"Acho que o jantar vai ser de novo aquele ensopado de porco com batatas."
"Aquele pão que vem junto é horrível! Parece que vai arrancar meus dentes a cada mordida. Cara, somos soldados que protegem o portão. Devíamos ter algo melhor!"
"Para com isso, já te vi roubando o pão dos recrutas!"
"Haha! Eu disse que era ruim, não que eu deixaria de comer!"
De repente, o som urgente do grito de um deles interrompeu a conversa.
"Merda! Abram os portões!"
O comando foi o bastante para fazer todos os outros soldados correrem até o gigantesco portão duplo. O aço rangia enquanto o portão se abria lentamente, até que, de repente, uma figura cambaleante surgiu.
"Ajuda..." murmurou Kael, antes de desabar, sem forças, aos pés dos soldados de colete e capacete pretos.
"Rápido! Levem-no para a enfermaria. Mas mantenham-no isolado! Não sabemos se ele está infectado!"
Os soldados arrastaram Kael para dentro da muralha fortificada, levando-o diretamente para a enfermaria do campo de recrutas.
Cinco horas após sua chegada ao Campo dos Sentinelas, Kael começou a acordar. Ao abrir lentamente os olhos, viu o teto desgastado do hospital de campanha.
'Droga, tudo dói. Por que aqueles desgraçados tinham que me perseguir por quase todo o subúrbio sul!?'
"Quê!? Que droga é essa, por que estou preso?"
Ele tentou se levantar, mas logo percebeu seus braços e pernas firmemente amarrados à base da maca.
"Calminha aí, amigo. Você ainda está ferido. Se debater assim só vai piorar as suas fraturas."
A voz veio de um soldado sentado ao lado de seu leito, um fuzil de assalto preto descansando em seu colo.
"Você desmaiou ao chegar no Portão Sul. Não sabemos se foi infectado, então está em observação. Precisamos ter certeza de que uma daquelas coisas não te mordeu."
"Como caçador licenciado, deveria saber que todos os feridos vindos de fora são mantidos em quarentena por 12 horas." O rosto do soldado permanecia impassível, mas sua postura não deixava dúvidas de que estava ali para garantir que Kael permanecesse exatamente onde estava.
"Não se preocupe. Suas coisas estão em segurança ao lado da cama, nada foi mexido. Mas lembre-se: após sua saída, você deverá pagar os custos da estadia e das ervas utilizadas. Se não o fizer, sua licença será revogada, e poderá ser expulso da cidade."
A voz do homem era monótona, firme, sem alterações, como se estivesse recitando uma mensagem ensaiada.
"Claro, obrigado por me ajudar. Pensei que fosse morrer..." Kael respondeu, a voz enfraquecendo enquanto lutava para manter os olhos abertos.
"Descanse. Não parece haver sinais de mutação nem de perda de sanidade. Amanhã será liberado, se conseguir se mover..." As palavras do homem em colete preto foram ficando distantes, sua voz aos poucos sumindo dos ouvidos de Kael, que finalmente cedeu ao cansaço.
Sobre o céu da fortificada Cidadela de Élios, duas luas gêmeas se exibiam, e a claridade dos satélites naturais iluminava as muralhas e a vegetação densa que crescia em volta. Ao longe, era possível ouvir os rugidos bestiais vindos do subúrbio sul de Helium.
"Parece que algo aconteceu hoje... Aqueles desgraçados estão mais agitados."
"Não baixe a guarda. Se precisar ir ao banheiro, me avise."
"Haha! Por quê? Vai balançar pra mim?"
"Não, seu otário, só não quero morrer aqui em cima enquanto o lado que você patrulha estiver vazio."
"Relaxa, já é quase meia-noite. Amanhã é nossa folga. Vamos beber umas no Bar do Joe."
"Aquela porcaria feita de batatas pode ser qualquer coisa, menos bebida!"
"Ficar bêbado é o que importa, hahaha!"
Ao longe, uma figura horrenda observava os dois homens sobre a muralha. Sua aparência era assustadora: uma boca enorme com dentes pontiagudos, braços longos com garras afiadas como as de uma águia, e um corpo sem pele, apenas músculos expostos.
Kael certamente ficaria aterrorizado se visse aquela criatura, que era quase idêntica ao gigante morto por ele mais cedo, mas as semelhanças paravam por aí. O monstro que observava os soldados tinha no mínimo quatro metros de altura, e seus olhos brilhavam como brasas sob a luz das luas gêmeas.
O gigante humanoide parecia mais inteligente que seu companheiro morto. Ele observava as muralhas com atenção, o olhar de um predador analisando sua presa, enquanto se mantinha oculto pela vegetação densa. Após horas de observação silenciosa, a criatura finalmente se virou em direção ao subúrbio sul, voltando para a cidade destruída de Helium.
Minutos depois, um rugido ensurdecedor reverberou à distância.
"Droga! Isso foi realmente alto!" comentou um dos soldados, levantando seu fuzil de assalto em direção à vegetação que cercava a cidadela.
Na mesma hora, Kael se debateu na cama, puxando o ar em uma respiração profunda, quase engasgando.
"Espere! Estou bem!" gritou ele com urgência, ao perceber o cano do fuzil do soldado de guarda apontado diretamente para sua têmpora. "Foi só um espasmo... um pesadelo, por favor, não atire!"
Após alguns instantes, o soldado recuou, sentando-se novamente na cadeira com o fuzil descansando no colo. Observou Kael com o rosto impassível, mas logo levantou novamente e prestou continência ao ver outro homem entrando no quarto improvisado.
Com uniforme preto, o recém-chegado ostentava uma braçadeira branca com uma cruz vermelha. Ele retribuiu a saudação e foi até uma pequena mesa, onde começou a triturar algumas ervas em um pilão de pedra. Logo, um aroma medicinal se espalhou pelo espaço.
"Como você está?" perguntou o médico militar, sem levantar os olhos do pilão, enquanto preparava uma infusão com a pasta triturada em água quente.
"Bem melhor. Meu corpo não está mais tão exausto, mas a cabeça e as costelas ainda doem."
"Isso é normal. Apenas descanse mais quando for liberado. Agora abra a boca. O gosto é amargo, mas tente não cuspir, isso vai ajudar nas fraturas."
Deitado, Kael abriu a boca, e o médico grisalho usou uma seringa para despejar a infusão medicinal em sua garganta. O gosto era horrível.
"Pronto. Descanse mais um pouco. Você não apresenta sinais de infecção, as amarras são só um procedimento. Em algumas horas, estará liberado."
Kael agradeceu ao médico, lutando para manter os olhos abertos, mas logo sucumbiu ao cansaço, adormecendo profundamente.