PICCOLO
Envolvi meus braços ao redor de Lettie e Gohan para os acolher, beijando-os no topo da cabeça.
Não pense que foi fácil para mim, fazer tal demonstração de afeto em público, com Kuririn, Tenshinhan e Chaos sem dúvida nos assistindo.
Mas a guerra faz isso com as pessoas. Até com as de coração mais resistentes como o meu.
Eu cometi um erro. Um terrível e grandioso erro.
Onde eu estava com a cabeça em querer treinar Lettie e Gohan para lutar contra inimigos tão impiedosos?
Apesar de serem Saiyajins agora formalmente treinados, aquela batalha estava sendo demais para eles suportarem.
Demais para eu suportar.
A repentina morte de Yamcha mexeu mais comigo do que permiti esboçar, pois com ela, percebi o quanto eu estava a um passo de, a qualquer instante, também perdê-los.
Eu nunca deveria tê-los treinado. Deveria tê-los deixado no local onde Goku morreu após nossa luta contra Raditz, para seguirem com suas vidas, e eu sozinho ter treinado para este momento. Eu nunca deveria tê-los imposto tamanho peso e responsabilidade sobre seus ombros.
Mas, em contrapartida, se eu não os tivesse treinado, eu nunca os teria conhecido, e eu nunca teria mudado.
Do jeito que a situação avançava, o fim dos habitantes deste planeta estava mais próximo do que imaginei, e a única coisa que minha alma desejou foi sair correndo dali e encontrar as cápsulas dos dois Saiyajins para colocar Lettie e Gohan lá dentro e mandá-los Universo afora, na ínfima chance de conseguirem sobreviver à toda esta destruição, da mesma maneira que a mãe de Lettie fez quando ela era uma bebê.
Seria um desejo muito egoísta da minha parte? Talvez.
Mas aquele era o preço que eu pagava por permitir me apegar a eles; por permitir que um sentimento, mais poderoso do que qualquer outro, entrasse no meu coração durante o ano que passamos juntos.
Não me estenderei sobre os detalhes da desgraça que caiu sobre nosso grupo após eu salvar Lettie e Gohan das garras daquele Saibaiman. Não tenho estômago para isso, muito menos paciência para relembrar o pior dia da minha vida até então.
Mesmo com o golpe poderoso de Kuririn contra os Saibaimans, os Saiyajins saíram ilesos, e o canalha do Nappa decidiu nos atacar com suas próprias mãos, causando um tremor de terra tão intenso, que nuvens escuras se formaram acima de nossas cabeças, repletas de raios e relâmpagos, e o chão se partiu ao meio.
Nappa parecia um maníaco insano, com sangue nos olhos, sedento em nos atacar. Ao mirar Tenshinhan como seu próximo alvo, tamanha foi a violência do seu golpe contra ele, que lhe arrancou metade do braço esquerdo.
O campo de batalha então virou um verdadeiro inferno.
Kuririn, tomado pela raiva ao ver seu companheiro ferido, quis interferir, o que só fez Nappa atirar um raio de energia que causou uma gigantesca explosão, fazendo com que o arrombo na terra do seu terremoto aumentasse até formar uma cratera tão funda, que mais parecia um abismo.
Foi a vez de Chaos vingar seu amigo. Ele se agarrou nas costas de Nappa, o qual não conseguia alcançá-lo devido ao seu pequeno tamanho. Após inúmeras tentativas para tirá-lo de suas costas, assistimos, em completo choque, o corpo daquele homenzinho emitir uma luz muito brilhante e, no próximo segundo, se autoexplodir.
Havíamos perdido Chaos.
Só que, o pior de tudo, foi que Nappa sobreviveu ao ataque, e ainda riu em desdém do sacrifício (inútil) de Chaos.
Sua morte mexeu muito com nosso grupo, sobretudo Tenshinhan e Kuririn. Pelo visto, ele já havia ressuscitado uma vez pelas Esferas do Dragão, e agora, não havia mais volta.
Até Lettie e Gohan, os quais não permiti que saíssem de perto de mim nem por um segundo durante todo esse tempo, ficaram abalados ao testemunhar aquela barbaridade, com a visão de um lívido Tenshinhan com meio braço decepado lamentando a morte definitiva do seu melhor amigo, e Nappa e Vegeta nos olhando com sorrisos sádicos nos rostos.
Gohan estava aterrorizado a níveis extremos, o que só aumentou a preocupação de Lettie, e consequentemente, a minha. Como toda mulher com instinto maternal aflorado, sua atenção estava toda voltada para seu sobrinho; e eu, como o responsável e líder daquele núcleo familiar que sem querer formamos durante o período que passamos juntos, precisava garantir que nenhum mal chegasse até eles.
Até Kuririn se juntou a nós quando Tenshinhan, num ato de fúria pela morte do melhor amigo, se atirou para lutar contra Nappa, mesmo na condição deplorável que estava.
A batalha entre os dois foi tão intensa, que fortes vendavais nos atingiram, acompanhados pelas centenas de pedregulhos destroçados que voavam em nossa direção.
Kuririn quis ir ajudar Tenshinhan, mas repliquei que seria melhor esperar Nappa baixar a guarda, para atacarmos juntos. Lettie também quis participar do plano, alegando que esconderia Gohan atrás de uma rocha comprida, para ele ficar seguro enquanto atacávamos. De início, não gostei da ideia dela nos acompanhar, mas não pude negar que sua força seria muito útil contra nosso adversário.
