iria revelar algo como ela, agora. Porque ele sabia que ela era especial. Muito, muito especial. Do tipo 1 entre 7 bilhões de seres humanos, ou até mais do que isso.
O resultado não poderia ser outro, senão...
— Sado, quem é essa aí? — perguntou Ike logo a frente apontando um dedo.
No instante dessa pergunta, o menino ficou alguns segundos mudo, sem nada dizer, e então, passado esse breve momento de raciocínio cerebral que ele estava tendo de forma bem lenta, disse:
— Minha prima.
— ....
— ...?
Ike piscou os olhos algumas vezes, como que processando a resposta chocante que acabara de receber e Yuki olhou Sado com um rosto que dizia "O que está falando?".
Embora fosse tarde demais agora. Ike olhou a menina e comparou-a com o Sado várias e várias vezes com o olhar. Realmente não era nada crível.
— Ela não se parece nem um pouco com você. E por que nunca me disse que você tinha uma prima?
— Ela é do exterior. Bem longe. Muito, muito longe. Do tipo fora do Japão.
— Sado, eu...
— Muito obrigado pela água, prima.
Yuki fez menção de dizer algo, mas Sado Yasutora calou-a quando recolheu a garrafa de água dando ênfase na palavra "prima", abriu com uma força incrível e começou a beber um pouco agitado.
Ike por outro lado...
— Do exterior é...? — afinou os olhos pensando a respeito.
A menina em sua frente não parecia nada natural do tipo que se vê no Japão. Na verdade... Em lugar algum da Terra.
Ike pensou: "Isso não é natural, é? Ela pintou o cabelo e usa lentes nos olhos? Ela tem albinismo?"
Ele parecia mastigar a mentira de Sado em sua mente e, após um longo critério avaliativo, ele puxou Sado pelo braço, separando-os da menina por alguns passos, e com o braço entorno do pescoço de Sado falou em tom de cochicho.
— Sado... Porque você nunca me disse que tinha uma prima lolita dessas!? Quantos anos ela tem!?
— Desagarra seu esquisitão. Não pensa besteira dela.
— Guahg...! Cof, cof, pffft.
Sado jogando água no rosto de Ike, se desvencilha do amigo que se afastou se sentindo afogado e tossindo.
— Por que fez isso!? Ah, cara, meus óculos molharam... — Ike indignado secava seus óculos embaçados com a camisa.
Sado deu de ombros.
— É um aviso, pra você baixar a bola.
— Não fale assim! Não somos amigos? Ou então, ou então...! Não me diga que...!?
Ike Kimori, tomado de um pensamento perturbador, foi até Sado e repetiu a mesma ação anterior, falando em tom de segredo.
— Você está tendo um caso incestuoso com a sua pri-... Guagh!?
— Sai pra lá, seu fetichista maníaco!
E foi expulsado mais uma vez com um banho de água no rosto.
Sado suspirou cansado por ter um amigo assim, e Ike pediu desculpas limpando os óculos pela segunda vez.
— Foi mal, foi mal. Bem... Foi realmente uma grande surpresa saber de tudo isso hoje. Era por isso que você não me atendeu uma vez sequer? Estava ocupado com a visita da sua prima? Espera um segundo. E onde ela vai morar? Não me diga que ela dorme com você no seu apartamento, Sado?
— N-não... Ela tem a própria casa, imagino.
— Hum, sério? Mas ela não é um pouco nova pra morar sozinha?
— Ela tem dezesseis anos, cara.
— Hein?
— Nada não.
— Nada não o caramba! Tá falando sério!?
Ike colocou os óculos de volta e foi até Yuki que estava parada e que tinha sido repentinamente deixada de lado. Sado foi atrás.
— Você tem dezesseis anos!? Com essa aparência de lolita toda!?
— Tenho dezesseis sim...
Yuki esboçou um sorriso amarelo por não saber do que se tratava realmente tamanha afobação, e Ike colocou a mão no peito como se tivesse atingido por um tiro.
— M-me diga... O seu cabelo é natural e a cor dos olhos também...?
— Uhum. Nada é tintura.
— ....!!
Ele caiu de joelhos com essa resposta, colocando ambas as mãos na altura do coração como quem leva um golpe certeiro.
— Eu... Eu nunca pensei que veria uma loli com aspectos que só se vê em animes e mangás na vida real! E não é nem cosplay, é natural! Eu vi... Eu vi um anjo!??
— Quer que eu te mande pra onde tem um?
— Ai! Porque me bateu!?
— Cala a boca e para de ser todo esquisito. Vamos, se levanta daí.
