Na quinta de manhã, Gabriel não fora para a fonte como era de costume. Na verdade, ficara perto do muro dos fundos da escola onde esperara por seu amigo loiro. Enquanto aguardava mergulhado no silêncio, o moreno olhava para o céu claro suspirando pesado.
Já fazia um bom tempo que sempre se questionava o que raios estaria acontecendo consigo. Estranhava cada comportamento seu quando o assunto envolvia Theodore, e nos últimos dias parecia piorar. Piscando lentamente, repetira para si mesmo que não lidaria com seus pensamentos insanos agora.
— Eaí.
A voz baixa cautelosa não condizia com o Milles de sempre. Nem o seu cheiro, que parecia diferente. Virando a cabeça para o amigo, Gabriel sorrira gentilmente deixando as mãos no bolso das calças.
— Bom dia! Que cara de acabado.
O atleta erguera um sorriso ladino, jogando a mochila no chão para se encostar no muro ao lado de Gabriel.
— Foi uma péssima noite. Pra fechar o dia, ontem tive uma briga com meu pai e agora quero explodir esse mundo de merda.
Milles mantinha o sorriso ladino no rosto, mas não parecia ter o mesmo brilho que geralmente tinha. Parecia cansado demais. Gabriel, então, afagara o ombro do amigo lhe dando um mínimo de conforto.
— Discutir com os pais é normal, não precisa ficar encanado com isso.
— Não é a primeira vez, já tô acostumado. Só estou rindo da coincidência das merdas acontecerem em um único dia.
— Basta fingir que nada aconteceu. Sabe que ele fez isso só pra te provocar, se reagir diferente ele vai pensar que venceu.
— Eu sei. — Suspirava Milles encostando a cabeça no muro, olhando para o céu em seguida fechando os olhos. — O que me fode não é isso. Estou puto comigo mesmo.
Arqueando a sobrancelha em confusão, Gabriel continuara a encarar o amigo.
— Como assim?
— Já fiquei com várias garotas, desde as mais contidas até as mais abusadas. Admito, prefiro as mais selvagens porque elas parecem sedentas pra ficar comigo... — Lentamente abrira os olhos, tirando a mão do bolso para tocar o próprio lábio machucado — Mas é a primeira vez que alguém quis me machucar com um beijo.
Gabriel se remexera sem compreender direito o ponto que seu amigo queria chegar. Tampouco ousara lhe interromper. Milles parecia perdido nos próprios pensamentos enquanto acariciava a própria boca. Então o loiro baixara a mão no bolso novamente.
— Não sei se estou te acompanhando, cara.
Milles se desencostara do muro, bagunçando os cabelos furiosamente. Até mesmo rosnara parecendo se irritar consigo mesmo. Quando o loiro olhara para os lados, Gabriel o imitara pensando se procurava alguém por perto. Mas estavam sozinhos naquela parte da escola.
— Estou puto comigo mesmo, porque eu fiquei surpreso com o que aconteceu ontem.
— Bem, isso é óbvio. Não tem porquê ficar bravo por não ter reagido.
— Não é isso o que eu quero dizer. Como eu posso dizer isso... Merda isso é tão complicado...
— Calma cara, leve seu tempo.
— Senti uma conexão… Eu gostei! — Explodira Milles, fitando o amigo parecendo perder a cabeça à qualquer momento.
De olhos arregalados e boca entreaberta de espanto, Gabriel a fechara quando seu cérebro voltara a trabalhar.
— C-Como é? Acho que não entendi...
— Não, você entendeu certo Gabriel. Não vou dizer isso alto mais uma vez.
— Foi mal, eu ainda to processando a informação.
— Estranho não é? — Ria Milles, aproximando do amigo desesperado — Penso que estou assim porque a intenção daquele maldito foi a de me castigar, me ferrar de alguma maneira.
Gabriel não conseguia desviar os olhos do amigo, que parecia na beira do precipício do desespero. Tentava acompanhar seu raciocínio, o que por si só era uma tarefa difícil, já que Milles parecia extremamente confuso. Tentando buscar alguma pista em suas palavras, Gabriel refletira sobre a conversa. Lentamente a surpresa de Gabriel aumentava ao compreender o que o amigo quis dizer.