Após Lettie esconder Gohan num lugar seguro, nós três testemunhamos Nappa derrubar um fraco Tenshinhan no chão, e então, flutuar até os céus para lhe dar o ataque final.
Aquela era a hora!
— Vamos! — ordenei.
Eu e Kuririn disparamos até Nappa e, com um gancho de esquerda, esmurrei a bochecha dele na direção de Kuririn, que rebateu com um soco duplo no topo de sua cabeça.
Nappa começou a cair.
— LETTIE! — exclamei. — ATAQUE!!!
Do chão, ela estendeu os braços na frente do corpo, abrindo as mãos uma paralela a outra.
— TENKOCHI!!!
Dos seus dez dedos, dez bolas de energia se formaram.
Lettie as direcionou como mísseis teleguiados até Nappa.
Mas o miserável foi mais rápido.
Apenas três bolas de energia o atingiram, e ele se desviou das outras sete, as quais acabaram caindo nas formações rochosas ao nosso redor, causando mais impactos e vendavais impiedosos. Cobrindo os olhos, a única coisa que consegui ouvir foram os gritos assustados de Gohan em seu esconderijo.
Quando a fumaça baixou, Nappa flutuava a nossa frente a uma distância. Seu rosto sangrava com dois grandes cortes causados pelo ataque de Lettie.
Mesmo não sendo a hora ou o momento para isso, não deixei de sentir uma onda de orgulho da minha garota–, digo, da minha aluna.
Entretanto, aqueles ferimentos em seu rosto não deixaram Nappa nada feliz.
Olhei para Lettie e Kuririn, e ambos assentiram com um aceno de cabeça preocupado, porém decidido.
Não tínhamos outra escolha a não ser atacarmos Nappa com força total.
Voamos pra cima dele, de uma só vez. Nossos movimentos eram tão rápidos, que parecia que cada um de nós havia triplicado. Lettie e Kuririn estavam indo muito bem, o cansando com seus golpes certeiros.
Contudo, assim como estávamos cansando Nappa, ele fazia o mesmo conosco. Ele era muito poderoso e suas defesas eram mais velozes que os nossos ataques.
Certo momento, ele derrubou Kuririn com um soco e, depois, Lettie com uma joelhada na barriga. Fiquei tão atordoado ao vê-la caindo com um baque no chão, que baixei a guarda e também fui atingido com um chute debaixo do queixo.
Quando caí de costas ao lado dela, perdi o ar dos pulmões e não consegui respirar.
— P-Piccolo! — Lettie se arrastou até mim, ofegante, e se debruçar sobre o meu corpo. A dor que senti ao vê-la com o rosto todo machucado doeu mais do que o golpe de Nappa.
— E-Estou bem… — Me forcei a levantar com o auxílio dela.
Por um instante, viramos para uma determinada direção e avistamos Gohan, ainda semioculto em seu esconderijo. Seus olhos arregalados de pavor ao nos ver naquele estado me deu forças para continuar.
— V-Vamos! — eu disse à Lettie. — Não podemos parar agora!
No entanto, antes de alçarmos voo com Kuririn outra vez, sentimos a presença de um Ki ali próximo. A uma distância da gente, Tenshinhan estava de pé, trêmulo ao concentrar toda sua energia em seu único braço.
— ESTE… — declarou ele, com veias protuberantes em sua cabeça. — ESTE SERÁ… O MEU ÚLTIMO GOLPE!!! PELO CHAOS!!! — Ele então ergueu a mão, mirou em Nappa e gritou: — KIKOHO!!!!!!!!
Um grande raio de energia saiu dele, cobrindo toda aquela região por um clarão amarelo tão intenso, que só tive tempo de me encurvar sobre Lettie para protegê-la de qualquer impacto e torcer para que Gohan também tivesse se escondido.
Quando o clarão dissipou, Nappa estava ileso.
Fiquei tão transtornado ao vê-lo intacto pairando lá no céu, apenas com um pouco de sujeira cobrindo seu uniforme e corpo, que suspeitei fortemente que ele era imortal. Não era possível, só podia ser!
Meus pensamentos foram interrompidos quando ouvi Vegeta rindo desdenhoso ao longe e, quando me voltei para olhar Tenshinhan, entendi o motivo.
Todo o seu Ki havia desaparecido.
Tenshinhan estava prostrado no chão, morto.
Lettie estremeceu, ainda agarrada a mim, ao testemunhar mais um membro de nossa equipe perder a vida de um modo tão cruel.
Só sobraram nós quatro; eu, ela, Gohan e Kuririn.
Kuririn ficou impactado com a morte de Tenshinhan a tal ponto, que caiu de joelhos e berrou para os céus:
— GOKU!!!!!! VENHA DEPRESSAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!
Ao vermos sua reação, eu e Lettie trocamos olhares exaustos e carregados de preocupação e temor. Se continuássemos naquele ritmo, seríamos dizimados em pouquíssimo tempo.
Meu medo quase se tornou realidade quando Nappa, num ímpeto de vanglória pela morte de Tenshinhan, mergulhou num voo em nossa direção.
