O medo estava agora instalado.
Eles tinham de falar com ela, mas só de pensarem no que poderiam vir a encontrar fazia-os ter arrepios.
Foram andando até ao lugar de onde vinha a luz: estavam agora perante uma porta negra com ornamentos em forma de dragão, a cabeça do dragão estava a comer a própria cauda, mas tinha um olhar tão vívido que não seria de admirar se ele saísse da porta a qualquer momento só para os atormentar. Com uma pequena janela praticamente coberta por grades, a porta era semelhante á porta de uma cela de prisão. Restava agora saber qual era a sua função: proteger quem estava lá dentro, ou impedir que quem estivesse lá dentro saísse.
- Eu falo. Tu ficas a observar. – ordenou muito sério Kado.
- Fico a observar o quê?
- Ninguém fala com ela desde que ela veio para esta cela. Limitam-se a virem ver se ela permanece aqui, mais nada, por isso faz o que te digo.
- "Se ela permanece aqui"? – perguntou Hiro sem entender, mas logo de seguida quase soltou um grito, quando viu Kado abrir a porta e constatar que não havia qualquer impedimento caso Izanami quisesse sair. Não havia trancas, nada.
- Não existe maneira de prender uma divindade dentro de uma cela, ela ia acabar sempre por sair, mas no caso dela, o desgosto que ela teve foi tão grande que ela mesma fez a sua própria prisão. Ninguém a vê á séculos, não sabem como está o seu estado mental, nada. Penso que somos os primeiros a cá virem vê-la desde que "aquilo" aconteceu. Kado depois de respirar fundo abriu a porta da cela que naquele momento já não se parecia com uma cela, mas sim como um refúgio.
Os dois antigos inimigos tinham ficado agora de queixo caído ao entrarem dentro do domínio de Izanami: tudo á sua volta era luxuoso, as paredes estavam cobertas com folha de ouro, o teto tinha desenhos do seu antigo e eterno amor, e havia almofadas de seda espalhadas por toda a divisão. Ao fundo, estava um trono banhado a ouro rodeado de servas, foi quando a viram. Havia alguma coisa muito intrigante ali pensou Hiro, e tinha a certeza de que Kado estaria a pensar a mesma coisa.
Todos sabiam que Izanami tinha sido abandonada pelo seu marido no submundo. Ela tinha falecido após dar á luz e o seu corpo tinha ficado coberto de vermes, Izanagi num momento de desespero e loucura tinha assassinado o filho deles e tendo ido atrás da sua amada para o submundo quando a viu desfigurada acabou por a abandonar lá sozinha. Não havia ninguém que não se lembrasse disso, mas, no entanto, ela estava ali, como se nada se tivesse passado. O seu rosto não tinha nada que se parecesse com estar desfigurado e isso era muito estranho, pois por mais anos que se tivessem passado, ou mesmo séculos, ela não poderia esconder o seu rosto, ou recuperar de tal lesão. Afinal de contas ela continuava morta.
Olharam um para o outro, incrédulos. Kado tinha no rosto uma expressão em que parecia gritar por um pedido de ajuda, pois ele sempre tinha dito que ela estava desfigurada, e naquele momento temia mais do que nunca que ela tal como tinha recuperado a sua beleza tivesse de alguma maneira sabido que ele adorava fazer pouco do seu aspecto.
Hiro rapidamente reorganizou os seus pensamentos e avançou cuidadosamente seguido por Kado que estaria ainda a assimilar o que se estava a passar.
- Precisamos falar com a nossa Mãe. – pediu ele fazendo uma reverência a Izanami, que até aquela altura parecia não ter dado pela presença deles. Uma serva, que era praticamente uma criança, com um andar desajeitado, vestindo um kimono de cetim branco com flores de todas as cores bordadas avançou até eles.
- Digam-me por favor qual seria o assunto para eu poder fazer-lhe chegar, para ela dizer se quer falar com vocês ou não. – disse com uma pequena vénia. Kado olhou para a serva, ela era humana de certeza, coisa que ia contra os mandamentos do submundo. Nunca nenhum humano poderia estar ali sob nenhum pretexto. Todas as Divindades sabiam disso, por isso Izanami não era exceção, logo estaria a fazer de propósito para ter aquela serva humana ali. A serva pareceu notar que ele a estava a observar, pois tentou esquivar-se do seu olhar. Kado optou por ignorar, não iria começar uma guerra que ia sem dúvida nenhuma perder só porque a Deusa tinha escolhido ter como serva uma humana.
- Todas as minhas servas são humanas, se é isso que estás a pensar…! - soou uma voz vinda do trono. Izanami levantou-se lentamente. As servas de imediato correram para perto de si para a acompanharem coo se ela fosse muito frágil, mas ela tranquilizou-as com um gesto. – Eu sei quem vocês são, mas não sei o que procuram aqui!
- Mãe, viemos aqui falar-lhe, buscar ajuda, conhecimento, orientação divina. – explicou Hiro ajoelhando-se rapidamente numa longa reverencia seguido de Kado.