Ele tinha definitivamente chegado ao inferno. Sim, ali já não era o submundo que ele conhecia, onde ele e os outros Shinigamis costumavam estar, a aguardar que fossem chamados para levar alguma alma. Aquele sítio, que onde era onde ficavam as almas penadas a aguardar castigo estava diferente! Havia ali muitas almas, demasiadas, o lugar estava sobrelotado e ele tinha a perfeita noção que era algo relacionado com o que estava a acontecer.
- Então, vou ser breve, porque cada minuto conta. – Começou Koda ponderando o que ia dizer de seguida. – Como podes ver, estamos com a casa cheia. Ao que parece, como não conseguimos resolver a situação atempadamente fomos castigados pelos chefões lá de cima – disse ele apontando para cima, referindo-se ao mundo superior – e o castigo que nos deram é que não iria passar mais nenhuma alma enquanto a situação não estivesse resolvida.
- Não podes estar a falar a sério! – exclamou Hiro começando a ver a proporção do problema em mãos.
- Ai estou sim! Porque achas que neste momento temos a casa cheia desta maneira?! Não estamos a dar nenhuma festa nem nada grátis, para termos a casa cheia desta maneira. Estamos sobrelotados, mais uns dias e não vamos ter como deixar entrar mais ninguém, e pior ainda, se não deixarmos entrar mais ninguém quer dizer…
- …Os Shinigami não vão poder fazer o seu trabalho e a ordem mundial estará oficialmente num caos total… - constatou Hiro deixando-se cair de joelhos no chão levando as mãos á cabeça.
- Exatamente. Aí sim já será um problema para a nossa divindade desfigurada!
- Não lhe chames isso!!! – disse irritado Hiro. Kado fez uma semi-vénia em modo de quem estaria a fazer pouco da divindade e virou costas a Hiro, olhando para o monte de almas que ali estavam á espera de um destino.
- Sabes que o teu amigo que fui buscar ontem também está ali? – disse ele como se fosse o assunto mais natural do mundo. – O destino dele não é estar ali, pelo que pude ver, ele era muito boa pessoa, ajudava todos e o seu destino é reencarnar e ter uma vida feliz, sem preocupações, ser querido e viver uma longa vida…. Quanto mais tempo demorarmos a resolver isto, mais tempo ele vai estar aqui em sofrimento, ou achas que os demónios fazem distinção sobre quem devem ou não punir? Isto para eles neste momento é um buffet de almas. Podem fazer o que quiserem, e serem responsabilizados depois. Vais ou não ajudar-me?
Hiro olhou á sua volta. Tantas almas, parte das que estavam ali deveriam estar em outro lugar. Os deuses deviam estar doidos quando castigaram o submundo assim, ainda por mais quando a culpa era toda dele.
- Sim. Vamos começar por onde?
- Muito bem! – exclamou Kado dando um pulinho no ar, disfarçando logo de seguida, como se tivesse pisado alguma coisa que o tivesse magoado. – Primeiro passo, vamos falar com Izanami!
- O quê?! Mas acabaste de dizer que ainda não era problema dela!
- Mais vale prevenir do que remediar! – disse Kado piscando o olho a Hiro e fazendo sinal para o seguir.
Caminharam durante algum tempo no meio das almas que estavam ali estagnadas, muitas pediram ajuda, o desespero na voz de cada um era horripilante. Hiro estava habituado a isto, afinal ele era também um ceifador, mas algo em si tinha mudado. Uma culpa enorme tinha entrado no seu subconsciente e não o deixava pensar em mais nada sem ser em porque é que ele tinha salvo aquela alma. Se ao menos tivesse a sua memória de volta, tudo seria diferente!
- Quero as minhas memórias de volta. Só assim posso resolver isto. – disse ele, mas Kado disse logo que não podia fazer isso. Não tinha autoridade para tal, e até seria melhor para ele não se recordar de nada.
Tinham chegado a uma planície deserta, onde só existiam rochas, era um lugar arrepiante até para Kado que estava a tentar disfarçar. Os corvos eram ali reis e senhores, havia abutres pousados em cima de alguns troncos, esperando por uma refeição que tardava em chegar. Kado olhou para uma das rochas que tinha um formato estranho e disse:
- Chegámos. Vamos entrar. Deixa-me falar primeiro. – Hiro olhou para ele pensando que ele deveria estar aterrorizado por ter de o fazer, pois ela era apenas e só a Deusa da Criação, com um estalar de dedos ele poderia deixar de existir e mesmo assim ele estava disposto a cumprir a sua função de chefe á risca. Esse facto fez com que Hiro sentisse uma certa empatia com ele. Obvio que nem sob tortura o iria confirmar, mas naquele momento temeu por ele.
O cheiro vindo de dentro da caverna era putrefacto: á entrada estavam conjuntos de ossadas de animais já á muito mortos, havia alguns abutres que lutavam entre si, para puderem arrancar o último pedaço de carne já á muito apodrecida de uma ossada que parecia ter forma humana. Hiro desviou o olhar e seguiu Koda que estava a preparar um discurso para quando chegasse á hora da verdade não deixasse nada por contar e conseguisse sair daquele autêntico covil inteiro.
A caverna era escura, húmida e parecia não ter fim. Será que Izanami já sabia da presença deles?
Ratazanas passavam por cima dos pés deles enquanto eles caminhavam apressadamente para a irem ver. Tinham já perdido a conta á distancia que tinham caminhado quando viram uma luz no fundo da caverna. Tinham finalmente chegado.