— MORRAM!!!! — gritou ele, pronto para o golpe.
— NAPPA, ESPERE! NÃO FAÇA ISSO! — ordenou Vegeta.
Nappa paralisou no ar, meio torto, ainda em posição de ataque.
— Hã? — indagou ele. — O que foi? Por que me fez parar?!
— Não seja tão impaciente — respondeu Vegeta. — Tenho uma coisa importante para perguntar a eles. Esse tal de "Goku" que chamaram, por acaso é aquele que conhecemos por Kakarotto?
— É ele mesmo! — Lettie deu um passo a frente e bateu no peito. — Ele é o meu irmão! Qual é o problema?!
Vegeta então riu alto.
— Ora, ora… quer dizer que a última esperança de vocês é Kakarotto? Ele é tão fraco, que foi facilmente vencido por Raditz. Mesmo que ele chegue até aqui, como poderá ajudá-los?!
— Ele mudou bastante! — replicou Kuririn, tão determinado quanto Lettie. — Ficou muito mais forte!
— Não subestime Son Goku! — acrescentei. — Ele é um grande guerreiro!
Lettie me olhou, como se não acreditasse que enfim declarei em voz alta minha admiração e respeito pelo seu irmão.
Foi a vez de Nappa rir em desdém.
— Se ele é mesmo um grande guerreiro, por que está demorando tanto? Com certeza aquele covarde resolveu abandoná-los!
— EI! VOCÊ! — Era Gohan, saindo do seu esconderijo, vermelho de raiva. — O MEU PAPAI VIRÁ, EU TENHO CERTEZA! E NÃO VAI DEMORAR MUITO E ELE VAI VENCER VOCÊS!
Lettie correu para pegar um enfurecido Gohan enquanto Vegeta respondia:
— Vocês têm muita confiança nesse Kakarotto. Isso é interessante. Se é assim, então vamos esperar até que ele chegue.
— Mas, senhor! — retrucou Nappa. — Isso é um absurdo! Devemos acabar com eles agora mesmo!
— Vamos dar a eles três horas — disse Vegeta. — Três horas e nada mais para Kakarotto chegar.
— ISSO É RIDÍCULO! — Nappa rangeu os dentes. — QUERO CONTINUAR LUTANDO COM ELES AGORA MESMO! — E mergulhou mais uma vez em nossa direção.
— NAPPA! — esbravejou Vegeta. — COMO OUSA ME DESOBEDECER???
Pela segunda vez, Nappa paralisou no ar, a um metro da minha cabeça.
— E-E-Eu sinto muito, s-senhor! — suplicou ele. — E-Eu estava ansioso e…
— Não interessa — cortou Vegeta. — Estou permitindo que eles vivam mais um pouco. Fiquem agradecidos, seus vermes. — E ambos se retiraram para se sentarem em algumas pedras ao longe, nos deixando ali, ainda em posição de combate e suando frio.
Porém, o que mais me chamou atenção de todo aquele diálogo, foi perceber o quanto Nappa se mostrou subordinado a Vegeta. Isso significaria que Vegeta era ainda mais poderoso do que ele?
Isso significaria que… faltavam apenas três horas para o fim do mundo?
Assim como os Saiyajins, nosso grupo se distanciou. Lettie também se sentou numa pedra, com Gohan no colo para acalmá-lo contra as injúrias que ouviu do seu pai.
Me agachei na frente deles e perguntei:
— Lettie, como você está?
Ela soltou um suspiro, com um rosto todo machucado e exausto.
— Sobrevivendo…
Pressionei os lábios e baixei a cabeça, enfim reparando que seu uniforme estava detonado, com rasgos e manchas de sangue e sujeira de cima a baixo. Ao erguer a mão, refiz seu uniforme para que ficasse novo, e ela me agradeceu com um pequeno sorriso cansado enquanto Gohan deitava em seu peito com um semblante abatido.
— N-Nossa! — surpreendeu-se Kuririn ao nosso lado. — Eu não sabia que você tinha esse tipo de poder, Piccolo. Será que poderia consertar as minhas roupas, também?
— Não.
Lettie ergueu as sobrancelhas para mim, esboçando o mesmo olhar reprovador de quando eu fazia algo que ela não gostava, e fui obrigado a obedecê-la e refazer as roupas de Kuririn, o qual ficou bem agradecido.
Um minuto de silêncio se passou. Permaneci agachado na frente de Lettie e Gohan, até que ela levantou o olhar para mim e confirmou o que eu havia pensado há pouco:
— Piccolo, cometemos um erro em trazê-lo… — Ela apontou o sobrinho com a cabeça, ainda quieto, agarrado às roupas novas da tia.
— Eu sei… — respondi, baixinho e com pesar.
— Será que… não dá para ele sair voando escondido para voltar ao Acampamento? — questionou ela.
— Acho impossível — respondi. — Consigo sentir esses Saiyajins me fitando sem nem precisar olhar para eles.
— Olha, Lettie… — disse Kuririn. — Confesso que minha vontade também é fugir. Mas aposto que eles nos destruiriam com um único golpe se tentássemos. Nossa única esperança é que Goku chegue durante essas três horas.
— Vocês conseguiram ressuscitar o meu papai? — Gohan virou a cabeça para ele.