— Então... Está dizendo que o beijo do Nicolas foi selvagem do jeito que tu curte?
Rapidamente Milles cobrira a boca de Gabriel, olhando em volta com os olhos injetados. Sem ninguém por perto, virou-se para o amigo suspirando baixo.
— Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça. Merda aquele baixinho foi agressivo, mesmo depois de ter me mordido ele continuou ali. — Murmurava Milles, baixando os olhos. — O que me deixou puto comigo mesmo não foi só isso.
Conseguindo se livrar da mão que cobria sua boca, Gabriel respirou fundo vendo o amigo fechar os olhos como se algo doesse. Uma expressão tão dolorida deixara o alfa atento a socorrer Milles em caso de emergência.
O que poderia deixar seu amigo tão bravo consigo mesmo, além de admitir ter gostado de ser beijado por outro cara? Ainda mais, ser beijado pela pessoa com quem mais briga? Havia alguma coisa, além disso?
Só se fosse perder a cabeça por gostar de Nicolas.
Um estalo fizera na cabeça de Gabriel.
— Você quer ficar com ele, pra valer.
O jeito como Milles o olhara parecia alguém culpado sendo pego em flagrante cometendo seu maior crime. Até o desviar de olhos fomentara suas suspeitas. Agora conseguia compreender o motivo de seu amigo parecer tão cansado.
Milles costumava provocar Nicolas e Theodore diariamente. Já tivera de lidar com diferentes tipos de reações, desde as mais explosivas até as mais simples como um revirar de olhos. Fazia parte da rotina de Gabriel ver Milles e Nicolas trocando farpas.
Então, é repentinamente beijado pela pessoa que mais odeia. Um beijo que poderia ser violento carregado de malícia. Um beijo que o fizera sentir uma conexão. Como não se sentir confuso?
— Eu perguntei pro Theodore como era ser beijado por outro cara, e no final das contas aconteceu isso. — O sinal do início das aulas tocara, e Milles se inclinava para pegar a mochila do chão a jogando sobre seus ombros — Você também me perguntou isso, então só posso dizer pra experimentar e tirar suas próprias conclusões. Vamos embora!
Gabriel apenas concordara com a cabeça arrumando a alça da mochila e seguindo seu amigo pra dentro do prédio. Não ousaria questionar mais nada de Milles, já que o outro se abrira consigo mesmo eles tendo se conhecido naquele ano.
Quando chegaram no corredor das salas, os dois amigos se encontraram justamente com a dupla que menos deveriam ver. Theodore olhara para Gabriel sorrindo levemente antes de fitar Milles, que por sua vez fitava o baixinho sonolento.
Se Milles parecia um zumbi por gastar sua noite pensando sobre o ocorrido, bem Nicolas era o contrário. O cansaço era rotineiro em sua pessoa, ainda assim ele parecia bem. Até mesmo abrira um sorriso ladino, sustentando o olhar do mais alto.
— Oh... Parece que alguém teve uma noite bem agitada.
— Nico... — Repreendia Theodore
— Já está preocupado comigo, tampinha?
— Preocupado? Eu? Se enxerga.
Nicolas revirara os olhos ignorando por completo a dupla de jogadores para entrar na sala de aula. Theodore suspirava seguindo o amigo, deixando Gabriel curioso com a reação. Imaginava que Nicolas estaria mais disposto a brigar com Milles.
Assim como imaginava que seu amigo fosse agir diferente depois da conversa que tiveram. Olhando de canto para o alfa, percebera que ele encarava a sala de aula seriamente.
— Tá tudo bem?
— Não vou cair de joelhos pra esse imbecil, Gabriel. Nada mudou. — Milles dera um tapa leve nas costas do amigo, virando-se para o corredor — To indo, nos vemos no treino mais tarde.
— Certo...
Assistindo o amigo seguir silenciosamente para a sala de aula, Gabriel percebia que a frase "nada mudou" era uma grande mentira.