Recebendo uma pancada na cabeça por uma garrafa de plástico meio vazia, Ike foi erguido a força por Sado que o segurou pelo braço.
— Sinto muito, Yuki, por esse incômodo. Esse inconveniente aqui é o meu amigo, Ike.
— Seu melhor amigo! Já tá até me rebaixando!?
Ike se sentiu frustrado com os dizeres de Sado do qual ele não soube se foram propositais ou não. Yuki curvou a cabeça gentilmente.
— Prazer em te conhecer, Ike, o melhor amigo do Sado.
— ...Q-que isso... Eu... Uhm... Erm... Ik!
— O que. Você. Está. Fazendo?!!
— Para cara, eu tô todo envergonhado...!
— Você tá assim só de ter sido cumprimentado por ela!?
Ike que tentava ser gentil com a menina, sentiu o seu rosto avermelhar por completo e a sua mente foi tomado de brancura. As palavras não saíram e ele soltou um som com a garganta antes de se esconder às costas de Sado.
— Coé, Sado! Não dá para um antissocial com problemas de reclusão como eu falar olhando nos olhos dela! Ainda mais se for uma pessoa! Pior ainda se for mulher! Pior ainda se for bonitinha! Pior ainda se for muito bonita! Pior ainda se for fofa! Pior ainda se for pequena! Pior ainda se tiver cabelo pintado! Pior ainda se o cabelo for branco! Pior ainda se for um branco natural!
— Você só descreveu o que viu nela! E solta as minhas costas!
— Me diexaaaa!!
Sado tentava a todo custo tirar Ike que estava agarrado às suas costas, e mesmo que empurrasse o rosto dele com a mão por cima do ombro, o outro garoto parecia não sair. Com o comportando dos dois, Yuki soltou uma risada.
— Há, há... Há, há, há, há...! O que há com vocês dois, hein?
— .....
— .....
Ela ria com o punho próximo a boca de forma fofa olhando para eles, e Sado e Ike se entre olharam.
— Tá feliz dela ter rido de você? — pergunta Sado retrucando.
— Bem... Já é do meu costume que pessoas riem de mim, então...
— Só sai das minhas costas. Você cansa mais do que maldições.
— Não precisa me ofender tanto assim, oras.
Ike se afastou um ou dois passos de Sado e ajeitou os óculos em protesto. Ele comentou:
— Maldições, é? Não brinca com isso. Há rumores estranhos rondando a cidade...
Quando disse isso, percebeu então que Sado e Yuki o fitaram como que reagindo a esse comentário solto por Ike.
— O que foi, pessoal? Digo... Pode ser fake news, né? Não quis assustá-los.
— Ike, você soube de algo? Alguma coisa relacionada à esse caso?
— Hum? Porque está tão interessado, Sado? Digo... Eu sei que parece muito um caso paranormal de mangá e tals, mas...
— Só me conta logo!
Se era verdade de que Ike ouviu algo recentemente, então seria de grande pista para a dupla que estava em missão de investigar esse fenômeno.
O garoto de óculos se sentindo incitado, respondeu:
— Okay! Okay! Olha, eu soube quando fui com meu pai entregar a marmita pra ele que havia esquecido e, no escritório de trabalho dele, ouvi uns caras conversando sobre. Não pude deixar de prestar atenção.
— E onde fica esse escritório?
— Tá mesmo interessado, hein? Tome, eu tenho o cartão da firma.
Ike colocou a mão em seu bolso da calça e entregou a Sado um cartão com um número e endereço escrito.
— Olha, não sei o que você tá pensando, mas sério, pra que dar tanta atenção pra algo assim? Não me diga que... Que está dando uma de detetive?
— Não me enche o saco.
— Isso lá é jeito de falar comigo!
Sado deu de ombros e Ike se mostrou atingido pelas palavras do mesmo. Logo em seguida ele limpou a garganta e ajeitou os óculos.
— De qualquer forma, eu ainda tenho que comprar o remédio da minha mãe. Até mais tarde, Sado e... Prima do Sado. Uhhm... Sim. É. Tchau.
Ike se despede de Sado e conforme tentava se despedir de Yuki, foi atingido pelo olhar dela e todo seu raciocínio lógico foi afetado.
Ela não havia feito nada.
Com seu melhor amigo dando as costas, a dupla se entre olha.
— Sado.
— Sim. Já temos uma pista. Vâmo lá interrogar.
...Que os interrogatórios comecem.
Não se espantem caso algum capítulo demore alguns dias para ser postado.
Aliás, capítulo corrigido. Havia alguns problemas estranhos onde deixar certas palavras em itálico ou negrito fazia com que uma palavra estranha computasse ao lado, deixando o texto estranho... Sinto muito!