— Sim. A Bulma reuniu todas as Esferas do Dragão durante o último ano e fez o pedido. Mas… não nego que ele está demorando muito para voltar.
Permanecemos mais um tempo em silêncio, até que vi Lettie colocar a mão na testa de Gohan.
— Ele está com febre… — Seus olhos marejaram e ela observou ao redor. — É esse… lugar! É esse ambiente horroroso!
Após também aferir a temperatura de Gohan, segui seu olhar, e não me restou nada a não ser concordar com sua fala. Ainda podíamos ver os corpos de Yamcha e Tenshinhan caídos, um em cada canto.
Aquela definitivamente não era uma visão que uma criança de cinco anos deveria ter.
Soltei um suspiro trêmulo e a olhei de volta.
— A culpa é toda minha… Fui eu quem coloquei vocês nesta posição. E agora, se algo acontecer a vocês, não serei capaz de me perdoar.
— Ei… — Lettie pegou meu rosto com sua mão livre. — Eu também aceitei participar do Treinamento e desta luta. — Ela então se afastou para aconchegar Gohan em seu colo. — De qualquer maneira, se estes Saiyajins nos derrotarem, nenhum ser vivo deste planeta sobreviverá.
Sua mórbida, porém realista constatação fez o clima do nosso grupo ficar ainda mais sombrio e deprimido.
Pouco tempo depois, Kuririn se dirigiu a mim:
— Piccolo, posso falar com você um minuto?
Minha atenção estava tão focada em Lettie e Gohan, que me esqueci de que ele ainda estava ali ao nosso lado. Me levantei e a deixamos ainda checando o estado de saúde do sobrinho, e caminhamos alguns metros, não saindo do campo de visão dos Saiyajins.
— O que você quer? — perguntei, seco.
— Piccolo, eu, hã… desculpe perguntar, mas… — Kuririn coçou atrás da cabeça careca. — Como posso dizer isso? — Ele então respirou fundo, como se tomasse coragem, e perguntou: — Aconteceu alguma coisa com você durante esse Treinamento com a Lettie e o Gohan?
Um grande frio na barriga me acometeu no mesmo instante.
— Por que está dizendo isso? — retorqui.
— P-Por favor, n-não me leve a mal! É que… você… você está… diferente.
Estreitei os olhos de um modo suspeito, o que o fez prosseguir:
— Você não me parece mais aquele cara que eu conhecia de um ano atrás. — Kuririn pausou e me deu um meio sorriso sem graça. — O que houve com Piccolo Júnior, filho do grande e terrível Piccolo Daimaoh?
Quando menos percebi, dei um passo a frente e me inclinei sobre ele para encará-lo face a face.
— Não me chame assim — disse, entredentes. — Eu não carrego mais este nome abominável. Agora, é só Piccolo.
Mesmo amedrontado diante minha proximidade, os olhos de Kuririn brilharam com entusiasmo.
— Ohhh! Então, algo REALMENTE aconteceu durante o Treinamento. — Ele curvou os lábios num sorrisinho pretensioso. — Me fala a verdade, você e a Lettie começaram a namorar? Uau, quem diria, hein? O maior inimigo de Goku em um relacionamento com a irmã dele?
Acredito que a cor deve ter sumido do meu rosto, mas não permiti que ele percebesse, pois logo me endireitei, esboçando a cara mais fechada que consegui, e retruquei, ríspido:
— É sério que me chamou aqui para vomitar um monte de asneiras?! — Estalei a língua e lhe dei as costas. — Vou voltar, tenho mais o que fazer!
— Espere, Piccolo!
— O que foi, agora? — Parei, fechando os olhos para reunir toda a minha paciência.
— B-Bom… Já que você se desvinculou do seu pai, quer dizer que… não vai mais tentar conquistar o mundo?
Fiquei quieto por um momento.
— Não.
— Então, o que vai fazer? — indagou ele.
— Ainda não sei. — Observei Lettie e Gohan à minha frente, metros adiante, e concluí: — Por enquanto, meu único objetivo é garantir que duas pessoas saiam vivas desta batalha. — E caminhei até eles, deixando Kuririn com suas perguntas idiotas, mas ainda sentindo meus músculos tensos ao refletir sobre elas.
Esperamos Goku por três horas.
Nesse meio tempo, ao ver que a febre de Gohan havia baixado, Lettie quis pegar os corpos de Yamcha e Tenshinhan para não deixá-los largados naquele estado moribundo que se encontravam, mas, quando demos indício que iríamos até eles, Vegeta lançou uma bola de energia, nos assustando ao destruir um paredão rochoso ao nosso lado, alegando que estávamos proibidos de sair dali.
Aquele Vegeta estava mexendo com meus nervos a níveis estratosféricos.
Por causa da minha super audição, tive o desprazer de ouvi-lo dizer a Nappa o quanto Goku e Lettie deveriam sofrer por trair sua raça Saiyajin e decidido ajudar o planeta Terra, e não nego quando digo que quase voei em seu pescoço para matá-lo quando ouvi quais eram suas intenções com Lettie após nos derrotarmos.
Goku, venha depressa!
Mas ele não veio. As três horas se passaram, e nada dele aparecer.
— Está na hora! — anunciou Vegeta, se levantando e jogando seu rastreador de lado. — É como imaginei… Kakarotto é um covarde. Ele abandonou vocês.
— MEU PAI NÃO É UM COVAR– Gohan furiosamente exclamou, mas Lettie conseguiu tapar sua boca e arrastá-lo para perto de mim. O ânimo de nosso grupo já estava muito alterado. Se Gohan provocasse os Saiyajins, nossas chances poderiam desaparecer por completo.
Kuririn estava para ter um ataque de pânico com a demora de Goku; Lettie estava branca, com seus olhos sempre numa expressão de grande temor; já eu, suava frio com a maior onda de ansiedade que já senti em minha vida.
— Está na hora de brincar com vocês. — Nappa então tirou toda sua armadura, ficando apenas com um calção preto ridículo e brega, as botas e as munhequeiras nos punhos, e se dirigiu até nós estralando os dedos. — Pelo visto, não podemos contar com Kakarotto!
Ele se aproximava.
— Acho que só existe uma maneira de vencê-lo — eu disse, não tirando meus olhos dele. — Só teremos uma oportunidade. Ouça, Kuririn. Você terá que distraí-lo pelo maior tempo possível. Depois, vou esperar que ele baixe a guarda, e daí, agarro sua cauda, que é o seu ponto fraco. Lettie, na hora em que Nappa ficar imóvel e sem forças, você o atacará para nocauteá-lo. Entenderam?
— Certo! — Os dois concordaram.
— Sr. Piccolo — chamou Gohan —, também quero lutar!
— Querido… — começou Lettie. — Não acho que é prudent–
— Mas estou pronto, Tia! — replicou ele. — Quero mostrar pro meu papai o quanto me tornei forte com o Treinamento do Sr. Piccolo! — Ele se voltou para mim com um olhar suplicante. — Por favor! Me deixe lutar!
Troquei feições preocupadas com Lettie, a qual se mostrava bem incerta com a ideia. Mas eu não podia negar o óbvio. A ajuda dele seria de grande valia naquele momento.
— Está bem, Gohan — respondi com um suspiro. — Você pode lutar. Quero que você ataque Nappa com sua tia assim que eu o imobilizar, certo?
— E você está proibido de sair de perto de mim, escutou? — acrescentou ela.
— Entendido! — Gohan fechou os punhos. — Não vou decepcioná-los!
Eu e Lettie agora trocamos um aceno de cabeça com um pouco mais de segurança, e até Kuririn pareceu confiante com aquele plano.
Nós quatro nos viramos para encarar Nappa.
— Gohan… Lettie… não tenham medo! — eu disse a eles, cada um posicionado ao meu lado. — Um dia, vocês serão muito mais poderosos do que eu. Tenho certeza.
Como um último ato antes de iniciarmos a luta, nós três nos entreolhamos com um pequeno sorriso de mútua cumplicidade.
— Tá legal! Vamos começar! — declarou Kuririn, e correu até Nappa em alta velocidade. Quando estava a uns dois metros dele, apontou as duas mãos para o chão e disparou um raio de energia que o elevou até os céus como um foguete.
Nappa parou no lugar, atônito com aquele movimento repentino.
Era a minha deixa!
Corri tão rápido que, em questão de um segundo, eu já estava atrás dele, e agarrei sua cauda.
— O-O quê?! — exclamou Nappa, mais perplexo ainda. — Ora, seu…!!!
— LETTIE! GOHAN! — os chamei. — AGORA!!!
Como dois raios em sincronia, eles correram em nossa direção, e por um instante, uma chama de esperança de que nosso plano daria certo se acendeu em meu peito.
Mas a chama logo apagou, quando Nappa virou-se para mim com um sorriso sádico e disse:
— Seu insolente! Acreditou mesmo que nossas caudas continuam sendo nosso ponto fraco? — E me deu uma cotovelada no topo da cabeça com a força de uma bigorna.
Ouvi um osso se quebrar, e tenho certeza que foi o do meu crânio.
A última coisa que enxerguei antes da minha visão escurecer, foi Lettie e Gohan congelarem no meio do caminho, me fitando com olhos arregalados cheios de horror.
— NÃO!!! — gritou ela.
— SR. PICCOLO!!!
E então, desfaleci.
O golpe de Nappa deve ter danificado alguma parte do meu cérebro, o que causou o meu desmaio. No entanto, eu ainda sentia e ouvia tudo o que diziam.
— Não morra ainda, Namekuseijin. — Nappa me ergueu pela gola do meu macacão. — Apesar de eu ter derrotado você, o homem mais forte deste planeta, com um só golpe, ainda precisa nos contar o que sabe sobre as Esferas do Dragão. Vá descansar um pouco.
Meu corpo foi jogado para frente até eu cair de bruços no chão como se fosse um saco de lixo, e logo, senti o conhecido calor do toque das mãos de Lettie e Gohan em minhas costas, até eles me virarem.
— Piccolo! Oh! Essa, não! — Lettie chorou ao percorrer os dedos pelo meu rosto. — Aguente firme, tá??
— Acorde, Sr. Piccolo! — Gohan me sacudiu em desespero. — Por favor!
Quis dizer para eles que eu estava bem e consciente; que eu estava apenas desacordado, mas eu canalizava todo o meu Ki para acelerar meu processo de regeneração, entretanto, eu não conseguia abrir os olhos e nem me mexer.
Por conta de toda a energia que eu utilizava para me curar, minha audição não conseguiu mais captar direito o que acontecia ao meu redor, e tudo então soou como se fosse um sonho distante.
Só sei que um burburinho se instalou naquele campo de batalha.
A primeira coisa que ouvi foi Lettie investir contra Nappa com uma fúria tão nítida que até eu consegui sentir. Ela lutou com muita bravura. Kuririn logo se juntou a ela, enquanto Gohan permaneceu comigo, tentando me acordar, decerto sem toda aquela confiança ao ver seu treinador ser abatido tão facilmente.
E eu não poderia culpá-lo. Era cruel demais exigir tanto sangue-frio de uma criança.
Lettie e Kuririn lutaram contra Nappa durante um bom tempo. Em certa hora, ouvi seus golpes "Tenkochi" e "Kienzan" sendo lançados, mas parece que não atingiram seu alvo.
— Sr. Piccolo! — chorou Gohan, ainda me sacudindo. — Vamos, acorde, por favor! Eles estão perdendo!
Acalme-se, Gohan! Estou quase conseguindo…
Ouvi Kuririn gritar de dor e o som do seu corpo caindo no chão.
Só mais um pouco!!!
Foi então que ouvi o grito dela.
— TIA LETTIE!!! — exclamou Gohan.
Abri meus olhos, me sentando de um modo tão súbito que Gohan se assustou, e avistei Lettie, também agora abatida perto de Kuririn.
Não…
Ainda com muita dor, me forcei a me levantar, com Gohan agarrando minhas calças e chorando de emoção ao ver que eu continuava vivo.
— ESTE SERÁ O SEU FIM!!! — Nappa criou uma bola de energia em sua mão, pronto para jogar neles.
— Ninguém. Toca. Na. Lettie! — declarei a mim mesmo, ofegante, e estendi minha mão, disparando um raio de energia bem nas costas nuas de Nappa.
Meu golpe lhe causou uma queimadura feia, e foi sua vez de gritar de dor.
Meus joelhos cederam e precisei do apoio de Gohan. Então, por uma fração de segundos, avistei Lettie erguer a cabeça de onde estava, e nossos olhos se encontraram.
O sorriso que ela abriu ao me ver iluminou todo o seu rosto ferido.
Me virei para Nappa, numa mistura de raiva por aquele Saiyajin e pelo alívio ao ver que nada de grave aconteceu com Lettie, e vociferei:
— NÃO SUBESTIME NOSSO PODER, SEU MALDITO!
— Você acabou com minha paciência, Namekuseijin! — enfureceu-se Nappa. — Agora, destruirei você, portanto, vá logo dizendo tudo o que sabe sobre as Esferas do Dragão!
— Não te direi absolutamente NAD– De repente, me enrijeci ao sentir a presença de um Ki muito poderoso vindo de longe.
O efeito daquele Ki foi instantâneo em todos. Cada um de nós olhou ao redor na procura daquela grande força que apareceu, inclusive Lettie e Kuririn ainda caídos.
Gohan então se pôs a chorar, mas desta vez, foi de felicidade:
— Oh!!! É um Ki muito impressionante e é de alguém que eu conheço…
Exausta, Lettie conseguiu se sentar no chão e engatinhar até Kuririn para socorrê-lo.
— S-Só pode ser ele… — O ouvi dizer com dificuldades para ela através da minha super audição.
— Sim… Eu também reconheço… — Lettie abriu outro sorriso cansado. — Mesmo tendo ficado com ele por tão pouco tempo…
— Hã?! — Nappa voltou-se para mim. — Do que vocês estão falando? De quem é esse Ki?! DIGA LOGO!!!
— Este Ki é de Son Goku! — anunciei com um sorriso ousado para ele e Vegeta. — Ele nos fez esperar tempo demais, mas finalmente apareceu!
— SIM!!! — alegrou-se Gohan. — É o meu papai! Eu sabia que ele não ia nos abandonar!
— Antes tarde do que nunca, irmão… — sussurrou Lettie, olhando para os céus, que aparentaram se tornar mais azuis com nossas esperanças renovadas.
— A-Apresse-se, Goku… — disse Kuririn.
— Então é o tal do Kakarotto?! — questionou Nappa. — Cadê ele, hein? Cadê ele???
A uma distância, Vegeta pegou seu rastreador jogado no chão e o colocou em seu olho esquerdo de novo.
— Hmmm, será que é mesmo o Kakarotto? — Vegeta esboçou uma expressão compenetrada ao acionar seu rastreador. Após alguns segundos, ele arquejou em espanto. — OH! Não sei se é Kakarotto ou não, mas… é alguém com um poder de luta de cinco mil.
— Cinco mil?! — retrucou Nappa. — I-Isso é impossível! Este aparelho deve estar com defeito.
Ri com muito gosto da sua incredulidade.
— O que foi? — Sorri para ele. — Está com medo? Não se esqueça de que podemos aumentar e diminuir nosso poder de luta, então, considere cinco mil como o poder MÍNIMO de Goku.
— Nappa, me escuta! — ordenou Vegeta. — Tem minha autorização para matar todos eles, de uma vez por todas! Se esses quatro mais o Kakarotto se juntarem para lutar, poderemos ficar em desvantagem. Já mostramos para aquela mulherzinha Saiyajin de classe baixa ali do que somos capazes, e agora, precisamos mostrar isso ao Kakarotto, também!
Espere, aquilo não estava no plano!
— Mas, senhor, à quem perguntaremos sobre as Esferas do Dragão se matarmos o verdão aqui? — perguntou Nappa.
— Isso não importa! Eu tenho uma ideia — respondeu Vegeta. — Se formos até o planeta natal dos Namekuseijin, com certeza encontraremos outras Esferas do Dragão ainda mais poderosas que estas da Terra. Pensei que fosse um boato idiota, mas se Kakarotto de fato ressuscitou, então a lenda é verdadeira.
Se eu não estivesse na situação que estava, decerto eu teria ficado muito interessado em saber mais sobre o meu planeta natal e o meu povo de origem. Eu ainda nem havia digerido direito sobre toda aquela revelação sobre eu ser de uma raça chamada Namekuseijin. Mas tive que voltar ao foco quando Nappa concordou com a ideia de Vegeta e se virou para mim com um olhar sinistro.
— Muito bem, então! — declarou ele. — Vou começar com você!
Um calafrio percorreu minha espinha.
— SR. PICCOLO! — Gohan de repente exclamou a alguns metros de mim. Seu rosto exibia um semblante raivoso e determinado. — Pegue a Tia Lettie e corra! Eu lutarei até que meu papai chegue!
Não pude deixar de me impressionar com tamanha coragem que ele demonstrou naquele momento.
— É que… — Gohan então me olhou de um modo cheio de tristeza. — Se o senhor morrer, Kami-sama também morre, e as Esferas do Dragão vão desaparecer!
O quê? Quer dizer que… Gohan ouviu minha conversa com Lettie ontem a noite?
Meu coração doeu, profundamente.
— Não, Gohan! — repliquei. — Fique onde está! Não se aproxime!
Nappa, contudo, pareceu muito empolgado com a ideia de espancar o filho de Kakarotto.
— Eu ouvi direito? — Ele virou-se para Gohan com uma feição sinistra. — Você quer lutar comigo? HAHAHA! Não me faça rir, seu garotinho ignorante! — E disparou até ele.
Só tive tempo de ver Lettie deixar Kuririn e, assim como eu, também correr em direção a Gohan. Porém, antes mesmo que eu ou ela pudéssemos fazer alguma coisa, travamos no lugar ao vê-lo se impulsionar pra frente, girar o corpo e meter uma bicuda na bochecha de Nappa, o jogando metros adiante. Até tive que me desviar para que aquele Saiyajin gigante não caísse em cima de mim.
Nappa atingiu uma formação rochosa em cheio, a desabando na hora.
— Uau…! Incrível…! — Kuririn arquejou.
Perplexos, eu e Lettie nos entreolhamos ao nos virarmos para um Gohan ofegante, ainda mirando com fúria o seu inimigo abatido no meio da pilha de rochas.
Acredito que, naquele momento, senti algo muito parecido do que um pai sentiria ao ter orgulho do próprio filho. E Lettie não parecia diferente.
Aquela sensação foi interrompida quando Nappa emergiu das rochas num pulo e pousou entre nós três.
Seu corpo estava detonado; cheio de cortes e feridas escorrendo sangue.
— SEU… SEU… PIRRALHO!!! — Ele fitou Gohan com olhos injetados. — VOCÊ AINDA NÃO ME VENCEU!!!
O chão começou a tremer, com areia e pedras formando um redemoinho ao seu redor. Nappa então formou uma grande bola de energia em sua mão, mais poderosa do que qualquer outra que já havia criado.
— MORRA!!!!!!!!! — E jogou diretamente em Gohan.
Um clarão branco cobriu aquele campo de batalha, e tudo se tornou em câmera lenta para mim.
Lettie gritou o nome de Gohan e pulou pra cima dele, o abraçando com força e se encolhendo no chão para protegê-lo do ataque.
Não… Não…! Não!!!
Os dois seriam atingidos, e seria… mortal!!!
NÃO! Eu não vou perdê-los! Eles… Eles são tudo o que tenho!
Me pus a correr, veloz e desesperadamente até os dois.
A cada passo, as imagens de um filme se passaram na minha cabeça, de tudo o que vivi durante o último ano.
Vi Lettie e Gohan me encarando no laguinho quando foram raptados por mim, os vi sendo atacados pelas leoas e eu os salvando, os vi enfrentando o T-Rex no primeiro dia de Treinamento, os vi aprendendo a escalar a formação rochosa do Acampamento, os vi passarem fome, os vi sofrerem durante dois meses pelas minhas mãos impiedosas, vi Lettie sangrando nas Águas Termais, vi Gohan com seu olho roxo…
Eu estava quase lá…
Também vi a mim mesmo; pedindo perdão para os dois naquele dia nublado na barraca, me vi aprendendo a controlar meus impulsos nervosos, me vi os ensinando a levitar, a voar e a lutar, me vi cuidando de Lettie quando Gohan se perdeu, me vi o recebendo com um abraço quando retornou para nós, me vi sendo enfim derrotado por seus golpes…
Aguentem firme…!
Vi Gohan, com sua vivacidade e inocência, amolecer este coração tão frio, duro e cheio de rancor, me ensinando que assistir o nascimento de um simples passarinho em seu ninho podia trazer mais alegria ao espírito do que aprender uma nova técnica de luta.
Estou chegando…!
Vi Lettie, com sua gentileza e carinho, tocar, não só de um modo físico, mas emocional, as profundezas de uma alma tão amargurada e sem esperanças como a minha, despertando em mim sentimentos e emoções os quais nunca imaginei que eu fosse capaz, muito menos digno, de experimentar.
Só mais um passo…
E, acima disso tudo, eu vi nós três; compartilhando incontáveis refeições ao redor da fogueira, brincando nas Águas Termais, explorando a natureza, voando pelos céus e apostando corrida, rindo de alguma gracinha ou piada boba que contávamos, passando tempo juntos deitados na grama e observando as estrelas num silêncio acolhedor, comendo pizza no último dia de Treinamento…
— NÃO!!!!!!! — Me coloquei na frente deles, de braços e pernas abertas.
O ataque de Nappa me atingiu com uma explosão; sem misericórdia, perfurando cada milímetro do meu ser.
Fez- se silêncio, e a poeira baixou.
Ainda de braços e pernas abertas, olhei para o meu corpo.
Eu estava estraçalhado. Minhas roupas se rasgaram nos braços, no peito e nos joelhos, e sangue escorria por inúmeros cortes profundos pela minha pele e músculos. Ao meu redor, uma cratera se formou pelo impacto do golpe.
— P-P-P-Piccolo… — Ouvi Lettie gaguejar, e olhei para trás.
Ela e Gohan continuavam abraçados no chão, trêmulos e de cabelos desgrenhados, me encarando com o rosto lívido em assombro.
Que bom… Eles não haviam se ferido… Estavam bem… Estavam…
Meu corpo não suportou mais e cedeu, caindo de bruços na areia.
— HAHAHAHAHA! — Nappa riu em sua soberba. — O idiota do Namekuseijin quis morrer antes desses Saiyajins traidores, mas não importa! Podem ficar aí, chorando à vontade!
— PICCOLO!!! — Lettie veio até mim.
— SR. PICCOLO!!!
Pela segunda vez, os dois me viraram e olhei para Lettie ao me ver deitado em seus braços, com ela percorrendo a mão pelo meu rosto e peito, esboçando um olhar carregado de pavor ao contemplar meu estado miserável.
— P-Por que fez isso??? — ela chorou ao pegar meu rosto, deixando uma lágrima escorrer pela sua bochecha.
— E-Eu disse… — Tossi sangue. — E-Eu disse que… protegeria… vocês…
— Tia Lettie! — clamou Gohan, apertando meu braço com as duas mãos. — Precisamos salvá-lo! O que vamos fazer?!
Lettie desesperadamente procurou de um lado para o outro, como se pudesse encontrar algum remédio milagroso jogado em algum canto por ali para me dar.
— Já sei! — Ela arquejou e pousou a palma da mão no meu peito. — Vou te transferir metade da minha energia! Gohan, venha, faça o mesmo!
— N-Não! — repliquei, não sem ter outro acesso de tosse. — Não façam isso… Não vai… a-adiantar… Só vai… enfraquecer… v-vocês…
— Vai funcionar, sim! — esganiçou ela, com a voz embargada do choro.
— Lettie… — Coloquei minha mão acima da dela em meu peito. — Meu corpo… está quebrado… d-destruído por dentro… — Me engasguei com meu próprio sangue. — N-Não… Não há… o que fazer…
— Se regenere, Sr. Piccolo! — Gohan agarrou o que sobrou das minhas roupas em meu ombro.
— E-Eu não… — Tossi outra vez. — Eu não c-consigo…
— Sr. Piccolo… — Gohan deitou a cabeça em mim e chorou.
— NÃO! Não permitirei que você morra! — Lettie me trouxe para mais perto de si, me aninhando do mesmo modo que fazia com Gohan. — Você disse que me levaria nas minhas entrevistas de emprego nos Dojôs, não disse?! Precisa manter essa promessa, também. — Ela tocou meu rosto e me acariciou com o polegar, e lamentou, baixinho: — Você… nem ao menos teve a chance de pensar em um sonho novo…
Abri minha boca para respondê-la, mas foi sangue, e não palavras, que saíram dela.
— Piccolo… — continuou Lettie num sussurro. — Por favor… Não me abandone…
Uma sensação desesperadora me tomou, mais forte e intensa que as dores avassaladoras em minhas entranhas.
Se as Esferas do Dragão se forem comigo e com Kami-sama, não poderemos ressuscitar…
E Lettie… Lettie ficará sozinha. De novo.
Como esteve durante toda sua vida.
Não… Eu não podia fazer isso!
Eu não podia abandoná-la!!!
— Lettie… — Eu já não conseguia mais puxar o ar, e minha voz estava fraca. Foi impossível ocultar o sentimento aterrorizante que gritava em meu peito quando a encarei profundamente. — E-Eu… Eu não quero morrer…!
A última coisa que vi foi ela empalidecer ao ouvir minhas palavras.
— NÃO!!! — gritou ela. — PICCOLO!!! NÃO ME DEIXA!!! NÃO!!!!!!!!!
Meus olhos então escureceram, e o sopro da vida me deixou.